Por Ronaldo Faria
No bar um violão se espraia às
vozes das mesas. Na letra, brinquedo de papel machê. Na janela, uma flor no
sachê. Cheiros de madrugada tragada e ensimesmada. Num canto, o casal se
acasala no quase nada que deveria ser uma sala. Não há solstício nem de inverno
ou de verão. Talvez um inferno impregnado de tesão. Na cantoria vil,
respirações, destratos e sermões. Nos pratos, salmões. No comer atrasado das
emoções, o risco de virar salmonela.
No bar um violão vai a violar
ouvidos e corações. Na música, dedos que correm as cordas. Acordados,
inebriados, enlutados de tardias lembranças, os casais se engolem em lambuzadas
lambidas e lambanças. Fora dali as cores de nuvens anuviadas diante do quadro
se transformam em labirintos que bêbados com labirintite desmaiam. Entre potes
e terras, uma flor antes morta se envermelha de todo. Dir-se-ia que ela
sobreviveu para sair do lodo.
No bar um violão estremece o silêncio que dorme nas mãos e bocas entrelaçadas de ilusão. Nos acordes, odes limítrofes entre a saudade e a dor. Uma conta aqui, outra acolá, um passear de pernas e prosas nos caminhos que as mesas transformam em mar. Rebentações nos pés curvados das mesmas. Copos que desfalecem e se esvanecem em luz. No cansaço do relógio que não para, a imensa cisão entre o paraíso partido e sua derradeira cruz.