sábado, 19 de fevereiro de 2022

Resgate de crônicas

E pra não ficar mais uns dias ausente, vasculhei meus arquivos das mais de 400 crônicas que escrevi para a Revista Metrópole do Correio Popular e garimpei duas delas que seguem abaixo. Minha próxima vez aqui é segunda-feira. Acho que até lá vai dar pra voltar a escrever. 

Por Edmilson Siqueira 

Pimenta Pura 

Pois o choro, aquele mesmo que Pixinguinha, Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga andaram inventando no início do século 20, encontrou bom abrigo por essas plagas. Depois de pairar soberano por décadas no Rio de Janeiro, ele foi renascer justamente onde menos se esperava: em Brasília. Explica-se: no início dos anos 60 a capital do país saiu do Rio e foi para o Planalto Central. Muitos funcionários públicos cariocas tiveram que deixar as praias e ir respirar o ar seco do planalto central. E quando batia a saudade, o que rolava? Claro que um bom samba e um choro. Os filhos desses “candangos” cresceram ouvindo boa música e, no fim dos anos 80, já adultos, iniciaram uma pequena revolução musical instituindo o choro como música oficial em alguns botecos brasilienses. A moda pegou, claro.  

E aqui em Campinas? Nossa revoluçãozinha começou com a Sinfônica e o curso de Música da Unicamp atraindo talentos de várias partes do país. Daí a vida noturna intensa em matéria de música ao vivo que tivemos nos anos 80 e início dos 90, e que agora está retornando em diversas casas espalhadas por Barão Geraldo, Sousas, Joaquim Egídio, Cambuí, Vila Nova etc.  

Claro que por aí se ouve de tudo, jazz, rock e samba, mas um CD recém-lançado chama a atenção. É de “cinco bandidos” que se juntaram justamente para tocar na noite. E de bar em bar foram construindo uma identidade difícil de se encontrar mesmo nas melhores famílias. Eles são o Choro Bandido, uma das mais gratas surpresas musicais dos últimos tempos que essa cidade produziu.  Adriano, Anderson, Marcelo, Daniel e Chiquinho mostram no CD a mesma perfeição das tardes de domingo do Deck Sousas, quando, entre generosos copos de chopp da Brahma, a gente se esquece do tempo ao som do bandolim, do clarinete, do violão de sete cordas, do cavaquinho e do contagiante ritmo do pandeiro de Chiquinho do próprio. Ou então nas noites de terça do Santa Fé, quando o grupo faz a gente comer mais uma pizza mandando o regime às favas, só para ouvir mais um pouco o som dos ‘bandidos’.  

O CD se chama Apimentado, que é o choro que abre o disco, composição de Marcelo Falleiros, que não fica devendo nada para choros de Ari Barroso, Paulinho da Viola, Dilermando Reis, Jacob do Bandolim e Laércio de Freitas, cujas composições também estão presentes no CD, numa ótima seleção. Taí uma sugestão de presente tão bom de dar quanto de receber. 


Um elepê 

Foi na loja do Osny, a Hully Gully Discos, que vi a cara do elepê. Estava lá na estante onde ficam os elepês e não o teria visto se ele não fosse o primeiro da fila. Por desvalorizados 5 reais qualquer um poderia levá-lo para casa. O nome é simples: Plus. Na capa, sorridentes e trocando um olhar que parece significar algum caso entre eles, Astrud Gilberto e James Last. De Astrud qualquer amante amador da música como eu sabe que foi quem primeiro gravou, nos Estados Unidos, Garota de Ipanema em inglês, com João Gilberto e Stan Getz e ficou várias semanas em primeiro lugar na parada lá deles. Além disso, é dona de uma sólida carreira e suas interpretações percorrem mundo. Sem ser uma superstar, é respeitada e nos EUA e na Europa.  Já o maestro James Last era para mim um ilustre desconhecido. E é nessas horas que a internet é a maior amiga do homem, depois do uísque, claro. Por ela descobri que James Last é alemão, mas construiu sua carreira como maestro e arranjador nos EUA. E foi uma carreira com grandes sucessos, já que ele foi quem inventou um treco chamado “non-stop-dance” que vendeu como abobrinha na feira.    

Mas o que importa, no caso, é que o elepê Plus é um achado. Misturando uma orquestra completa, com alguns músicos brasileiros como Paulo Jobim, Marcelo Gilberto, Duduka Fonseca e Café mais a voz de Astrud cantando um repertório que inclui até clássicos do jazz como Caravan de Duke Ellington e Juan Tizol na qual Irving Mills e a própria Astrud botaram uma letra, a coisa funciona muito bem. A isso somam-se três músicas de Paulo Jobim com Ronaldo Bastos (Samba do Soho, Moonrain e Saci), duas da própria Astrud Gilberto (Champagne and Caviar e Amor e Som), além de duas parcerias suas, uma com Antonio Carlos Jobim (I’m not without you) e outra com Duduka Fonseca (Forgive me). Claro que não poderia faltar pelo menos uma de James Last, que é a With Love, feita em parceria com Ron Last. O álbum se fecha tendo como última música do lado B (lembram?) um clássico de Jobim e Vinicius – Água de Beber.  

Agora é levar o elepê para o Osny de volta e encomendar um CD. Aliás, dois, pois quando peguei esse Plus na loja, ele me exibia todo orgulhoso, uma raridade de Adoniran Barbosa, que ele não vende de jeito nenhum, um disco-brinde, produzido pela Olivetti que não foi distribuído comercialmente e que tem até uma parceria de Adoniran com Hilda Hilst. É mole?  

Adendo atual: tanto o CD da primeira crônica quanto o LP da segunda são artigos raros por aí. Nem a Hully Gully ali na Doutor Quirino existe mais. Mas ficam as lembranças de um tempo, com certeza, mais generoso. 

Zé Geraldo

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