terça-feira, 1 de março de 2022

Aldir Blanc, a homenagem aos 50 anos do mestre

Por Edmilson Siqueira 

O grande Aldir Blanc ainda poderia estar entre nós. Morreu de covid e do desleixo de um governo assassino que atrasou ao máximo a compra de vacinas. Ele, pela idade, estaria na primeira fila e hoje poderia estar escrevendo as letras mais incríveis, as crônicas mais realistas, lendo tudo que lia na sua obsessão por livros e nos encantando com sua produção artística. 

Ele se foi em maio de 2020 e seu legado já foi cantado em prosa em verso por aí. É, sem dúvida, um dos maiores letristas do Brasil de todos os tempos, no mesmo nível de Chico Buarque, Jobim, Vinicius, Paulo Cesar Pinheiro e outros gigantes da MPB.  

Com o parceiro João Bosco (outro gênio da MPB que estará por aqui muitas vezes, com certeza), Aldir escreveu pérolas, bem como com alguns outros parceiros menos constantes. E, além de Bosco, um disco em homenagem aos 50 anos de Aldir, lançado em 1996, reúne grandes nomes, num trabalho magnífico, tanto pela qualidade das composições - todas de Aldir com vários parceiros - quanto pela excelência das gravações e pelo cuidado com a apresentação do disco: uma caixinha com o CD e um encarte completo, com muitas fotos, todas as letras e informações técnicas sobre a gravação. Além de um emocionado texto do amigo e produtor do disco Marco Aurélio que diz, entre outras coisas: "Esse disco nasceu de um sonho antigo, de fazer, junto com Aldir, um projeto com a dimensão que um gênio, como ele, merece." 

Pode-se dizer que o disco mostra a essência de Aldir, pois traz algumas joias de sua parceria com João Bosco, mas também canções raras e magníficas que ele fez com Guinga, Edu Lobo, Raphael Rabelo, Bororó, Lucia Helena, João de Aquino, Cacaso, Claudio Cartier, Claudio Jorge, Paulo Emílio, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro, Ed Motta, Ivan Lins, Paulo Emílio, Gilson Peranzetta, Marcio Proença, Cristóvão Bastos e até uma "parceria" com os gringos Glen Miller e Mitchell Parish, numa versão de Moonlight Serenade. 

Como é um disco homenagem, cabe até um pequeno discurso de ninguém menos que Dorival Caymmi abrindo os trabalhos. O grande mestre baiano diz, entre outras coisas que "estamos falando do ourives do palavreado. Estamos falando da poesia verdadeira..." 

Outra novidade no disco é Aldir Blanc cantando e ele o faz com propriedade, vencendo a velha timidez. Anel de Ouro, em parceria com Raphael Rabello nos revela um Aldir maduro, cantando seus próprios versos, uma canção de desilusão amorosa, cujo símbolo da paixão (o tal anel de ouro do título) acaba no prego, devidamente empenhado. Aldir puro. 

Mas, se Aldir cantando é uma grata surpresa, outros intérpretes da coletânea são a constatação de que a MPB jamais morrerá por falta de grandes cantores. A seleção é das melhores. 

A voz delicada de Carol Saboya abrindo o disco com Carta de Pedra; Edu Lobo em Pianinho; Nana Caymmi e Danilo Caymmi em Siameses; Rolando, no delicioso samba Na Orelha do Pandeiro; o Arranco de Varsóvia em Vim Sambar; um coro com o próprio Aldir mais os bambas Wilson das Neves, Wilson Moreira, Valter Alfaiate Ney Lopes na divertida Mastruço e Catuaba; um pout porri com Nação, Querelas do Brasil e Saudades da Guanabara magnificamente cantado por Emílio Santiago; Ed Motta em Crescente Fértil; Ivan Lins em Pequeno Circo Íntimo; Leila Pinheiro em Cegos de Luz; Fátima Guedes em Maçã Tatuada; Clarisse Grova em Reencontro; Cris Delano em Sonho de Válvulas; Paulinho da Viola em 50 Anos; MPB-4, Betinho (sim, o irmão do Henfil) e um enorme "Coral da Vida" para o grand finale do disco com O Bêbado e a Equilibrista. 

Com produção impecável em todos os sentidos, o disco é uma grande homenagem, mais que merecida, ao autor de letras que estarão eternamente na memória dos brasileiros, emaranhada na nossa cultura a incomodar os acomodados, a desafiar os poderosos e nos encantar com uma poesia nua e crua saída da inspiração de um grande mestre. 

O CD completo está disponível no Youtube em https://www.youtube.com/watch?v=64TIsAy-Q24 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...