sábado, 19 de agosto de 2023

Tim Maia

 Por Ronaldo Faria



No ritmo louco das canções nunca cantadas, a verdadeira epopeia que a loucura permeia.

 O que é eternidade? A saudade que inebria e contagia, contamina e dá sonho acordado? Ou a simplicidade de saber que tudo se foi, nas sombras de uma madrugada que chega fatigada e fatiada em minutos e horas, aonde a escuridão chegou mais cedo num inverno sepulcral e fatídico, desses que a gente nunca lembrará. Coisas partidas e sofridas, esquecidas e aquecidas em doses de um ou outro trago. Talvez seja brincadeira de alguém além de nós que, sem eira e nem beira, diz apenas que não vale a pena ter pena de ninguém. Ínfimos no planeta e num universo disperso, não há nada a fazer...

 Sílvio seguia sem rumo na madrugada de poucas luzes difusas em lembranças confusas. Apenas seguia. Tinha soluços num prenúncio deletério, mas já sabia a solução: água quente pra dentro. “É batata! Para na hora.” Ou seja, dos males da loucura, o menor estava solucionado. Os outros? Estes o perseguem desde o primeiro berço ou respirar fora do ventre materno. Não têm solução. Nunca terão. Irão acompanhá-lo para o sempre, como fossem pesadelo constante.

-- Boa noite, Sílvio. O de sempre?

Sebastião, garçom que sempre o recebia com um sorriso pródigo, desses que não se esquece, sabia que era a hora de trazer uma gelada, uma quente e preparar o bloquinho para anotações mil. Até jogar água no chão e usar um rodo como aviso, o cliente ficará solitário a rever coisas mil.

-- Boa noite, Bastião. Manda ver o de sempre. Consegui viver mais um dia. É pra comemorar!

Nas ruas ao redor, a redondeza parece nem saber que uma vida padece de parecer. Os poucos que ainda circulam e não copulam estão a viver suas próprias ilusões. Alguns, poucos, com tesões. A maioria com senões.

-- E aí, Bastião, te valeu hoje viver?

-- Faturei legal com os dez por cento. As pessoas voltaram a descobrir que um copo e um bar salvam existências. Portanto, acho que valeu.

-- Que bom. Grana faz parte. Sem ela não há arte de consumo, de poder chegar num bar e encontrar gente como você. De poder extravasar, largar os grilhões do tempo, achar que um momento embriagado pode tudo esquecer. Bastião, um brinde pra você!

Nas mesas vazias e próximas, o eco da voz vocifera como fosse uma eclosão de quase nada. E era. Afinal, o que é um único homem a falar de si numa vastidão? De uma janela qualquer, ainda acesa e vivente, Tim Maia cantarola para acender o farol. Mas, perto dos ouvidos dois carros colidem de frente. No saldo do Samu, três mortos e cinco feridos. Vai dar página par nos jornais de amanhã... Tem coisa mais importante para se reportar.

Zé Geraldo

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