Por Ronaldo Faria
A fumaça que escapa para o
alto vem dos lábios marcados e coloridos de vermelho da boca de Luiza. A luz que
a escolheu para se eternizar na penumbra que o bar feito rotunda dá, é quase lúgubre.
Fina, em fagulhas de amarelo e cinza, ela mostra o rosto que transcende no
silêncio que esbarra na rua em frente – esquecido, retrátil em poucas e nenhuma
vida assombrada.
Luiza, fugitiva da fuligem que
a estrada do falso amor põe a voar, brinca de forjar olhares de loucos machos
em seus desejos transversos e sem versos a recitar. Linda, de vestido vermelho
que deixa suas pernas se moldarem de escultura viva, vez ou outra lembra que,
outrora, fora cantada em poesia e prosa. Na sua casa, uma fotografia amarelada é
sentença malfadada.
Na mesa a poucos metros,
perplexo e catatônico, Celidônio se atira na mentira que se tornou sua vida. A
amante diz que quer privá-lo de más notícias e o esquece na perene sintaxe da
prece. Solitário, vê-se, ele permanece. A performance agora é sobreviver
para ver aquilo que ainda vai acontecer. Entregue à própria loucura, soltura de
letras e lero-lero, se diz clérigo.
Celidônio é o homônimo de um trágico pseudônimo:
é o anônimo. Os garçons não o veem, a cerveja não chega, o mundo prefere não enxergá-lo.
No gargalo da garrafa ainda fria, faz sua sina. A mudar de desejos e mundanas,
solapa a brincadeira de eira e beira que se tornou sua existência. Na crença nenhuma,
viaja na metáfora que é o picadeiro sem bailarina ou graça.
Luiza e Celidônio, porém, no sobretudo
que o então dá para o entretanto que habita muito e tanto e em tudo, contudo, se encontram na fila
do banheiro. O lugar, saibamos, nada tem de brejeiro. Há, de fato, um fátuo
cheiro. De urina esquecida e cobalto. Na radiação de corpos, surge e urge a
química de um elemento do alemão Kobold, duende,
demônio das minas.
Se olham e entreolham
dos pés à cabeça, cruzando as partes que o íntimo de dois corpos traz à tona
quando a nudez detona. Foi como amor à primeira vista, coisa de destino e vida.
Agarraram-se lá mesmo. Roçam e tocam, brindam e brincam. A madrugada que os
uniu num pueril e insensato pudor os leva à cama mais próxima e próspera. E o
restante, naquilo que nunca de fato restou, foi-se à puta que pariu. Logo nascerá
um dia em anil.
(Sob o som do blues)