quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Sob o som do Dick Farney Trio em 1956

 Por Ronaldo Faria

Disco com um som de arranhado a rodar e cantar meu Rio de Janeiro um ano antes de eu nascer. Em 1956, um tocar de três instrumentos a brincarem de música inaudita e infinita, iluminada e pródiga. Nas mesas, copos de vodka, gim ou bacardi. No mar, uma garota de Ipanema ainda se prepara para virar moda mundial. Ao som de Tenderly, mãos tupiniquins dão os acordes da noite. Casais tocam as mãos, os lábios senão. Carros brincam de seguir a orla que desenrola marés e mares e enrola corpos e ares mil. A proximidade de duas bocas as fazem roucas, unem línguas e vão, à mingua, para onde for o odor ou a dor. No meio de tudo, creiam, há amor. No computador que virou vitrola, a música rola a mil e enrola o poeta quase senil. Na Valsa de uma Cidade, pode haver tudo, menos maldade. Certamente muita saudade do que foi, daquilo que seria e do tão pouco que as sereias de biquínis mostram num andar pelas calçadas ao louco que as vê passar.

No disco que mudou de aparelho, o coração vive parelho com a saudade que se vai em mansidão. Por certo, perto, haverá uma solidão. Um lábio seco da língua distante da amante que dorme cansada da vida atabalhoada, um decrépito querer que sabe que nunca irá ser, uma imensidão e acalentada saudade que sorve em goles o desejo de um dia voltar à beira-mar. Hoje, entregue às moscas num interior cheio de consagradas orgias e inauditas sangrias, vai tudo murchando como manga no pé. Seja o que deus quiser ou o destino vier. No mundo virtual e novo, a agulha roda entre espaços de uma ou outra nota. O tempo se denota fugaz. Dick Farney ao piano, acreditem, é do meu tempo. E hoje vi um historiador dizer que isso é a melhor forma de você ver que ficou para trás. Ao som do piano, num altiplano e no gás, em arranhada mente, vou a viajar num inexistente acreditar que o passado nada mais é do que eternamente relembrar.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...