quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Ao som múltiplo da múltipla multiplicidade que vem com a idade

Por Ronaldo Faria


Vendetas de amor, blasfêmias de dor, canções consternadas e adernadas entre copos de vinho e olhares vagos, entrecortados na noite que permeia os afagos e tragos. Pares trocam pernas e pés pisados no salão. Entre tantos, está Romão. Homem de idade longeva, dessas que já não conta aniversário e vira anedotário, está sentado, solitário, na mesa que se esconde numa canto sem luz. A cena em si sem traduz. Não passa garçom, não chega um chamego, ninguém olha nem de viés. O revés é total. O Romão é somente mais um animal. Houvesse licença de caça, sequer alguém ousaria encher com ele um embornal, gastar um pavio de pólvora, buscar a trilha em que ele se embrenhou. Na verdade, sequer qualquer fêmea emprenharia no local. Ele era um apêndice, desses que não cabe em dicionário e nem obituário. Que não se extrai do corpo e deixa a vítima morrer. No seu além, dos anjos nem um desdém. Talvez, quem saberá, um universo sem verso e a nobreza que há muito está na mágica do aquém.

Mas Romão estava lá, a cantar larari ou larará. Cantava só, num assombroso silêncio que nem a madrugada mais calada poderia ouvir. Na parcimônia cômica, a antagônica agonia que frigia como ovos de uma galinha que punha nova vida sem sequer cacarejar. Um sanfoneiro toca brejeiro para um casal dançar. Nos ouvidos que olvidam o mundo encontrar, uma nota ou outra denota que mais um dia irá acabar. Logo, outro surgirá e urgirá as verdades que Romão não quer escutar. Pegar um novo ônibus, subir e descer atônito como fosse um ator cômico. Tentar desvendar, em tantos tentáculos que tentam pegá-lo para no breu jogá-lo, de quais fugir no urgir de um tempo que sua úlcera não deixará viver. Mas, para ele, tanto faz. Chama o garçom que, por fim, decide vê-lo chinfrim e pede a conta. Sai trôpego e sôfrego. Logo ali, na distância sem equidistância, cairá para nunca mais ser, ver ou respirar. Em volta, o lugar testemunha o vendedor que prega que a pupunha é o melhor a se comprar.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...