quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Tijuca com Tim Maia

 Por Ronaldo Faria

Tijuca. Som de soul. Cercania de morros e montes, balas tracejadas, trajetos de Zona Norte em mistura de cadências, esquinas e sorte. Tijuca minha, do Tim que nasceu do lado, da loucura da Maria e da doideira do Maia. Um monte de edifícios erguidos nas décadas de anos que se perderam nos idos dourados de antigamente. Ruas agora encravadas e cravadas nas favelas que acendem velas para os mortos das febres vermelha e amarela, entre tiros de AR-15 e baforadas de um cachimbo de crack, cheirada antevista, fumaça ao léu.

Tijuca berço meu, de brincadeiras sem medo, pontapés sobre o gol e nada de chamego. Bairro de praças mil, de bandeiras, Afonsos e Saens, todas hoje dignas de pena. Berço de cinemas, sanduíches de atum frio, viagens loucas entre sussurros e fonemas, lambidas e edemas. Cataclismos juvenis, prédios gigantescos de apenas quatros andares, amores e limiares, mães de santo visitadas para dizerem o que a Leila há muito havia dito e dava certo. Salve Maria Conga! Tomara os tambores do passado voltem a bater no mesmo ritmo...

Tijuca de craques do futebol de mesa, de peneiras que nos anos 70 traziam gênios por muito pouco ou nada quase (tristeza que tão pouco também tivesse). Oblack, minha benção a ti, maior atleta de minha vida. Mais de mil gols marcados. Tijuca de incêndios de papel higiênico, de pesadelos malversados, de cobertas de taco, de um caminhar a colégios públicos e mágicos, quase imaginários. Tijuca de um garoto cabeçudo e burrinho, que foi crescendo e aprendendo meio solitário e outro tanto sozinho. Que por lá virou rato de apelido, líder de arrimo, garoto em desatino. Pequeno de tamanho, de sonhos e esquinas a cruzar. Um tijucano que pouco via o mar. Que até os 14 anos era um ser da Zona Norte, entre a perseguição sobre telhados ao Cara de Cavalo e a morte insone e sem nome.

Tijuca, berço e manjedoura. Agora digitada com o pouco de lucidez que ainda me afaga. Ao fundo, Tim Maia. Nosso, meu e teu transverso mundo. Em passos de soul para buscar mais vodca no congelador. Tu és, eu sou. Tijuca carioca. Agora cortada por metrô, para mim ainda algo distante da infância, retrô. Com seus cachorros de bronze, talvez chegada do bonde 11. Daqui, no calor abafado que te preenche na bacia preenchida de morros, nos uivos dos cachorros a mostrarem que o bonde quer subir na bala o ponto do senhor da favela de tal, te saúdo. Tijuca, começo de tudo. No fim de quase nada, lembrei de ti, figura guardada no meu coração, escondida no meu submundo. Onde o gigante, adormecido, te guarda entre esquinas e parques, entre feiras livres e charques.

A ouvir, quase em alfa, o Tim Maia.

Zé Geraldo

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