sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Lúcio Alves

Por Ronaldo Faria


Carlito sai da repartição cabisbaixo. Sabe que não há muito a comemorar. Para no Amarelinho e pede um chope. “Porção?” – pergunta o garçom solícito. “Não, obrigado. Mas não deixe a serpentina esquentar. Muitos mais virão”, responde de forma educada e branda.

Seu dia foi redundantemente repetitivo. Mesmas coisas, mesmos horários, honorários iguais. Nada aconteceu de novo. Mesmo da janela taciturna da repartição nada que valha lembrar, além dos pombos a cagar sem parar e arrulhar para uma pomba ou outra mais.

“Que merda! Vale a pena estar aqui para vivenciar este fim de vida? Podia estar no São João Batista ou no Caju que não faria a mínima diferença”, pensou. Aos poucos as luzes da noite se sobrepõem ao entardecer. No entremeio de tudo, um sorumbático e vil viver.

“Garçom, traz outro!” A voz de Carlito, como a mãe em vida o chamava, sai como um brado. O operário dos desejos de bêbados e afins logo cumpre o pedido. Defronte ao bar, os poucos pombos que não dormiram buscam quirelas pelo chão de pedras portuguesas.

No relógio do tempo e no biológico, ambos sem lógica, as horas vão vivendo minutos argutos que correm pelo esgoto. Um cheiro vem do Aterro do Flamengo com jeito de mar e orgia. Na mesa solitária, Carlito parece aflito num conflito eterno de não querer viver...

E o tempo cronológico verte tão em desespero que se esvai. O garçom, solícito, solicita que ele deixe o lugar. “Por favor, vamos fechar. Até Madureira é muito trilho pra andar”. Carlito paga a conta. Agora é saber-se-á o que virá. Urina no Monumento aos Pracinhas...

“Perdeu! Perdeu!” Com um revólver apontado para si, Carlito levanta as mãos. Diz que restam poucos centavos, que vá buscar com o garçom. Não cola. Três tiros de um 38 enferrujado. Cai exangue numa poça de sangue. Amanhã, pela hora, nem pé de página será.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...