segunda-feira, 6 de novembro de 2023

No chorinho embriagado de notas desbotadas e desbragadas

Por Ronaldo Faria


Bebamos. Bebamos ao átrio onde o espaço seja de copos mil, conversas delineadas entre a razão e a loucura, lancinantes pelejas onde haja vencedores e vencidos, em que cada um transcenda centilitros e mililitros de performances perdidas no tempo e ventres desnudos em que apenas se sonha. Bisonha, a noite profanará lampejos de um dedilhar de violão, um som de cavaquinho, um pandeiro perdido numa esquina qualquer, todos para profanarem o silêncio que dorme junto ao corpo da mulher. Talvez, logo além, uma voz. Um lábio delicado a bordar de beijos a promíscua escuridão, tão pueril como desejo mais insano de caminhar a noite como fosse ela mero pernoite numa praça de casais a se acariciarem no luar.

Esperemos. Esperemos que o inerte colapso da mão que afaga o cão na esquina seja a mesma sina da amante que, desvirginada, espera reparar seu erro com o toque de uma varinha de fada. A luz de lampião, que teima em fugir dos postes enferrujados pela chuva fina, se enternece ao viver em reflexo nas gotas de suor que caem do rosto do guarda que corre atrás do menino que roubou a maçã do feirante. Nas pedras de paralelepípedos quadriláteros e escuros, um brilhar que se consome no barulho dos Fordes que, igual aos seus donos, são tais  e têm bigodes. No botequim, onde garçons e garrafas mil se misturam e sobem e descem, corre e vazam, as decisões plenas ou prósperas esperam apenas a hora vagarosa passar.

Possamos. Possamos, pois, passear em notas e cifras, acordes a nos acordarem da letargia que chega logo depois do décimo copo de pinga. Feito Posseidon, dominemos nossos mares bravios que têm como porto o corpo da amante, vençamos terremotos que teimam em existir nas ladeiras, eiras e beiras de quando o sol ainda não nasceu, impeçamos as tempestades que desaguam entre copos a mais e bílis de menos, e domemos nossos cavalos que teimam em correr por pradarias de asfalto onde carros refletem o perigo do fim. Protetor das águas derramadas em garrafas vazias e auxiliar dos marinheiros de última ou primeira viagem, que o deus grego de cada um apenas descanse um dia no fotograma perdido entre imagens mil.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...