segunda-feira, 2 de maio de 2022

Tim e Os Cariocas: as vozes perfeitas

Por Edmilson Siqueira 

Sobre Tim Maia é meio chover no molhado falar de suas qualidades vocais e de compositor. Artista único na nos história musical, se perdeu em drogas e bebidas, mas enquanto viveu produtivo, fez coisas sensacionais. Rebelde das causas erradas, podia ter feito carreira inigualável, mas nem sempre os artistas são do jeito que a gente gostaria que fossem para que pudéssemos desfrutar deles o melhor que poderiam produzir. São seres humanos e têm falhas como todos. C'est la vie. 


Mas Tim Maia teve tanta qualidade que seus erros desaparecem quando ouvimos seus discos. Um deles é surpreendente: Tim Maia e Os Cariocas - Amigo do Rei, produzido por ele mesmo para o selo Vitória Régia, que também era dele. 

O CD tem um encarte com todas as letras (são dez músicas), e a devida ficha técnica de cada faixa. "Ter Você É Ter Razão" (Dominguinhos e Climério) abre, de modo até surpreendente, o disco. Pois trata-se de um misto de guarânia e xote, ritmos estranhos tanto a Tim quanto aos Cariocas. Mas eles se esbaldam com a alegre música e a interpretam muito bem. 

A segunda faixa já é uma música do próprio Tim - "Essa Tal Felicidade" - intimista, onde Os Cariocas fazem um back vocal muito bom.  


Já na terceira, o conjunto carioca está em casa: "Ela é Carioca" de Jobim e Vinicius. O vozeirão de Tim que, a princípio não se encaixaria na delicadeza da bossa nova, entra na última estrofe, cantando dois versos apenas e depois volta solando desde o princípio, provando que não há incompatibilidade alguma entre as delicadas composições de Jobim e o estilo de Tim. Basta ter respeito pela música, o que fica evidente na faixa. 


"Lindeza" de Caetano Veloso é outra composição delicada que ambos, Os Cariocas e Tim interpretam com o máximo respeito e o resultado só poder ser agradável ao extremo.  


"Amigo do Rei", de Lenine e Bráulio Tavares é um gostoso samba do qual todo mundo se incumbe de manter o clima pra cima. 


O megassucesso de Tim Maia, "Não Quero Dinheiro, Só quero Amar" é a faixa seguinte, que começa do mesmo modo que a gravação original. A diferença começa na segunda parte, com Os Cariocas estreando no pop-rock com muita galhardia. 


Depois do pop-rock, o grupo volta aos seus domínios com o "Telefone", um clássico da bossa nova, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Tim Maia aproveita para fazer uma brincadeira no final com a situação do rapaz que tenta ligar para a moça. 


Outro sucesso de Jobim vem na sequência - "Samba do Avião" - e o próprio encantamento que o autor sente na primeira frase ao avistar seu querido Rio, é transportada para a voz de Tim e os Cariocas, não deixando que a pérola do maestro soberano, quase um hino à sua cidade, se perca.  

"Azul da Cor do Mar" uma dessas melodias inesquecíveis de Tim Maia é a penúltima do disco. Na biografia de Tim - Vale Tudo, escrita por Nelson Motta - ficamos sabendo que essa música foi feita em cerca de duas horas. Tim estava na casa de um amigo, perto da praia, quando os amigos saíram pra dar um mergulho. Convidaram Tim, mas ele se recusou, talvez envergonhado do seu corpo, já muitos quilos acima. Ficou sozinho e quando voltou ele cantou a música para os amigos que não acreditaram que ele tinha feito aquela obra prima ali, em tão pouco tempo. Mas tinha.  


O disco se encerra com "Valsa de Uma Cidade" de Ismael Neto e Antonio Maria. É um hino em forma de valsa para a cidade que todos amavam e, ouvindo um disco como esse, apresentado por cariocas da gema, fica difícil não amar de novo.  


O CD está à venda nos bons sites do ramo a preços bem diferenciados, e pode ser ouvindo na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=WH40QePfPV0 

sábado, 30 de abril de 2022

Mestre Marsalis

Por Edmilson Siqueira 

Wynton Marsalis há muito deixou de ser apenas um excelente instrumentista de jazz e de clássico dos EUA. Ele já é uma entidade que, do alto dos seus mais de cem discos gravados, esbanja talento, inteligência e preocupação em formar novas gerações de jazzistas. Tenho alguns discos dele e já assisti várias vezes, ao vivo, pela página no YouTube, a seus concertos de jazz no Lincoln Center de Nova York, onde é diretor do Jazz at Lincoln Center, organização fundada em 1987 e inaugurada no Time Warner Center em outubro de 2004. Além de diretor, Marsalis é o líder da Orquestra de Jazz do Lincoln Center.   


Um dos CDs dele que tenho é o duplo The Wynton Marsalis Quartet Live at Blues Alley. Gravado nos dias 19 e 20 de dezembro de 1986, foi lançado dois anos depois. Foi seu décimo-primeiro disco e, sobre ele, o Marsalis escreveu em seu blog: “Nos anos 80, eu adorava tocar Blues Alley em Washington DC. Sempre me lembrei de qualquer clube que teve a coragem de me contratar quando comecei. Blues Alley nos deu um de nossos primeiros shows em 82. Todo mês de dezembro, tocávamos e o clube ficava lotado com uma grande diversidade de pessoas de todas as gerações. Eu estava tão feliz por estar tocando com Marcus Roberts e Bob Hurst e Tain Watts, estávamos tentando todos os tipos de coisas diferentes e o clube foi tão solidário quanto o público. Foi um momento lindo musicalmente e socialmente.” 

E essa felicidade de tocar num clube muito especial para ele e seu grupo está traduzida em todas as 16 faixas dos dois CDs. Nelas, Marsalis passeia por vários clássicos do jazz, destilando improvisos que remetem a todas as referências possíveis dos gênios do trompete, de Louis Armstrong a Chet Baker. Marsalis é, sem dúvida, um dos gênios do jazz, só que seu talento não cabe apenas nesse ritmo. Já ganhou até prêmio Grammy pelo melhor disco clássico no mesmo dia em que ganhou pelo melhor disco de jazz. 

 

Há quem o critique pelo excesso de técnica, o que poderia deixar um pouco “fria” as interpretações que exigem um pouco mais de feeling. Ledo engano: sua refinada técnica adquirida em estudos que começaram muito cedo, permite que ele entre e saia com a mesma competência em todos os caminhos que o improviso jazzístico pode levar.  

 

Esse CD ao vivo é uma prova cabal dessa genialidade. Pode-se pensar que se trata de Coltrane ou Bird quando o be-bop impera. Ou de Chet Baker quando o som melodioso envereda por entre as nuances de uma balada. É apenas Wynton Marsalis, elevado à categoria de mestre há muitos anos e que continua preocupado com a história da música que seus ascendentes criaram nos EUA. Prova disso é série Jazz, onde ele aparece em vários momentos comentando e louvando a história e a música que alguns de seus ídolos criaram e que hoje ele tão bem representa. 

 

O CD ao vivo gravado no Blues Alley passeia por clássicos como Cherokee, Just Friends, Autum Leaves ou Do You Know What It Means To Miss New Orleans. E tem todo um clima que só pode ser fornecido por uma casa como essa, que existe desde 1965 e pela qual já passaram muitos dos gigantes do jazz, como Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Nancy Wilson, Grover Washington Jr., Ramsey Lewis, Charlie Byrd, Maynard Ferguson, Eva Cassidy etc... 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube neste endereço: https://youtu.be/A-h1l5of82g?list=OLAK5uy_mK5ErGLGbTYemMxEJsNEYnROP41dfK2_I  

E também pode ser encontrado em alguns bons sites do ramo. Preste atenção aos preços, pois há diferenças exorbitantes entre eles.  

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Ao Flávio Venturini

 Por Ronaldo Faria

Coisa de dedilhar e ficar no pandemônio que existe entre o início e o fim. Talvez um tempo extemporâneo ou coisa volátil qualquer. Segundos de ver alguém a fumar e depois vê-la morrer. E tudo segue normal como se nada fosse frigir. No ribeirão da iniquidade de ser, a premente canção do porvir. O descrer de uma chaminé que já não há. Volúpias de voltar a ser. Parcimônias de um ser franzino onde a paisagem parece não crer. Brincadeira de acalantos e prantos tão demasiados que o mundo parece não lhes dar cânticos. Nos cantos de um escuro qualquer haverá um Papai Noel a tentar, sem conseguir, descer. E fuligens cairão da chaminé como fossem um grão de pó. Narizes irão cheirar féculas brancas de loucura. Ares de maresia irão margear impróprios falsetes que tornearão o tempo que ainda se vai viver. No calor de cada corpo, o trocar de paixões em tudo. Ao clímax de algo, o ultrajante querer daquilo que se sonhou.   

quinta-feira, 28 de abril de 2022

O primeiro disco de Ricardo Matsuda

Por Edmilson Siqueira 

Ricardo Matsuda é hoje um artista reconhecido e muito respeitado no meio musical brasileiro. Se não é conhecido do grande público é porque seu talento o levou para um tipo de música que não frequenta rádio e televisão populares. Mas é bom, muito bom.

 

Violonista, compositor e arranjador, há passeou por alguns estilos, já gravou vários discos, já tocou outros instrumentos de corda, participou de vários grupos e sempre deixou a marca de sua personalidade musical. 


Já formou trios com gente do quilate de Pepe D’Elia (baterista) e Ronaldo Saggiorato (contrabaixo); já participou, por vários anos e com muitos prêmios, do Grupo Anima. O grupo ficou conhecido pelo trabalho original a partir da pesquisa de repertório da música antiga ibérica e da tradição oral brasileira. Entre 2001 e 2008, período em que participou do grupo, gravou dois discos, que renderam turnês por 18 estados brasileiros e concertos na Argentina, Bolívia, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai. 


Formou um duo com a cravista Patrícia Gatti e com ela gravou dois discos "Contos Instrumentais" e "O Cravo e a Rosa - Suítes Populares para Cravo e Violas Brasileiras", com uma inédita e bonita sonoridade obtida da união entre a viola caipira e o cravo. Ambos os discos foram muito bem recebidos pela crítica especializada. 


Só que quando gravou "Dança das Estações", o disco que vou sugerir hoje, Ricardo nem pensava nisso tudo. Foi antes de sua entrada no Anima que, no inverno de 2001, ele entrou no MM Estúdio para gravar 9 músicas de sua autoria e uma de Kosaku Iamada e Rofu Miki e outra de Mané Silveira. 


Para a empreitada estavam presentes duas cantoras - Isa Taube e Érika Sasazaki - e os músicos Mané Silveira (sax e flauta), Guilherme Ribeiro (acordeão) e Dalga Larrondo e Magrão (percussionistas). 


Ricardo Matsuda toca violão em todas as 11 faixas, algumas solitariamente. O que se ouve por todo o disco é uma música instrumental rica em detalhes, com duas delas soladas pelo sentido canto de Isa e Érika, e que guardam uma característica comum: são de alta qualidade. 


A voz de Isa passeia pelo Canto do Povo do Vale, primeira faixa, lentamente, e a todo momento se pensa em Milton Nascimento, tal a beleza da música e a sonoridade do solo vocal.  

Coqueiral, Akatombo, Invernal, Latina, Marcha da Praia, Outrora, Aleijadinho, Boya, Outono e O Pequeno Tigre, completam o disco, num verdadeiro show de música instrumental da maior qualidade.  

Infelizmente não encontrei cópia do CD no Youtube e nem à venda nos bons sites do ramo. Se alguém encontrar por aí pode comprar, que é muito bom. 

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Charlie Brown Jr

 Por Ronaldo Faria

Noite, abismal abismo entre a realidade e o cismo. Cataclismo e sofismo. Ínfimo cântico no ir e vir. Versejos e tracejos entre o ir e vir.  Gracejos de quem ainda estar por se ouvir. Cansaço, asco, grasso querer. A morte está perto de viver. 


Saudade ao som de baião

 Por Ronaldo Faria Saudade, essa maldade intrínseca e seca que devora a gente em cada pedaço de ser. Que não devolve a vida que nos faz fa...