sexta-feira, 8 de abril de 2022

Pagode Jazz Sardinha’s Club

Por Edmilson Siqueira 


Remexendo a coleção de CDs, encontrei esse Pagode Jazz Sardinha's Club, lançado em 1990. Fazia empo que não ouvia e foi um prazer botar o disquinho pra girar e ser iluminado pelo feixe de laser que, num desses milagres da tecnologia, retira daquela superfície o som que foi gravado num estúdio e bota nas caixas no volume que a gente quiser. Parece coisa simples, mas o que tem de noites em claro de cientistas para conseguir esse feito, não é pouco, não. Entre o início dos estudos e o lançamento do primeiro CD se passaram oito anos.  


Mas, tecnologia à parte, vamos falar do disco do Sardinha's. É um grupo carioca que, assumidamente, faz samba-jazz. Como é carioca, nada a estranhar a homenagem à "sardinha", um ótimo tira-gosto que, neste escrevinhador, provoca uma saudade danada de um chope gelado num bar do Leblon.  


O disco é o segundo do grupo, que, apesar de ser mais instrumental, trata-se de um “jazz club” e só os que conhecem muito de música se atrevem a chamar o que fazem também de jazz.   


Formado por músicos dos mais competentes, a música do Sardinha’s só podia fluir como se num baile fosse e é isso que o grupo fazia (e acho que faz ainda) lá pelas bandas da Lapa, no Rio. Ali, no Rio Scenarium, bailes semanais (toda sexta-feira) para mais de mil pessoas. Os sete integrantes da banda buscaram inspiração na musicalidade da Lapa de hoje. Ou seja: eles tocam na melhor escola de músico que existe – os bailes – e na velha Lapa carioca de tantas tradições musicais, um bairro que se confunde com a própria história do que há de melhor na MPB.  Então o CD não tinha jeito de sair apenas mais ou menos. E pagode, antes de desvirtuarem o significado, era isso: uma festa com samba, bebida e comida. 

O disco apresenta, logo de cara, um samba no melhor estilo gafieira – Chave de Cadeia – e dá bem ideia do que pode o grupo.  Savana que vem depois segue o estilo e mantém a qualidade. Na terceira faixa, a presença de Zeca Pagodinho, numa das duas únicas faixas com letra (a outra é um pot-pourri com sambas de roda) é um atestado de que o pessoal está bem acompanhado. O samba que leva o nome do CD tem uma letra que foge até ao estilo de Zeca, mas é o retrato do que o Sardinha’s pretende ser: uma colcha de retalhos de influências, sem preconceito e preocupado apenas em fazer boa música. Samba Castiço, quarta música, é puro samba carioca com ares de regionalidade dados pelo solo de bandolim, mas sem perder o suingue que seu andamento proporciona. 


Uma das poucas músicas não assinadas pelos compositores do grupo – Eduardo Neves e Rodrigo Lessa – é a quinta faixa. E o Sardinha’s foi buscar em Chico Buarque não um dos seus inúmeros e excelentes sambas, mas uma de suas músicas mais emblemáticas: Joana Francesa. E o que se ouve é um momento de emoção, traduzido na delicadeza dos solos de trombone, no arranjo sutil, na suavidade da percussão. José do Egito, O Dia em que Ela Chegou, Suingue Envolvente, O Maxixe, Neném!!!, Choro Transgênico, Chorinho de Gafieira, Não Sou Mais Disso/Faixa Amarela/O Feijão de Dona Neném e Olhos D’Além Mar são as outras das 14 generosas faixas do disco. Um trabalho perfeito que merece estar na estante de quem gosta da boa MPB. 

Várias das músicas do disco estão disponíveis no YouTube e o CD ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Elis não morreu

 Por Ronaldo Faria

Um copo no balcão a pedir mais. No sorriso solto e embriagado, um fardo a seguir. O afago do tempo, feito pimentinha a cobrir pedaços de pé de porco que descem a dentro para o sempre. Um canto de cidade em seu centro onde o cantar não entoa mais. Loucos e bêbados se sobressaem nos ônibus que chegam e vão no vão que se esvai entre esgotos e torpes ébrios soltos a brincarem de cair e levantar. Um gole a mais, camiseta de proveta a nascer de uma amizade entre goles e golfadas. A lua, do alto, sem saber se é cheia ou nascente, se faz pungente e emerge para iluminar o último urinar no banheiro de todos e de ninguém.

Um copo a buscar o derradeiro gole no fole da embriaguez que se transforma em música e cantar no entardecer de descobertas e cobertas jogadas ao chão para receber os corpos dos amantes desnudos de prazer e ilusão. No chão, o frio que percorre o lugar se desfaz entre águas jogadas de esguicho e mijo. Lá fora toda cruz se perfaz de milagre a versejar poemas e fonemas sem exatidão qualquer. Um adeus logo se fará e lágrimas vão cair no porvir do sempre virá. A voar, o passado encarnado de doenças, cânceres e redescobertas. No levar ao quadrado igual, um nó desatado sem saber sequer se um dia irá de novo juntar os dois no solar.

Um copo e um pingente de espírito santo no pescoço da esteta. Em sânscrito, o embriagado poeta tece poemas como se fosse o futuro um único manto. Entre um mercado de cheiros e pesos, na lânguida e ávida saudade da volta, homens e mulheres se travestem de alegrias e mimos para voltarem para casa, onde a tristeza os espera para recebê-los incongruentes e tementes da solidão. No mesmo lugar, as mesmas desmazelas e o finito prato no fogão. Em algum ponto do planeta haverá certezas e unção. Senão, valeu apenas ter sido, como um suicídio que a gente cria e desfaz a cada novo raiar de sol a desenrolar tramas, incertezas e orgia.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

O começo

Por Edmilson Siqueira 

Quando inventaram o CD, além de tornar mais prático o bom hábito de ouvir música (embora muita gente morra de saudades dos LPs), ainda nos proporciona inúmeras outras possibilidades, como, por exemplo, a reedição de trabalhos raros que, em vinil, tornaram-se objetos de colecionadores. É o caso do primeiro trabalho de João Bosco e Aldir Blanc.  


Esquecido do grande público, esse disco, simplesmente denominado João Bosco, foi lançado em 1973 e, apesar dos bons arranjos de Luiz Eça e Rogério Duprat, do aval que lhe dá ninguém menos que Antonio Carlos Jobim num curto e brilhante texto na contracapa e, claro, da qualidade das composições da dupla João Bosco e Aldir Blanc, o disco não aconteceu como deveria.  


Mas desconfio que não deve ter acontecido não por descuido do público, mas talvez pela enorme quantidade de opções de qualidade que havia naquela época, de Elis a Tim Maia, de Chico Buarque a Caetano, de Jobim a Milton Nascimento, de MPB 4 a Rita Lee etc. e bote etc. nisso. Ou seja, João Bosco ficou meio que perdido entre tanta cobra criada.  


Hoje em dia também há muita coisa boa por aí, só que a gente raramente ouve no rádio ou vê na tevê. As boas coisas da nossa MPB estão hoje quase que restritas às rádios digitais com acesso apenas pela internet, as chamadas streaming, dedicadas a determinados ritmos como o jazz, que abraçou a bossa nova que havia influenciado e hoje é também influenciado por ela. Há uma rádio de Santos que até recomendo: Bossa Jazz Brasil (https://bossajazzbrasil.com/). É ótima. Mas há centenas, talvez milhares delas, espalhadas pelo mundo e que hoje podemos acessar, dedicadas ao jazz e que tocam bossa nova e algima MPB sempre.   


Mas nosso papo aqui é João Bosco e Aldir Blanc, talvez a dupla que mais tenha contribuído para elevar a qualidade da nossa MPB nos anos 70 e 80 do século passado, quando enfrentávamos uma espécie de entressafra. João continua por aí com grandes shows e criando continuadamente, sozinho ou com outros parceiros. Aldir, infelizmente, nos deixou, vítima da covid e do governo que atrasou a compra de vacinas. Mas, antes de partir, se juntou a muita gente boa e produziu grandes momentos musicais e literários.  


Voltando ao pioneiro disco de ambos, nele já dava para perceber que estávamos diante de um novo fenômeno da MPB. Bastava ouvir Bala com Bala, depois eternizada na voz de Elis, ou prestar atenção na profusão de soluções encontradas na Tristeza de uma Embolada que abre o disco.  


Enfim, são onze músicas, oito das quais da dupla. Em outras duas a dupla se acompanha de Paulo Emílio e Claudio Tolomei. E uma delas é de João Bosco e Paulo Emílio.  


De resto, é como escreveu nosso maestro soberano, Tom Jobim, no texto da contracapa do disco e que foi reproduzido também no CD: “Mineiro, é cedo para o cansaço da conversa a respeito da beleza e da parecença dos territórios. Há muito o que fazer e tem que ser feito”. Pelo jeito, João ouviu e cumpriu. Aliás, está cumprindo ainda. 


Quem não tem o famoso vinil nem o CD, poderá ouvir todas as músicas no YouTube, neste endereço: https://www.youtube.com/watch?v=e_dbn9N1ni4&list=PLEder9Qo5tCXkaQWt1ywPje3x0TdXjLi8 . 

terça-feira, 5 de abril de 2022

A Gonzagar

 Por Ronaldo Faria

Estrada a viver, cruzes a cruzar, arrepios de corujas tristes como seres a chorar e piar e cruzar e correr. Nas corredeiras a reinar dentro de cheiros da sanfona branca e fugaz, milhares (e se ponham milhões e bilhões) de minutos, diminutos no tanto que se possam fazer. Viva Gonzagão. No tecer da história, quase nada, milimetricamente afora, um pouco mais de páginas a cruzar um quase nada e outro pouco depois, ouro e louco ou pouco nada se viver. Me faço apenas um pedaço de quase nada a surgir. Mas que Caraíva é um tudo todo, isso é.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

Dois gênios juntos

Por Edmilson Siqueira 

Foi um desses encontros em que dois gênios se entendem. Um nasceu em 15 de agosto de 1925. O outro, mais velho, veio ao mundo em 4 de agosto de 1901. O mais velho morreu em 1971 e o mais novo morreu em 2007. O que ambos representam para a música em geral e para o jazz em particular não cabe numa enciclopédia. Mas eles se encontraram em julho e outubro de 1957 e gravaram um disco. Ou seja: além de tudo que fizeram com e para quase todos os outros músicos do mundo, deixaram um exemplo de harmonia, sofisticação e puro entendimento musical.  


Do LP gravado pela Verve, saiu um CD, quarenta anos depois, com quatro faixas a mais, inclusive uma em que o início é refeito várias vezes por erros cometidos. Mas eles podiam errar: estamos falando de Louis Armstrong e Oscar Peterson, dois gênios da música. O primeiro é simplesmente considerado como o mais importante jazzista de todos os tempos. Para quem conhece o velho "Satchmo" apenas de What a Wonderfull World – uma baladinha açucarada que ele gravou já no fim da vida - nem imagina o que esse negro de sorriso fácil e voz rouca fez com seu trompete para a música do mundo.  

Já Oscar Peterson só mereceu, em sua longa carreira até aqui, elogios os mais variados. Uma unanimidade ao piano, um clássico do jazz que, com seu talento e elegância, já se inscreveu definitivamente na galeria dos gênios musicais.


As 16 faixas do CD (no LP eram 12) nos dão 70 minutos e 21 segundos do mais puro prazer musical. À voz rouca e deliciosa de Armstrong se junta o piano exato, preciso, econômico de Peterson e a gente ainda ganha, de lambuja, vários solos de trompete, daquele modo de passear pelas notas das melodias como se elas fossem suas íntimas conhecidas (e eram mesmo), explorando todas as possibilidades de cada música, inventando caminhos e voltando ao rumo na hora exata.  


That Old Feeling, Let’s Fall in Love, What’s New, Sweet Lorraine, Let’s Do It, I’ll Never Be the Same e outros clássicos do jazz são visitados pelos dois, mais Herb Ellis na guitarra, Ray Brown no baixo e Louie Bellson na bateria. Uma aula cheia de prazer é o sentimento que fica após ouvir todo esse Louis Armstrong Meets Oscar Peterson. A produção do LP eu não conheço, mas a do CD é coisa de gente grande. Além de uma caixinha que se abre em três partes, com grandes fotografias dos dois, procurou-se mais espaço para manter o projeto original. O texto de Leonar Feather que saiu na contracapa do LP está lá, em letras miúdas. Mas, além disso, acompanha também um encarte de 10 páginas, com todas as informações possíveis sobre o trabalho, tanto o LP de 1957 quanto o CD de 1997, inclusive um longo texto de John Chilton, escrito especialmente para o CD em junho de 97.  

Cá entre nós, só a música dos dois já bastava, mas a Verve é dessas gravadoras onde o respeito pela obra de seus artistas está acima de tudo. 


O CD inteiro está disponível no YouTube neste endereço: https://www.youtube.com/watch?v=A5mZJ1Y9eLo

Saudade ao som de baião

 Por Ronaldo Faria Saudade, essa maldade intrínseca e seca que devora a gente em cada pedaço de ser. Que não devolve a vida que nos faz fa...