terça-feira, 26 de abril de 2022

Mojo Mamas, o grande blues de Chicago

Por Edmilson Siqueira 

Foi o Osny, na saudosa Hully Gully Discos da Dr. Quirino, no Centro de Campinas, quem me mostrou o CD. Logo de cara ele me disse: "Olha só que capa!" E realmente a capa é linda, como vocês podem ver mais abaixo. Trata-se de um quadro do artista plástico John Carrol Doyle. O nome do CD é o mesmo do quadro, Mojo Mamas e, embora a capa apontasse para um grupo tocando blues num local que leva a pensar ser um cabaré do sul dos Estados Unidos (na verdade a turma é de Chicago), eu confesso que nunca tinha ouvido falar das Mamas que aqui se apresentam. São todas da cena musical negra de Chicago e só essa informação já nos leva para uma música forte e vibrante, com detalhes jazzísticos, de rock, mas principalmente de blues que é a fonte onde todas beberam desde criancinha. 


Mojo é uma palavra do inglês que tem origem numa crença folclórica, mas com o tempo passou a significar uma qualidade que pessoas têm para atrair outras e que faz de você uma pessoa bem sucedida e cheia de energia.   

Linda Cain, no longo texto do encarte que acompanha o disco, destaca que "Mojo Mama é um personagem criado pelo artista para encarnar o espírito indomável da atemporal cantora de blues. As mulheres talentosas do Blues de Chicago definitivamente têm seus "mojos" trabalhando horas extras: basta ouvir uma vez e essas mulheres chorosas lançarão seu feitiço em você!" A maior parte do texto é para falar de cada uma das oito mulheres que cantam as 14 músicas do CD. Não são cantoras que estão em filmes ou em paradas de sucesso por aí. Na verdade, acho que no Brasil, poucos as conhecem. Mas nada disso quer dizer que lhes falta alguma qualidade no que se propõem a cantar. Muito pelo contrário: todas são ótimas.  


É o mais puro blues de Chicago. Alguns podem pensar que a cidade, por ficar no centro-norte dos Estados Unidos, à margens do Lago Michigan, não estaria geograficamente adequada para ser berço do blues, pois este nasceu no Sul, nas plantações das fazendas tocadas pelos escravos negros vindos da África. 


Mas, diz a história que o tal do "Chicago blues é uma forma de música que foi criada em Chicago com a adição de instrumentos elétricos, bateria, piano, baixo e algumas vezes saxofone ao estilo básico de cordas/gaita do Delta blues."  


E, para deixar claro que a origem é a mesma, o texto pinçado da Wikipédia, completa: "Este estilo desenvolveu-se principalmente como consequência da grande migração de trabalhadores negros pobres do sul dos Estados Unidos para as cidades ricas do norte, Chicago em particular, na primeira metade do século XX." 


Como se vê, o blues de Chicago tem berço e isso fica mais que provado nesse Mojo Mamas, gravado nos dias 6 e 7 de dezembro de 1999, no Riverside Studio em, naturalmente, Chicago.  

As cantoras que fazem uma verdadeira festa nas 14 faixas do disco são: Graná Louise, Shirley Johnson, Sarah Streeter, Zara Young, Gloria Shannon, Maggie Burrell, Mary Lane e Pat Scott. 


Quando o Osny botou pra rodar o disco na lendária lojinha da Dr. Quirino, eu percebi que iria comprá-lo para ouvir sempre em casa. E foi o que aconteceu. Hoje, as mamas do Chicago Blues comparecem nas caixas de som sempre que o ambiente requer uma recompensa musical para atenuar os tristes dias que vivemos, cheios de corrupção, ignorância e guerra.  

O CD que tenho é importado e acho que não há edição brasileira. Mas tem na Amazon americana à venda. Preste atenção se for comprar porque o preço é em dólar. 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

À Júlia Vargas

 Por Ronaldo Faria

Brincadeiras de sons, onomatopeias de soluções e solidões. Lamentos vis e febris. À voz, o algoz. Vilarejos benfazejos e anjos arcados e praguejos. Sertanejos de marés e viés. À lucidez, mil barnabés. Ao que puder vir, que seja o que vier. Maracatus, sons de Nordeste, vida em presto e vazia de si mesma, à crisma nunca feita. Talvez um desejo de morte, à sorte ditada. Um beijo de língua, à mingua, a se esvair nas ondas pequenas que batem do lado da cama que dorme ao fado primeiro. Ao fastio que se denota em si, a foda redescoberta na madrugada insone que levanta sons e poeiras. Candeeiros que iluminam seu próprio destino de morrer ao fim do querosene. No limite entre a lucidez e o improvável, o calado e insone poeta se faz blasfêmia e essência. Na cadência do som, a essência de querer pouco virar. Entre o começo e o fim, há um pedaço de ar a se respirar...

sábado, 23 de abril de 2022

Ao Vander Lee

 Por Ronaldo Faria

Píncaros sem glória. Pouco ou nada da história. Histriônicas verdades em ilusórias inverdades. Vazios de um antes e outro depois. Aos déspotas, um pequeno e ateu amém. Aos carros e aviões, meras poesias ou canções. Quem sabe um pouco de paz. Um triscar de dedos no copo que quase cai. Senão, uma ladeira que sobe e desce no início e fim da viela. Talvez uma cabrocha a rodar para o amante brocha. Na brincadeira, passado não serve de passarela. No canto, um passista come pão com mortadela. 

Cataclismos ínfimos e fátuos. Falácias ágrafas e frágeis. Fatídicos istmos e rios a correrem, sem descobrir que logo à frente existe um mar. Na magia de chegar e catar, um incongruente a arfar. No tempo atrás, candeeiros que sopram de qualquer lugar. Um passo na areia quente que se desvanece e arrefece ao simplório ser não ou ser sim. Na capadócia, vestes travestidas de canção. No Méier, caminho para Ipanema, rompido de festas nunca encerradas para uma paixão, crivadas de antemão.

Vinhos cheios de taças e rolhas. Ruminantes bois e vacas a comerem sua própria orgia altaneira. Quiçá um bezerro a chorar a fome derradeira. Senão, o vaqueiro a correr conta o tempo para ver a si mesmo, a esmo. Talvez um caminhoneiro que percorre os caminhos sem fim do seu coração. Ao longe, a beata termina sua oração. Num canto pequeno, vazio de sonhos e orgasmos, românticos olham sob os vazios quânticos. Na inverídica verdade, urge a madrugada para que se faça, logo mais, outra tarde.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Chet Baker nas baladas

Por Edmilson Siqueira 

"Chet Baker acreditava em baladas". Assim começa o artigo no encarte de um disco do trompetista norte-americano, que surgiu como um sonho e acabou vivendo vários infernos em sua vida, cheia de belíssimos discos, grandes apresentações e um punhado de drogas. As baladas do título são músicas lentas, jazzísticas, normalmente de grande beleza, muito comuns no cancioneiro norte-americano.  


A morte de Chet, até hoje sem uma definição entre acidente, assassinado e suicídio, contrasta com a leveza de sua arte e com a beleza de seu rosto jovem. Mas, se a música que ele fazia nos enlevava, sua vida era da pesada, entre amores desfeitos e traficantes. Pena. Partiu aos 58 anos, entre uma apresentação e outra em Amsterdã.   


Ruy Castro, nosso maior biógrafo, na orelha da melhor biografia de Chet Baker, escrita por James Gavin, afirma que Chet Baker "...ao surgir no jazz dos anos 50, encarnou o ideal de sua geração: o jovem de romântica beleza que, com seu trompete e sua voz, transmitia um inconformismo e conforto em surdina com os valores vigentes - um ameaçador não-estar-nem-aí que era o epítome do que significava ser cool. Em toda parte, inclusive no Brasil, outros jovens foram afetados pela música de Chet Baker."

O artigo a que referi no primeiro parágrafo está no disco The Art of the Ballads", uma coletânea do que de melhor Chet produziu no estilo cool das baladas e foi escrito por Paul de Barros em 1998. As faixas reunidas foram gravadas em 1958, 1959 e 1965, com várias formações diferentes e, em duas delas, Chet troca o trompete pelo flugelhorn e, nas duas últimas, temos o trompetista cantando também, ele que criou um estilo de cantar quase sussurrado que influenciou inclusive João Gilberto.    


A coletânea de baladas começa com Polka Dots and Moonbeans, gravada em 1958, em Nova York. Apesar do nome (Bolinhas e Raios de Lua) sugerir algo ligeiro, é uma música suave, como convém às baladas e que tem Al Haig ao piano e Paul Chambers no contrabaixo. Completam o repertório Autum in New York; My Old Flame; Alone Together; I Should Care; When Lights Are Low; Stairway to the Stars (a primeira em que Chet toca flugelhorn); Indian Summer; Almost Like Being in Love; I've Been  Accustumed to Her Face; Lament for the Living (a outra em que Chet toca flugelhorn); I'm Old Fashioned e My Heart Stood Still. 


Desde que que comprei esse CD, em Londres, em 2001 (lá se vão 21 anos e não sei se alguma gravadora lançou-o por aqui), tenho ouvido constantemente e não me canso. É um desses discos eternos que, daqui a séculos, ainda provocarão prazer no ouvinte.  

Ele está à venda com preços módicos e elevados (encontrei por R$ 29,00 na Amazon e por R$ 250,00 no Mercado Livre) e também pode ser ouvido inteiro no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=zA8BnjZ7zZ4&list=OLAK5uy_nTwzVsSNbSHBEHVZPKvmKy7frpB1R9KyU . 

quinta-feira, 21 de abril de 2022

A Silvio Rodríguez

 Por Ronaldo Faria

Ao unicórnio azul, prateados sonhos de se ter. Sejam estes quais forem. Talvez um voo a mais. Um pouso inconsciente ou demente. Um desejo de rever, recomeçar, deixar, ser. Seja em que lugar for. Entre lágrimas ou dor. Ao tempo, atemporal fortuito, um temporal de certezas incertas e falésias em indiscriminada avalanche daquilo que parece só infinito mas é derradeiro odor.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Curare, onde a música e a cantora se completam

Por Edmilson Siqueira 

Quando meu carro tinha um CD player, fiz cópias de muitos discos e botei tudo num porta CD para ouvi-los enquanto dirigia. Um dos campeões de audiência dessa época é Curare de Rosa Passos. Era, e é, na minha opinião, o trabalho de Rosa que mais se aproxima da bossa nova, ela que já foi chamada de João Gilberto de saia. 


Claro que Rosa é uma das melhores intérpretes do Brasil, além de ser inspirada compositora e exímia na arte de tocar violão. Seus discos são produzidos com o mesmo cuidado com que se dilapida diamantes e é difícil dizer que um é melhor que o outro.


Talvez esse Curare tenha caído tanto no nosso gosto por essa afinidade com a bossa nova, com um repertório irrepreensível. Evidente que a interpretação da moça, sensível, delicada e afinadíssima ajuda muito.  

A primeira música é a que dá nome ao disco e seu autor é Bororó, um nome não muito relacionado com a bossa nova, mas nem por isso fora do alcance dos ouvidos mais sensíveis. Apesar do nome sugerir o apelido de um compositor do morro, Bororó é Alberto de Castro Simões da Silva (1898-1986), sobrinho da Marquesa de Santos, funcionário público no Rio, mas mais conhecido como cantor, compositor e, principalmente, boêmio. A primeira gravação de Curare foi de Orlando Silva. E é dele também outra linda música: Da Cor do Pecado, seu primeiro sucesso. 


Jobim é o principal compositor desse disco. Dele, Rosa escolheu Fotografia, Dindi (com Aloysio de Oliviera), A Felicidade, Só Danço Samba e O Nosso Amor (essas três com Vinicius); três sucessos de Haroldo Barbosa - Tim Tim por Tim Tim E Adeus América (ambas com Geraldo Jacques) e Eu Quero Um Samba (com Janet de Oliveira); dois de Ari Barroso - Aquarela do Brasil e Folha Morta; um de Djavan - Sim Ou Não; um de Johny Alf - Ilusão à Toa e um de Carlos Lyra e Vinicius - Coisa Mais Linda.  


Como se vê, a seleção de música é das melhores e Rosa Passos dá a todas elas, uma interpretação pessoal, fugindo das gravações que já existem e recriando muitas vezes esses sucessos já tantas vezes gravados e regravados por aí. O que, convenhamos, não é tarefa fácil. Mas a baianinha tem talento de sobra.  


Só para se ter uma ideia desse talento, em sua página na internet há a seguinte anotação: "Em 2006 Rosa se apresenta ‘solo’ no palco do Carnegie Hall Zanken Hall em um show de voz e violão. Rosa dedicou o ano de 2007 ao público brasileiro e em novembro de 2007 apresentou-se no Blue Note de New York, prestigiada casa de jazz, uma série de seis shows que anteciparam sua participação como homenageada da Berklee College Of Music em Boston onde ministrou oficinas de música com presença do corpo docente e alunos da renomada escola. Em janeiro de 2013 gravou um cd dedicado à música de Djavan, através da MdA International e voltou a percorrer o Brasil e mundo com apresentações junto a seu grupo." 


Pois é, a moça, dona de 17 discos, não deixa por menos. Tenho dez CDs de Rosa Passos, dois ou três autografados, pois ela se apresentou na antiga e saudosa Estação Santa Fé de Barão Geraldo e estávamos lá, Zezé e eu, encantados, numa mesa a poucos metros dela. 

Curare pode ser ouvido integralmente no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=yXo0kQWrY80&list=PLTaRWr5sdDvloEK2I6k25xLTifrPaYbEt) e pode também ser adquirido nos bons sites do ramo. Vale a pena não só ouvir, como ter esse disco na coleção. É coisa fina. 

Presságio natalino

 Por Ronaldo Faria O Natal corre brejeiro e cheio de cheiros, madrigal. Se esconde nas cercanias de casarios perdidos no tempo ao vento qu...