segunda-feira, 16 de maio de 2022

Karen Souza, uma grata surpresa

Por Edmilson Siqueira 

Quando você bota pra rodar o CD de Karen Souza sem nunca ter ouvido falar da moça (o que ocorreu comigo), surgem várias dúvidas. Pelo nome e principalmente pelo sobrenome poderia ser uma brasileira. Pela música, jazz essencialmente, ela seria norte-americana. Pela produção do CD, muito bem cuidada, com belas fotos, poderia ser famosa. Aí você vai no Google e descobre que Karen Souza é argentina, que ela começou com outro tipo de música e só depois foi seduzida pelo jazz. Essa sedução provocou um retiro na Califórnia onde sua alma de compositora aflorou. E daí foi concebido o disco "Hotel Souza", uma joia na voz ‘caliente’ e macia de Karen Souza.


Para não dizer que jamais a tinha ouvido, descobri que ela é uma das cantoras que fizeram a série Bossa n' Stones, com as músicas dos Rolling Stones cantadas em ritmo de bossa nova. Tenho os dois CDs da série, mas o nome dela aparece em apenas uma das músicas, embora tudo leve a crer que ela canta em todas ou quase todas elas.  

Segundo a pequena biografia publicada no Google, Karen "começou sua carreira sob vários pseudônimos e colaborando com diversos produtores de música eletrônica, chegando a fazer parte de numerosos sucessos de música House, pelo seu selo Music Brokers, tais como as versões da Radiohead, "Creep", bem como "Do You Really Want to Hurt Me" e "Personal Jesus". Estes trabalhos foram editados originalmente numa série chamada Jazz and 80s. Foi durantes esta época que Karen começou a amar o Jazz e começou a fazer composições para o seu próprio álbum. 


Em 2010 ela passou vários meses em Los Angeles escrevendo canções com a letrista Pamela Oland e gravando os vocais com o produtor da Disney, Joel McNeely. O disco "Hotel Souza" foi lançado em setembro de 2012. 


Pois é esse disco que eu encontrei por aí (não me lembro onde comprei) e que sugiro pra quem gosta de um jazz intimista, num disco muito bem-produzido e com umas pegadas de Diana Krall.  

São 11 faixas, a maioria de autoria dela mesma, em parceira com Dani Tomas e Pamela Oland ou Joel MacxNeely e Maxima Pera Renauld. Mas há também dois standards jazzísticos: "My Foolish Heart" (Ned Washington e Victor Young) e a maravilhosa “Dindi”, do nosso Tom Jobim, na versão em inglês de Day Gilbert.


O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido integralmente no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=YWbrfwha_wU 

sábado, 14 de maio de 2022

Quincy Jones e os primórdios da bossa nova

 Por Edmilson Siqueira 

"A adaptação da bossa nova a uma grande banda de jazz era obviamente a tarefa de Quincy Jones." 


Assim começa um texto escrito por Gene Lees para o disco "Quincy Jones Bossa Nova Big Band". Só que a "tarefa" de Quincy Jones, em 1962, ano de lançamento do disco, não foi tão fácil. Disse ele sobre a tarefa:  "O maior problema foi orquestrar o ritmo, para que fosse compatível com a música que se desenrolava sobre ele." 


Essa dificuldade de Quincy é uma das razões pelas quais a bossa nova estourou nos Estados Unidos. O norte-americano, acostumado a um ritmo mais "certinho" de suas baladas, rocks e do próprio jazz, não conseguia entender direito como uma batida "atravessada" se casava tão perfeitamente à música que se ouvia. Claro que a excelência das melodias ajudou bastante, mas a batida, aquela que João Gilberto transferiu do tamborim maneiro para as cordas do violão, intrigou e conquistou o público norte-americano. Prova disso tudo é que na famosa noite do Carneggie Hall, nesse mesmo ano de 1962, muitos jazzistas famosos estavam na plateia, para entender "ao vivo" o que era aquela música com uma batida diferente que já os havia conquistado. 


O disco que Quincy Jones produziu e que chamou de "bossa nova" é um ótimo exemplo de que, em 1962, os músicos americanos ainda estavam tentando entender a nova música brasileira. Tanto que adaptá-la para uma grande orquestra acaba sendo tarefa ingrata. A bossa nova, com sua economia de instrumentos, seu cantar intimista e seu balanço contido, não se sente à vontade numa orquestra cheia de metais e com uma sessão rítmica acentuada. Assim, o disco acaba se parecendo mais com um disco de samba ao qual foram inseridos alguns temas da bossa nova.  


Mas não se trata de um disco ruim, longe disso. Quincy Jones já era, em 1962, um grande produtor e tinha grandes músicos na sua orquestra. Ele próprio escreveu o tema que abre o disco, "Soul Bossa Nova", uma música que até hoje é tocada em rádios da Europa. 


Mas nos primórdios da bossa nova nos Estados Unidos, ainda havia uma confusão geral sobre ela, tanto que o texto de Gene Lees afirma num dos seus parágrafos: "Bossa Nova - que significa 'nova onda', 'nova voz' ou 'nova coisa', representa uma revolução contra o tradicional samba. Ritmicamente, é muito mais sutil e fluída que o samba, mas não menos agitada. E tem uma sensação que pode ser melhor descrita como movimento controlado. Embora permaneça ritmicamente estável, como o jazz, tem uma sensação constante de propulsão para a frente. É tocada, para usar a frase de um músico, muito em cima da batida." 


Como se vê, havia um esforço para o entendimento da bossa nova, colocando-a inclusive como um movimento contra o samba, quando na verdade, o que a moçada da zona sul carioca estava fazendo era apenas "um sambinha", sem movimento algum contra o samba tradicional.  

Quincy Jones fez um disco que representa o modo como se concebia a bossa nova que ainda engatinhava pelas terras do Tio Sam. Fosse feito dez anos depois, tenho certeza que ele já teria aprendido as lições de Jobim no disco de Frank Sinatra e faria algo completamente diferente, já que talento jamais lhe faltou. 

Mas, apesar dos senões em relação à bossa nova, trata-se de um disco gostoso de ouvir. Basta não dar muita atenção para os arroubos dos metais ou para as sessões rítmicas um tanto exageradas para a bossa nova ou quando elas parecem mais acompanhar um bolero que um "sambinha". 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Ao Chico

 Por Ronaldo Faria



Madrugada iniciada. Marjorie no fundo da tela, calada. Cachaça desbragada, de Muzambinho. No empório da vida, indefinida e desnaturada, atada vida. Pedaços de emoção sem noção, telefonemas entrecortados e desvairados. Vozes a ouvir, desanuviadas de tédio e pregações do certo e do errado. Não há futuro, o passado se foi para a bacia das almas, o presente, premente, urge por ficar só pelo desejo e ensejo de ficar. Nada adiante, muito para trás, prédios cheios de concreto a vigiar a noite da gente. E lágrimas caídas, histórias decaídas, profanas e insanas meias-verdades. Acaso do inenarrável gesto de viver. Cansaço de tentar ser dois na doída realidade de decidir por tantos. Arcanjos no céu a sonhar que hoje poderemos dormir em paz. A tragédia e a comédia, o teatro me apraz. Lá longe, detrás, a mulher, o corpo, o torneado trinado de orgasmos e delícias inauditas. Vozes escondidas e ditas. Corpos desnudos e carícias, lascivas promessas de ser feliz, na mais infeliz saudade sem maldade ou veleidade. E parcimoniosas vontades de deuses inexistentes, ausentes caminhos no imbróglio de não saber para onde caminha o coração sem oração. Ações, cauções não cobradas, canções cantadas, nefastas árias feitas de sim e de não. Para onde ir? Para onde se lançar? O que fazer? À frente, defronte, estrada sem curvas, retas limítrofes e insones, sem lábios, sem sentenças, sem nomes. E apenas um homem, perdido entre imagens e vagens irreais por fazer, estragando na geladeira num terno eterno de congelar e ferver...

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Os irmãos do swing

Por Edmilson Siqueira 

Da amiga Mariella recebo no WhatsApp um link para um disco de jazz. O nome é Brothers In Swing e o grupo é encabeçado por Ricardo Baldacci, seguido de três nomes estrangeiros, dois deles com sobrenome de peso no mundo do jazz: Martin Pizarelli e Bucky Pizarelli, além de Konrad Paszkudzki. Confesso quem com exceção dos Pizarelli, não conhecia os outros. Nem o brasileiro Ricardo  Baldacci.  


Ao ouvir o CD no Spotify, decidi comprá-lo antes de chegar à terceira música. Um fino conjunto de jazz se apresentando com clássicos do gênero na voz (ótima) e na guitarra de Baldacci, na guitarra de Bucky, no contrabaixo de Martin e no piano do australiano Konrad. 


Fui atrás da história de Ricardo Baldacci e do disco, já pensando em escrever aqui no Musicoólatras sobre eles. E descubro que o brasileiro é famoso no mundo jazzístico de festivais, muito mais que no mundo das gravações. Gravou três discos até agora, mas sua carreira diz muito mais sobre ele. 

Na sua página da internet, um release sobre ele começa assim: "Ricardo Baldacci é cantor/guitarrista de swing jazz. Possui em seu repertório as pérolas do cancioneiro norte-americano, que aliadas ao seu trio sem bateria, numa referência aos seus ídolos Nat King Cole e John Pizzarelli, promovem uma tradução das canções da Era do Rádio em renovadas performances jazzísticas. 


Depois de mais de uma década atuando como consultor de marketing e professor universitário, o artista escolheu entreter o público e trazer para a sua música a delicadeza e alegria de um tempo que parece não mais existir. 


O Swing, que esteve no auge nos anos 1930 e 1940, foi concebido como música para entretenimento, geralmente com grandes orquestras. Baldacci bebe na fonte desta motivação para adaptar para o formato do trio sem bateria, o “drumless trio”, o poder de “swingar” das Big Bands." 


Nesse disco em particular, foi acrescida mais uma guitarra, do mestre Bucky Pizzarelli, que deixa tudo melhor ainda.  


Dá pra falar sobre esse disco por muitas linhas, mas vou deixar aqui parte do texto que está nas redes, que conta a história toda. Não sei quem escreveu, mas o fez muito bem.  

"Produzido por Ricardo Baldacci, Brothers in Swing é o segundo álbum de carreira do cantor/guitarrista, e até hoje o primeiro registro nacional com o guitarrista e lenda do jazz, o norte-americano Bucky Pizzarelli.  


Em maio de 2014, foi convidado para tocar em um festival em Manhattan por Lenny White e conheceu Bucky Pizzarelli, um dos patriarcas da guitarra jazz. Na ocasião, encontrou o engenheiro de som Bill Moss e comentou sobre a utópica possiblidade de gravar um disco com os seus ídolos. 


Em janeiro de 2015, Ricardo escreveu a Bill perguntando se haveria a chance de tornar realidade aquele projeto de que haviam falado. A resposta veio em duas semanas, com as datas de gravação já programadas. Ricardo Baldacci fez uma breve seleção de músicas, escreveu alguns arranjos e foi para Nova Iorque 15 dias depois. Gravado em duas sessões no Samurai Hotel Studios no Queens, NY, Brothers in Swing acontece em clima de espontaneidade e camaradagem e tem o “swing” (balanço) como marca registrada. É uma grande homenagem de Baldacci à música da família Pizzarelli, que retribui na mesma proporção ao artista brasileiro. Mais uma vez, a exemplo do seu CD prévio, Baldacci escolheu por preservar, na maioria das faixas, a sonoridade do trio sem bateria (baixo-acústico, piano, guitarra/ voz) que neste disco se alterna entre arranjos de duos de guitarra e voz, piano e voz, e também números solos de guitarra. 


O CD apresenta em 17 faixas, uma série de composições clássicas, além de duas originais de Ricardo Baldacci e uma em parceria com Martin Pizzarelli e Konrad Paszkudzi. No repertório, há grande variedade: “swing”, baladas e “novelty songs” – canções como In a Mellow Tone (Duke Ellington), Embraceable You (Gershwin) e Route 66 (Bobby Troup), além de outros “standards”, entre eles alguns desconhecidos como a pouco gravada Call The Police (Nat King Cole). 

Brothers in Swing é um tributo a alegria e a sonoridade típica do Swing Jazz, um disco repleto de atuações inspiradas que emocionam e um prato cheio para os amantes do Great American Songbook." 


No Youtube dá para ouvir (e ver) várias músicas do disco que também está à venda nos bons sites do ramo. 

Farelos de Emicida

 Por Ronaldo Faria   Farelos de vira-latas caramelos se misturam com o inverso do universo onde o verso sai trôpego e trágico. Atávico, cá...