terça-feira, 27 de setembro de 2022

O prazer de cantar de Betty Carter

Por Edmilson Siqueira 

Recentemente, o site da Rádio Eldorado de São Paulo atribuiu o Selo Eldorado de Qualidade à cantora norte-americana Betty Carter (16 de maio de 1929 - 26 de setembro de 1998). Depois de ler os elogios todos que justificam o mimo e que vou republicar aqui em parte, fui dar uma olhada na coleção de CDs e descobri que tenho apenas um disco dela. Mas, pra compensar, é uma coletânea, com gravações entre 1976 e 1988, período dos mais férteis da notável cantora, em que ela ganhou um Grammy de melhor álbum. E todo seu talento pode ser constatado nas 14 canções que compõem o disco. 


O texto da Rádio Eldorado que, infelizmente, não está assinado, diz que ela foi considerada por Carmen McRae como a única cantora de jazz que existia. Apesar do aparente exagero, outros grandes nomes do jazz consideravam Betty Carter sempre como uma das suas favoritas.  


O texto prossegue: "Aliás, sua voz era seu instrumento. Alcançava todas as notas com uma precisão única e por isso Betty era admirada por todos os grandes músicos de jazz: Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Miles Davis e tantos outros que tiveram a sorte de dividir os palcos e estúdios com ela. (...). Mas. Betty Carter é a mais pura definição do jazz e por isso recebe, como todos os louros, o Selo Eldorado de Qualidade." 


A seleção feita para a série Compact Jazz da Verve é excelente, pois traz, além da fina flor do repertório da moça, com a intepretação ímpar que Betty imprimia a cada música, várias músicas de autoria da própria que confirmam seu talento de compositora e a participação de ótimos músicos, que completam o cenário de prazer que todo o disco proporciona. 


O encarte traz além da útil ficha técnica, com os músicos participantes de cada gravação, um texto com suscinta biografia e muitos elogios à cantora, assinado por Will Friedwald. O CD foi lançado em 1990 e a série Compact Jazz faz parte da promoção Bom e Barato, ótima ideia das gravadoras que colocaram muitos de seus discos a um alcance maior da população. 


"I Can't Help It" (Betty Carter) abre o disco e já dá pra perceber que as interpretações raramente vão seguir o figurino dos cantores "normais". Betty parece chamar cada canção para si, tratá-la como sua alma de cantora a sente e deixá-la escorrer por entre as cordas vocais ao sabor do seu talentoso improviso. É o que vemos, por exemplo, no clássico "My Favorite Things" (R. Rodgers e O. Hammerstein ). Não espere que a aparente e melosa valsa soe suavemente. Betty a domina de tal modo que a música parece ganhar vida própria e se soltar em todas as suas probabilidades. Ao fim, o ouvinte mais atento, ao ouvir os aplausos (a gravação é ao vivo) sentirá vontade de aplaudir também.  


E em todas as faixas, esse sentimento de satisfação a cada frase prossegue, já que Betty está sempre levando seu próprio prazer de cantar às notas todas. É assim com "Spring Can Really Hang You UP The Most" (T. Wolf e F. Landesman), com "All I Got" (Diane Cole) ou a música que ela compôs e marcou sua carreira, "Open The Door". 

Enfim, trata-se de um disco para se dizer "muito prazer", tanto em referência ao contato com uma visão geral da cantora, quanto à satisfação que ele nos proporciona.  


Não encontrei o CD para ouvir nos sites de músicas. No YouTube há muita coisa da cantora e o CD ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Ao som do Tom

 Por Ronaldo Faria

Noite encruada de neblina e nada. Notívaga e vaga. Vagabunda e aflita. Metade realidade, outra desdita. Parcimônia e certeza inaudita. Ao som do Tom, a sonífera escrita...

sábado, 24 de setembro de 2022

Ao Eduardo Gudin

 Por Ronaldo Faria

Eduardo Gudin, o que nos separa nesta noite quase madrugada que se enquadra entre a vida e o céu? Uma mulher, um samba, um violão, um São Paulo de esquinas e sinas, um bordel? Olhos marejados e malfadados de tanto passado e falsa mansidão, cá estamos a criar na ilusão? Entre vozes femininas, verdades e anginas, cantorias e ilusórias meninas. Poesias trancadas em porões mil, coisas que se foram e não voltam que nem pingo de cantil, cândidas verdades num corpo quase senil. Quem sabe um samba redescoberto na certeza incerta da mansidão em ardil.

Grande poeta, em falsete e modéstia, ouça-me nessa brincadeira imodesta. Nem sei mais se aqui estou, mas suas trovas e rimas, notas e fonemas, tremas e mínimas a brincarem num papel em branco, estão a aqui, a creditar e crer que algo virá. A ir e vir entre caminhos e descaminhos paulistanos, insanos e tamanhos. Um cantinho aqui, uma cantina ali, um pedacinho milimétrico e tétrico dos filhotes em si. Se não pude mais dar é porque não tive mais no balacobaco e aí. Mas, acredite, Eduardo Gudin, se errei é porque tentei acertar. Um dia acerto minha sorte grande, mesmo que em além-mar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Um guitarrista cheio de jazz

Por Edmilson Siqueira 

Wolfgang Muthspiel. Conhece? Quem ama o jazz deve conhecê-lo. Ele já gravou 22 discos, o último em 2020 ("Angular Blues"). Eu tenho o segundo dele e gosto muito. Pra quem não sabe, Wolfgang é um respeitado guitarrista que começou tocando violino aos seis anos e depois mudou para o violão clássico e depois para a guitarra elétrica. Ele lançou seu primeiro disco, "Timezones", aos 13 anos. Durante dois anos, excursionou com ninguém menos que Gary Burton e o guitarrista Mick Goodrich, que era um de seus professores no Berklee College of Music.  


Em 1990, ele lançou o disco que estou ouvindo agora e cujo título é "The Promisse", que é uma das faixas. Para um segundo disco de um instrumentista, o time que ele reuniu é coisa de gente grande. John Patitucci, Bob Berg, Rich Beirach e Peter Erskine fazem parte do elenco reunido, sob a produção de Gary Burton. E, ainda mais, pelo fato de que, das nove músicas do disco, sete são de autoria de Wolfgang. As outras são "My Funny Valentine", de C. Rodgers e L. Hart; "The Promisse", de Gernot Wolfgang. 


Com Bob Berg no sax tenor, John Patitucci no contrabaixo, Richie Beirach no piano e Peter Erskine na bateria, o disco é de uma suavidade ímpar. No encarte que acompanha o CD, Gary Burton, em longo texto, diz que cada época, no jazz, tem um instrumento que se sobressai. E, com ele, um punhado de músicos acabam aparecendo também. Foi assim com o piano, depois com o saxofone e, agora (em 1990), "a ação aponta para a guitarra. Nunca houve mais guitarristas talentosos, liderando bandas, escrevendo músicas, gravando discos, definindo tendências e estilos do que na época atual."

Depois, ele acrescenta que recebeu recomendações de amigos e grande músicos para contratar Wolfgand para sua banda. E, ao fazê-lo, descobriu que, como um guitarrista, "Wolfgang tem uma formação inusitada, o que, eu sinto, aumentou muito suas habilidades como improvisador e compositor. Criado na Áustria, na cidade de Graz, não é de estranhar que tenha começado a sua vida musical como violinista. Com o passar dos anos de estudo, Wolfgang mudou para o violão clássico e durante esse período frequentou o conservatório de Graz e tocou concertos nesse instrumento." Depois do violão clássico, Wolfgang mudou para a guitarra elétrica, decidiu ir para a América e estudou no New England Conservatory e, depois, no Berklee College. Aí o jazz já era seu estilo de vida.  


O resto é uma carreira que, nesse segundo disco, apontava para um dos mais criativos guitarristas e compositores jazzísticos da cena americana. 

Esse disco que abre os trabalhos com "T.G.", é daqueles que você começa a ouvir e não para até a última música, pois, além do próprio Wolfgang mostrando uma guitarra já madura e cheia de improvisos inspirados, tem um time dos mais competentes que não deixa a peteca cair em momento algum. 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mXiwhB0MrzEBwlntmYpazjMHMPFXelAUE. E ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Piano e harmônica

 Por Ronaldo Faria

Canções e unções mil. Num déjà vu a se esvair como luz de esmeril. Numa cadência largada sem sonoridade e cadência que se joga à lua cris. Entre paixões tardias e sombrias a se travestirem de amores vestais e letais. Como a urgência de um beijo entregue em febre à boca dos casais. Feito a demência que ultima a derradeira estrada que não acaba logo depois da curva e se turva de sangue e quase nada.

Canções traduzidas e urdidas em dedos a correrem as teclas do piano e a harmônica que desliza nos lábios molhados e desiguais. Entre notas e acordes, o casal acorda das poucas horas que pode ficar junto. E junta toques, tatos e inertes flertes aos minutos a passarem dissolutos entre as paredes do quarto. Nas tragédias a percorrerem o vento frio que dorme lá fora, o inusitado fado que vem e vai, fátuo e findo.

Canções saídas de bocas e instrumentos vadios e vazios, soprados e tocados por esquálidos e degredados poetas desnudos. Praias mil a deflorarem corpos morenos e uterinos no verbo amar. Coisa de lugar qualquer, de homem e mulher. Como lugar que termina logo ali, à beira do mar. Na inércia da vida, a morte se traduz liquefeita num por de sol ao fim. Tardia descoberta do mundo que se joga ao calor e o cheiro de jasmim.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Dianna Krall, sempre ótima

Por Edmilson Siqueira 

Dos 15 discos de Diana Krall gravados em estúdio, tenho 13. E tenho mais dois DVDs, gravados ao vivo em Paris e ao vivo no Rio. Durante um bom tempo, cópias desses discos de estúdio estiveram no CD player do nosso carro. Zezé e eu cantávamos juntos várias das músicas. Estivemos na apresentação dela, gratuita, no Parque Villa Lobos em São Paulo. Assistimos de longe, mas foi bonito. De resto, escrevi várias croniquetas na Revista Metrópole sobre ela. Hoje em dia não tem mais CD player nos carros. Mas ainda a ouvimos, às vezes, entre as milhares de músicas que botei num pendrive. 


Tudo isso pra falar que, neste momento, estou ouvindo novamente seu último disco, "This Dream Of You" e, como sempre, é ótimo. Lançado em setembro de 2020, quando ele chegou em casa, apareceu com uma capinha só de papelão, com fotos discretas, e sem aquela tradicional de plástico. À época, pensei que a moça estivesse meio decadente, mas que nada. A produção do disco é excelente, da Verve, uma das mais tradicionais gravadoras de jazz dos EUA e Diana está cantando melhor que nunca. Sua voz está mais intimista, mais soft e mais segura até.  


O repertório, escolhido pela própria Diana, está à altura de uma das melhores cantoras de jazz do momento. "But Beautiful" (Jimmy Van Heusen e Johnny Burke) abre os trabalhos e logo temos a certeza de que estamos diante de muita coisa boa. O clássico "That's All" (Bob Haymes e Alan Brandt) e "Azure-te" (Wilfred Douchete e Donald Wolf) vêm a seguir, unidas numa só faixa. 

Mais um clássico, acompanhado apenas pelo piano de Diana, o contrabaixo e a guitarra de, faz sua voz soar soberana em "Autumn in New York", mantendo o clima intimista de todo o disco. 


"Almost Like Being In Love" (Alan Lerne e Frederick Loewe) inaugura a sessão de faixas mais ritmadas do disco. Aos três instrumentos da música anterior, acrescenta-se aqui uma bateria discreta, marcando as divisões apenas na baqueta com vassourinha.  

 

A faixa seguinte é com Diana cantando, mas quem se incumbe do único acompanhamento, um piano, não é ela, o que é raro. A incumbência fica com Alan Broadbent. A música é "More Than You Know, de Edwar Eliscu, Billy Rose e Vincent Youmans. 


De volta ao piano, e com um conjunto que inclui até um violino country, Dina canta "Just You, Just Me" (Jesse Greer e Raymond Klages), a faixa mais "apressada" do disco, onde o improviso do violino country se sobressai.  


Voltando à calma das baladas americanas, outro clássico do jazz, "There's No You" (Harold Hopper e Thomas Adaur) nos é apresentado, também só com piano, contrabaixo e guitarra. 

"Don't Smoke In Bed" (Willard Robinson) repete a fórmula de piano e voz, com o mesmo Alan Broadbent, que traz para o disco um clima de cabaré em fim de noite.  

A música que dá título ao disco, "This Dream Of You", como muitos já devem saber, é de ninguém menos que Bob Dylan. E mostra como as músicas do ganhador do Nobel de Literatura podem ficar muito mais bonitas quando a voz que as canta é de uma excelente cantora.  


"I Wished On The Moon" (Dorothy Parker e Ralph Rainger) é a faixa seguinte, acompanhada apenas pelo piano de Diana e pelo contrabaixo de John Clayton Jr. É outra música mais ritmada, onde o baixo tem papel fundamental. 


A lista de clássicos reaparece nas duas últimas faixas do disco. O primeiro é "How Deep Is The Ocean" (Irving Berlin), para a qual Diana recrutou contrabaixo, bateria, guitarra e violino, além do seu piano, claro. O outro clássico, que encerra o disco, é a mais que famosa "Singin In The Rain" (Arthur Freed e Nacio Herb Brown) tema do filme do mesmo nome, eternizada por Genny Kelly naquela dança na chuva que até hoje é muito assistida nos youtubes da vida.  


Trata-se de mais um ótimo disco de Diana Krall, e o julgamento não é só meu, pois ele foi assim saudado pela crítica especializada quando do seu lançamento. E, além de poder ser comprado nos bons sites do ramo, pode ser ouvido na íntegra o YouTube em https://www.youtube.com/playlist?list=PL77rJfJljZDDAMxLMQh69ChIzBVeBWZ8m . 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Sempre ao tom do Tom

Por Ronaldo Faria

Nas vozes femininas, o maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Na penumbra da tarde que já terminou, uma tardia saudade que se joga à espera da malfadada madrugada. Em desejos, o poeta afaga a sua mulher e eterna enamorada.

Entre um segundo ou outro, num benfazejo conto desencontrado e torto, as notas se vestem de sons e recobrem o corpo cansado de sonhar. Na cena, um lugar em deletérios, um mar a bater à morte mais linda da areia que o devora sob a lua que a tudo vê.

Daqui, a rever promessas sórdidas e mórbidas, a se prostrar entre teclas e réstias, o poeta profetiza o tempo que ainda não se deu. Mas, ao som do Tom, tudo se perde amarelo e liquefeito em púrpuros gases. Acima, o mundo se entrega em frases.

Presságio natalino

 Por Ronaldo Faria O Natal corre brejeiro e cheio de cheiros, madrigal. Se esconde nas cercanias de casarios perdidos no tempo ao vento qu...