quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Sob os efeitos karnakianos

 Por Ronaldo Faria

 

“As águas é que são felizes. Não têm de ter visto para entrar no país...”
(Karnak)
 
Culpabilis teremos nosotros diante de la kármika eco(exis)tência, pênsil e tensa? Como vencer as tramas do drama do medo insano de las manos? Onde estão as mamas para nos embebedar de lânguidas xoxotas toscas e loucas? Como volatilizar acima da realidade para virar e transbordar cadências de impregnados pregões místicos e insensatos que a nada levam e a pouco levarão no menos ainda que trarão? Traíra é a mãe! Repetindo em repente repentino de desatino próximo do pânico (as)sintomático e dramático, fálico, quiçá: “Culpabilis teremos nosotros diante de la dramatúrgica kármika exis(eco)tência, pênsil e tensa?”

O que fazer diante da morte? Haverá sorte em sortilégios de segundos impróprios e em metagoges? Como passar as horas sem perdê-las? Como ver prostitutas sem comê-las ao menos com os olhos? Como ouvir poemas e melodias sem sorvê-las? Como tomar sorvete em dia frio e sem ficar frígido ao tempo? Como não ver sombras assombradas nos soçobrados que soçobram entre Tóquio ou Paris? Tudo feito um canto de Campinas e um tico (sem fubá) no apartamento daqui. Como deixar de ouvir, percuciente, o demente e o crente? Mas, antes de mais nada, nadando de braçada pela vida, de balada em balada mal dormida, que se deixe toda a coisa passar. Afinal, no final, um dia, tudo vai mesmo, sem cancioneiro, acabar...
 
“Todo mundo tem medo que o mundo acabe. Mas o mundo já está acabadim...”
(Karnak)

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A bossa nova de Diana Krall

Por Edmilson Siqueira 

O estilo de Diana Krall, mesmo antes de qualquer gravação de uma música brasileira, já apontava que, mais cedo ou mais tarde ela se renderia às grandes melodias e à sensualidade da bossa nova que, para os americanos é jazz.  


Isso aconteceu no décimo-segundo álbum de carreira da moça, talvez a melhor cantora e pianista de jazz que o Canadá já produziu.  O disco, "Quiet Nights" (o nome que a versão de "Corcovado" em inglês ganhou), foi lançado em 2009 e chegou ao primeiro lugar de vendas da Billboard no segmento "jazz". Apesar do grande feito, dos onze álbuns lançados anteriormente, seis já haviam chegado ao primeiro lugar.  


Apesar de dedicado à bossa nova - há outras músicas do repertório norte-americano cujos arranjos tentam aproximá-las da bossa nova - das doze faixas, apenas quatro têm assinatura brasileira: "The Boy From Ipanema" (Jobim e Vinicius, com letra em inglês de Norman Gimbel) que Diana canta no masculino; "Este Teu Olhar" (Jobim), que Diana canta em português, tentando se acertar no idioma; "So Nice" (dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, também com letra de Gimbel em inglês para o "Samba de Verão") e a música que dá nome ao dico, "Quiet Night" de Jobim.  

O disco é todo num clima calmo e sensual, com grande orquestra e muito bem produzido, como são todos os discos de Diana Krall. 


As outras músicas, que parecem fazer uma espécie de figuração perto dos grandes sucessos brasileiros e mundiais, não ficam devendo em qualidade.  


O disco começa com "Where or When", de Richard Rodgers e Lorenz Hart, seguida de "Too Marvellous For Words" (Richard Whiting e Johnny Mercer) e "I've Grown Accustomed To His Face" (Frderick Loewee e Alan Jay Lemer). Aí vem a Garota de Ipanema que, no caso é Garoto, seguida de um grande sucesso de Burt Bacharach e Hal Davi, "Walk On By".  


A sexta faixa nos traz "You're My Thrill" (Jay Gomey e Sidney Clare), seguida das outras três brasileiras do disco. 

A décima faixa é "Guess I'll Hang My Tears Out To Dry" (Jule Styne e Sammy Cahn). Em seguida há duas faixas bônus, sem qualquer referência no encarte, a não ser o número de registro delas. A primeira, e décima-primeira do disco, é um grande sucesso dos Bee Gees (Barry e Robin Gibb). E a última é "Every Time We Say Goodbye", do grande Cole Porter. Nas duas, o show de sempre de Diana Krall. 

Se não bastassem as ótimas interpretações das bossas novas no disco, todas as outras músicas merecem ser ouvidas pelos fãs de jazz e da cantora. 


O disco está à venda nos bons sites do ramo e você pode ouvir todas as treze músicas aqui: https://www.ouvirmusica.com.br/diana-krall/1410817/#album:quiet-nights-2009 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Sob o som de Renato Teixeira

 Por Ronaldo Faria

Aliança de madeira quieta na porteira. Chuva batendo trêmula feito goteira. Um pássaro, miúdo, amiúde, gorjeia do lado de fora. A vida está perto da aurora final. No sonho, a brejeirice de Janaína a tecer saudade e poesia como fosse uma colcha de retalhos. Encostada na varanda, ela brinca de soltar sorrisos e rir e falar com os olhos. Menina e mulher da cidade de um rio que verte em corredeiras na rua do porto tardio, onde aportam bebedeiras, paixões e ilusões sem fio, vive seu mundo tardio. Onde correm mãos pelo corpo, lábios pelo copo, suores da pele a se esvair em desejo infindo. Tudo feito pintura de rosto, com tintura de índio e crença na infinita chegada de nada chegar.

Vinho sobre a mesa, taça vazia a correr o sangue exangue e dar a cada corpo um mínimo de liberdade e loucura. Imbróglio de solidão e gastura. E um frio que entra gélido e triste sob a janela, querendo fugir da querência dos ventos. Mais uma taça de vinho, da Casa do Diabo. Nos bares, no arrabalde, vozes se arremetem difusas e perdidas. Param aqui e acolá, passeiam dissolutas e entregues como fossem atrizes da perfídia qualquer. E juntam sílabas mínimas para formarem palavras únicas e úmidas que se esmeram em morrer dentro dos lábios. Que se vitrificam diante de olhares nunca vistos ou guardados, no aguardo do amor.

No frio que se aquieta agora, cálido e inconsequente, o som que impregna a sala parece ser o fim e o meio, a partida e a chegada, o meio da meada. Sem mesclas, sem medo, sem nada. Como um caminhão sem boleia, estradão sem lugar para chegar, infinito que não há. Apenas a finitude nos braços da amante, entregue no seu colo, a invadir o umbigo com a língua, carente, descrente, rente à penugem que se joga aos lábios de carne e gozo. Senão, e porque não, o único momento onde não há que se ter tristeza ou lamento, feito corpos em cópula, língua feita de hóstia, emoções em monções sobre o quadrado do quarto. No meio da multidão, acorda um mundo atado de lençol e devassidão.

sábado, 17 de dezembro de 2022

Sob o som inicial de Celso Fonseca

 Por Ronaldo Faria


Primeira dose

Cansaço. Pedaço de corpo arqueado e delimitado, atado em letras e parágrafos parafraseados pelo desejo de ser. Sensível e risível sob o risco de ver o tempo passar sem ver. O olhar vazio, no corpo hiperglicêmico, descobre-se no copo de álcool transgênico de laranja. Remeto ao som do computador a dor de querer viver. O viés não dá lugar à solidão. O dogma é saber que sem limite não há visão do querer. E as frases vão se formando no brilho da tela com palavras desconexas, letras que faltam, erros cobertos de vermelho e vozes. No Natal, haverá nozes. As odes, nestes dias de chuva de inverno e inferno lunar, são o passado remeter. E como dói ser e não saber ter.

 
A segunda dose

Explode o copo na mão. Em centilitros graduados, sua e molha a mesa onde se antevê a retilínea curva da formosa sereia. E vê-se os cabelos negros que lhe cobrem os ombros, os olhos negros que sorriem no todo e os lábios desnudos entre dentes brancos e graves, com gosto saber-se-á de quê. Vê-se que o artista a criou num livro quase igual. Há brilho no desatino da busca sem fim. Mas, diga-se a verdade, não há ela, apesar dos lamentos sem rima e fim.
 
A terceira dose

A música da musa, qual será? Tocará aqui ou se ouvirá só no Ceará? O poema da amada, qual será? Não terá sido ainda escrito ou estará guardado e proscrito, cravado na cruz? O beijo daquela que inspira o poeta, como será? Terá um toque de língua persuadido pelo desejo molhado e venal ou marcará somente o ensejo de querer virar texto em praguejo de não a ter? Na cama da mulher, quem deitará? Quem será o(a) eleito(a) a tocar-lhe os seios, despir-lhe entre toques e mãos sob a luz da madrugada para amá-la na tarde que se esvai? Para onde eu fui ou para onde ela vai? Nem em slow motion bossa nova dream consigo responder...
 
Na quarta dose

Toques de violão do Celso Fonseca preparam a chegada do piano de João Donato. São 23h32. Opostos. Cópulas. Copos. Cones “vodculares” e inconclusos. Obtusa margem de erro e devaneio. Verão em anseio. Calor e furta-cor. Olho que coça. Finitude que caçoa. Beber ou beber, eis a questão? Acima de mim, nada. Abaixo de mim, o chão...
 
Na quinta, osmose

A quinta dose desce como fogo. Dela só saberei amanhã. Tudo sintomático, no afã. Vida, finita e vã. Parece que perdi de novo o que pensei encontrar. Festa de dedos que doem e limite de pensamentos que corroem. Daqui a pouco gostaria que nascesse, ao invés de um, muitos sóis. Nas caixas de som, mis, sis e bemóis. A voz denota o Donato. Só a musa não faz parte do ato. Ficam o abraço sem corpo, o beijo sem rosto, o ato largado no esgoto. Em desgosto, abomino o oposto. Entre vidros, vê-se o teto solar. A abrir e fechar, entrar e voltar nos volteios do dorso desnudo e fugaz. A madrugada se põe a raiar.

Saudades da Guanabara. Que barra. Quando ou onde hei de parar?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Sob a batuta do mestre maior - Aldir Blanc

 Por Ronaldo Faria

Todos os dias agora eu fico como se estivesse numa ágora, a contar pedra sobre pedra das ruas paralelas, todas com vista para ela: a mulher desnuda e embriagada de vida, com a voz embargada ao insólito e o herege. Por isso, sento diante do espelho de letras que piscam em luminosos caracteres e me jogo ao acaso do ocaso. De cúmplice, a planta me olha do seu vaso. Desfaço-me de atos e travestidos fatos. Sou. E isso, por pouco que seja, para quem não muito enseja, basta. As Tordesilhas me chegam como cafuzas mulheres, confusas e tardias, tensas e tísicas, teatrais e místicas. Chegam como se nada fossem. Um pouco de conhaque, um gole de pinga, uma ou outra dose na eterna tosse.

Todos os dias, tardios em trejeitos e feitos onde um mínimo herói é mais que satisfeito, me jogo às esquinas que desabrocham vertigens e curvas desconhecidas. Talvez um pouco de glicemia e outro tanto acima, talvez apenas a névoa que encobre os poetas nas manhãs claras de um sol descabido. Sol que queima os olhos de quem vive na penumbra, à busca da inexistente tez. Coisa de pesadelo e desmazelo, ensimesmados, ambos, de inebriantes desejos. Coisa de gestos parados no espaço, segurando copos às cópulas que se vestem de coxas e pernas diante da mesa de um bar que caminham para longe, sem nunca chegar.

Todos os dias, como se bêbado acordasse numa fossa que nem mestre-sala faz em porta-estandarte, me livro de cada frase apostata de um livro que jamais escreverei. E leio e releio, como tesouro perdido no único veio, as misérias caóticas e cáusticas de um samba sem verso e sem terço, perplexo na brancura e agrura da tarde. Tenciono músculos e faces, máculas e crases, e vou me soltando, atando nós prolixos e senis. Mas, ainda como quem tem onde segurar e orar, me agarro à batuta do mestre maior, o poeta que respirou além-mar. Antevejo o tempo ao benfazejo desamor. E o sigo em frases e fases ao porto que deságua do lado de uma cama, detrás de um sofá, na emoção que ainda há de sangrar.
 
Ao som do Vida Noturna, do Aldir Blanc

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Rod Stewart canta 68 clássicos americanos

 Por Edmilson Siqueira 


São cinco CDs gravados entre 2002 e 2010, sendo que os quatro primeiros foram na sequência (2002 a 2005) e o último só cinco anos depois. Eu estou me referindo ao "The Great American Songbook", do cantor Rod Stewart. Trata-se sem dúvida, de uma ótima ideia, pois junta, em cinco volumes, nada menos que 68 clássicos da música norte-americana. 


E tudo foi escolhido com muito bom gosto. A voz diferente de Rod, que muitos não acreditavam que pudesse ficar bem fora do pop ou do rock, se mostra aqui muito bem casada com ótimos arranjos de grandes orquestras. Todos os CDS tiveram ótima produção visual, com belas capas e encartes com alguns textos e as letras de todas as músicas. Além, é claro, de detalhadas fichas técnicas.  


O primeiro CD da série - cada um deles leva na capa o nome de uma das músicas - se chama "It Had Be You" e a seleção é composta por, entre outras, "You Got To My Head" (Haven Gillespie e Fred Coots); "They Can't Take That Way From Me (George e Ira Gershwin), "The Way You Look Tonight" (Jerome Kern e Dorothy Fields), "It Had To Be You (Gus Kahn e Ishan Jones), "That Old Feeling" (Sammy Fain e Lew Brown), "These Foollish Things" (Sammy Fain e Lew Brown) e outras do mesmo nível.   


O segundo disco é "As Time Goes By" e nele Rod Stewart interpreta mais canções inesquecíveis como "Time After Time" (Sammy Cahn, Jule Styne), "I'm in the Mood for Love" (Dorothy Fields, Jimmy McHugh), "Don't Get Around Much Anymore" (Duke Ellington, Bob Russell), "Bewitched, Bothered & Bewildered" (Richard Rodgers, Lorenz Hart), "Where or When" (Rodgers, Hart), "Smile" (Charlie Chaplin, Geoffrey Claremont Parsons, John Phillips) e, claro, "As Time Goes By" (Herman Hupfeld). 


O terceiro se chama Stardust e a seleção tem coisas como "Embraceable You" (George e  Ira Gershwin), "For Sentimental Reasons" (William Best e Deek Watson), "Blue Moon" (Richard Rodgers, Lorenz Hart), "What a Wonderful World" (Bob Thiele, George David), "Stardust" (Hoagy Carmichael, Mitchell Parish, "Manhattan" (Rodgers e Hart), "'S Wonderful" (George e Ira Gershwin) etc. 

Thanks For The Memory" é o título do quarto disco da coleção do grande repertório norte-americano. As músicas nada devem aos anteriores em termos de qualidade. Alguns exemplos: "I've Got a Crush on You" (George e Ira Gershwin), "I Wish You Love" (Léo Chauliac, Charles Trenet), "You Send Me" (Sam Cooke), "Long Ago and Far Away" (Jerome Kern, Ira Gershwin), "Makin' Whoopee" (Walter Donaldson, Gus Kahn), "My One and Only Love" (Guy Wood e Robert Mellin), "Taking a Chance on Love" (Vernon Duke, John Latouche, Ted Fetter), "My Funny Valentine" (Richard Rodgers, Lorenz Hart) e outras tão boas quanto. 


Por fim, o quinto disco, gravado só cinco anos depois do quarto, é "Fly Me To The Moon" cujas joias escolhidas têm entre outras "That Old Black Magic" (Harold Arlen, Johnny Mercer), "Beyond the Sea" (Jack Lawrence, Charles Trenet), "I've Got You Under My Skin" (Cole Porter), "What a Difference a Day Makes" (Stanley Adams, María Grever), "I Get a Kick Out of You" (Porter), "I've Got the World on a String" (Arlen, Ted Koehler), "Love Me or Leave Me" (Walter Donaldson, Gus Kahn) e por aí vai... 


Em várias músicas, Rod Stewart convidou outros artistas para um dueto com ele, como Diana Ross, Chris Botti, Chaka Khan, Elton John, George Benson e muitos outros, aumentando mais ainda a qualidade, que já é grande apenas com Rod, das canções.  


Os CDs estão à venda nos bons sites do ramo, todos juntos ou separados, bem como todos os cinco volumes estão à disposição no YouTube. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...