segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Nosso maestro soberano

Por Edmilson Siqueira

Resolvi iniciar esta série com nosso maestro soberano por motivos óbvios. Se pretendemos falar aqui de boa música, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o nosso Tom, é o primeiro da fila. Há, claro, muitos discos dele que poderiam ser aqui comentados - e serão - mas o primeiro foi escolhido para mostrar não só a grande qualidade de sua obra, mas a dimensão que ela alcançou e que até hoje é subestimada por muitos.

Jobim é um artista de referência na música mundial e isso fica cada dia mais claro, com inúmeras novas gravações nos cinco continentes e muitas composições que surgem com evidente influência da bossa nova, nos Estados Unidos, na França, na Itália, em Portugal, no Japão etc.  

E o disco Antonio Carlos Jobim And Friends, gravado em 27 de setembro de 1993, no Free Jazz Festival em São Paulo, é prova eloquente do tamanho do "nosso melhor Antonio Carlos", como disse Sergio Augusto num texto memorável quando o maestro morreu em Nova York. 

O disco abre com ninguém menos que o grande pianista de jazz Herbie Hancock com um medley de "Inútil Paisagem", "Triste" e "Esperança Perdida". Somente ele e o piano abrindo o show daquela noite já demonstra a veneração que há pela música de Jobim. Herbie passeia pelas finas melodias como velhas e amadas conhecidas e improvisa com grande categoria. 

Na segunda música, Herbie continua ao piano, mas recebe a companhia de Ron Carter no contrabaixo, Harvey Mason na bateria e Alex Acuña na percussão pra dar uma roupagem toda swingada a "Ela é Carioca", no melhor estilo dos trios de bossa nova que surgiram no Brasil na década de 1960.  

O título da terceira música é "The Boy From Ipanema" e é, claro, a versão feminina do maior sucesso de Jobim e Vinícius. Isso porque ela é cantada por ninguém menos que Shirley Horn, que se acompanha ao piano mais Mason e Acuña e o violão de Oscar Castro Neves. A interpretação é alegre com um ótimo scat de Shirley. 

E é a mesma Shirley que nos brinda com o momento mais emocionante do disco. A mesma turma anterior, mais os teclados de Herbie Hancock emolduram a impressionante interpretação de "Onde I Loved" ("Amor em Paz"). Shirley canta a música mais lenta do que é realmente, aumentando o espaço entre as frases, dado a cada verso uma força emocional nessa que é uma das mais belas melodias produzidas pelo nosso maestro. 

"Grande Amor", também parceria com Vinicius, serve para introduzir na cena o sax tenor Henderson e piano de Gonzalo Rubalcaba, com a cozinha que já estava no palco mais Paulo Jobim no violão, um time de cobras que passeiam pela melodia com conhecimento de causa. 

O mega-sucesso de Jobim "Chega de Saudade", considerada a música símbolo do início da bossa nova e que ganhou na versão em inglês o título de "No More Blues" é cantada, em inglês, por Jon Hendricks mostrando familiaridade com o ritmo, que não é nada mais que samba sofisticado o suficiente para ser considerado jazz no mundo inteiro. 

A primeira parte do show se encerra com "Água de Beber", apenas instrumental com grande performance de Gonzalo Rubalcaba ao piano.  Gal Costa entra triunfante abrindo a segunda parte, com "A Felicidade" acompanhada por Herbie nos teclados. Um show de alegria e afinação da musa da Tropicália em grande forma. 

"Se Todos Fossem Iguais a Você", a faixa seguinte, serve tanto para mostrar, mais uma vez, as qualidades vocais de Gal, como para introduzir nosso maestro soberano ao palco. Ao fim da música ele entra triunfante. E se faz um silêncio absoluto no auditório para que, após pequena introdução ao piano, uma voz emocionada de Jobim os versos de "Luiza" e o público aplaude ao fim da primeira frase e, com mais entusiasmo, ao fim. 

Depois do solo, os músicos se juntam par, junto ao piano de Jobim, tocar "Wave", outra música que tem centenas de gravações pelo mundo. Bossa nova, samba e jazz e misturam na mais perfeita harmonia.  
Gal entra novamente com "Caminhos Cruzados", fazendo um anteparo para o número final que se aproxima. 

E o grande disco se encerra com "Garota de Ipanema", desta vez no gênero original, com Jobim e Gal cantando, mais toda cozinha que fez o show, num grand finale digno da obra de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o nosso Tom Jobim que, com certeza, teria muitas outras homenagens como essa pelo mundo afora, não nos tivesse deixado aos 67 anos, dois anos e dois meses depois desse show que a Verve gravou e perpetuou.

O link na internet para você curtir é o https://www.youtube.com/watch?v=WxJ-RzKWJM 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...