segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Azul da Rosa

 Por Edmilson Siqueira

Ela já foi considerada uma espécie de João Gilberto de saia tal a qualidade que imprime em suas interpretações. Mas Rosa Passos não se intimida com tamanha consideração: segue seu rumo fazendo história dentro da MPB como uma de suas mais singulares intérpretes aqui no Brasil e em vários palcos do mundo, como o Carnegie Hall, onde fez um concerto solo para americanos e a Blue Note, lendária casa de jazz de New York.

Sua discografia é vasta e nela se destacam tanto composições de grandes nomes como trabalhos um tanto quanto desconhecidos e também uma lavra própria de alta qualidade. Suas composições serão objeto de um artigo aqui, com certeza, mas hoje quero botar o foco nas belas e sensíveis interpretações de alguns dos nossos grandes compositores reunidos num só disco.

O disco se chama Azul, nome de uma das músicas de Djavan, que está presente em cinco das treze faixas. Foi produzido pela gravadora Velas e lançado em 2002. Os outros compositores premiados com a interpretação de Rosa Passos são Gilberto Gil e João Bosco com Aldir Blanc, Capinam e Abel Silva.

Desse seleto grupo da mais fina MPB, Rosa selecionou joias que fizeram sucesso e outras desconhecidas do grande público apesar da qualidade de seus autores. A novidade aqui é o estilo e a voz da cantora, que veste nova roupagem em cada uma das músicas escolhidas e dão a elas uma digna sobrevida nas vitrolas (cd players, né?) do mundo. 

“Desenho de Giz” abre o disco e Rosa não economiza alguns agudos que normalmente não fazem parte de suas interpretações sempre comedidas e exatas. O bolero de João Bosco e Abel Silva com referências a “Molambo”, ganha arranjo de cordas e sopro de Proveta que embelezam a melodia. 

Djavan, o mais reproduzido no disco, aparece na segunda faixa com o sucesso “Samurai”. Rosa optou por um balanço mais marcado que a gravação do autor. A seção rítmica, com bateria e percussão, no arranjo de Lula Galvão, se destaca durante toda a música e com os metais dando um colorido especial ao conjunto. 

A terceira faixa é de Djavan também - “Aliás” - e nela Rosa assume uma interpretação mais intimista como exige a canção de amor que é entremeada por um belo improviso de guitarra de Marcus Teixeira.

O arranjo de Proveta se destaca também na quarta faixa, “Papel Marché” que o próprio João Bosco gravou com grande sucesso. A letra de Abel Silva, um achado, ganha mais delicadeza na voz de Rosa e o belo arranjo de flugelhorn de Walmir Gil completam um quadro sonoro delicioso de ouvir.

Gilberto Gil chega na voz de Rosa com uma das suas mais antigas composições e que causou certa estranheza à época, não pela música em si, um gostoso samba, mas pela temática, já que Gil, um baiano recém-chegado ao Sul, enveredou por um tema carioquíssimo. E claro, se saiu muito bem com “Mancada”, escrita em 1966. Rosa se mantém fiel à gravação de Gil, sem maiores arroubos, passeando pela melodia com a tranquilidade normal de grande intérprete que é.

E Gil continua na voz de Rosa na faixa seguinte com “Ladeira da Preguiça”, um samba cheio de balanço, de difícil interpretação. Claro que Rosa se sai bem na missão, complicada talvez pelo fato de a música ter sido gravada por Elis Regina numa interpretação exuberante. Mas Rosa não parece se inibir e bota sua marca na música que só tem a ganhar com mais essa gravação. 

Na faixa que dá título ao disco - “Azul” - com arranjo de Lula Galvão, ganha destaque a seção de metais, vibrante e em contraponto com a voz de Rosa, comedida, sem maiores firulas, dando luz própria ao sucesso de Djavan.

João Bosco e Abel Silva são os autores de “Quando o Amor Acontece” e Rosa canta a música como se fosse uma velha conhecida dela, com a “sofrência” dos belos versos e sem cair na armadilha de querer imitar a gravação de João Bosco. Rosa sabe das coisas. 

Nas músicas seguintes “Açaí” e “A Ilha”, ambas de Djavan, Rosa continua a nos mostrar seu belo timbre vocal, principalmente na segunda, um jazz abrasileirado, numa bela letra do autor, até fugindo um pouco dos devaneios poéticos que lhe deram fama. 

Uma música pouco conhecida de Gilberto Gil - “Mar de Copacabana”, de 1983, recebe de Rosa uma delicada interpretação e a seguinte é outro desafio, pois ela traz “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, de João Bosco e Aldir Blanc, também gravado por Elis Regina e que até hoje frequenta as boas rádios do Brasil. Rosa registra sua interpretação sem maiores problemas, brincando no final com o mesmo bolero que Elis introduziu, acrescentando alguns scats que dão mais brilho ao final do sucesso da dupla.

“Amor Até o Fim”, outra antiga de Gil (1971) encerra os trabalhos dessa intérprete única da MPB. Um samba de Gil que serve a várias divisões vocais que só os grandes conseguem fazer sem perder o ritmo e solidez da interpretação. 

Enfim, Rosa nos mostra nesse disco porque é considerada, com justiça, um pouco acima da maioria das cantoras brasileiras e admirada aqui e no exterior.  

O link para ouvir Azul de Rosa Passos: https://www.youtube.com/watch?v=THdcd9nPQVg

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