segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O Mestre no instrumental

Por Ronaldo Faria

Eu idolatro Angenor de Oliveira por ele ser mangueirense e fundador da Verde e Rosa ou eu idolatro a Mangueira por ela ser berço de Angenor de Oliveira e tantos mais? Eis a questão. Até hoje não fechei essa equação. Mas Cartola, assim como Nelson Sargento, Carlos Cachaça e Jamelão, entre tantos outros, são um momento à parte deste mundo chamado Samba, pelo qual sou um apaixonado. Este ano, aliás, se houver Carnaval no Sambódromo, ele, Jamelão e Delegado (mestre-sala maior da escola) serão os homenageados, com justa razão.

Mas Cartola, razão deste texto, é um daqueles casos onde o destino esqueceu e depois lembrou, para as bênçãos da música, que existia e produzia obras-primas do samba. Do Bloco dos Arengueiros que seria a essência para fundação da Verde e Rosa em 1928, Cartola teve sambas gravados na década de 1930 por nomes como Araci de Almeida (musa de Noel Rosa), Carmem Miranda (nossa embaixadora nos Estados Unidos), Sílvio Caldas (o eterno seresteiro), Francisco Alves (Chico Viola ou Rei da Voz) e Mário Reis (o Bacharel do Samba). Contudo, apenas aos 66 anos, em 1974, ele foi a um estúdio gravar o primeiro daquele que daria espaço a mais três discos, até a sua morte em 1980, aos 72 anos.

Mas eu não vou discorrer aqui sobre nenhum desses quatro discos do Mestre Cartola. Mas falarei noutros textos, deles e de outros em sua homenagem, como um do Arranco de Varsóvia. Vou ficar aqui em um que surgiu em 2008 – o Chora Cartola. Esse é um CD instrumental com 15 canções do Mestre em forma de samba/choro ou choro/samba. À exceção da última faixa “A Canção Que Chegou”, todas são um discorrer de notas e harmonias musicais com Carlos Malta (flautas e sax), Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Joel Nascimento (bandolim), Paulo Sérgio Santos (clarinete), Beto Cazes (percussão) e Rildo Hora (gaita). Na derradeira música, a voz de Moyseis Marques. E há outros músicos esporádicos e convidados em algumas faixas.

Na verdade, este CD mostra que o samba de Cartola é de uma profusão de tal beleza que nas mãos de solistas incríveis se enche ainda mais de ternura e musicalidade. Esse é um disco que merece ser ouvido num final de tarde, numa noite de lua, numa madrugada de brisa fresca, numa manhã de sol a brilhar. Enfim, a toda a hora. Tem as clássicas “As Rosas Não Falam”, “Alvorada”, “Tempos Idos”, “O Sol Nascerá”, “Acontece”, “O Mundo É Um Moinho” e “Divina Dama”, entre outras canções que se eternizaram no mundo sonoro da MPB. Como toda a obra de Angenor de Oliveira, este CD é lirismo e samba da melhor qualidade. Logo, que este ano a Mangueira possa homenageá-lo no Sambódromo, ou não, se a pandemia impedir. E se impedir, falhará no seu intento. Afinal, Cartola vive hoje e eternamente em cada acorde que o coração faz pulsar. E isso nenhum vírus vai matar.

Ps.: este disco você encontra no Spotify.
Para ouvir um pouco do Mestre (150 músicas): https://www.ouvirmusica.com.br/cartola/

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