Por Ronaldo Faria
Ouvindo What a Wonderful World, na voz eterna de Louis Armstrong, vejo que
não há mais muito o que esperar pelo sonho da descoberta passageira. Para
sempre, até o meu fim, ficarão a dúvida, a avidez da presença, a ausente
presença real. Todas simplistas e efêmeras no silêncio de uma La Vie em Rose no metal do “Boca de Sapo”.
Para sempre ficarão o rosto e o corpo escondidos num pedaço do cérebro, entre
um neurônio e outro de estúdio de tevê que teima em subsistir as ramificações
elétricas, apesar do ocaso geral. Filho único que não se deixa embriagar de
passado e olhos sobre o Rio a piscar. É dele, irreal, que retiro a ingrata
certeza do dever cumprido, da promessa paga, das letras corretas, das palavras
vazias na sombria madrugada na Lagoa. A se despedir do futuro. Tudo como
augúrio arrancado a fórceps da felicidade única...
Autumn
Leaves passa com seus
barulhos de antiguidade na voz de Nat King Cole. E percorre cada segundo com a
avidez e celeuma do tempo em que eu não era nada. Agora serei? Entra Wave, com o maestro Tom Jobim. Coisas que só o coração pode entender. Aqui,
fundamental é mesmo embriagar-se de passageiras maneiras de vaticinar a dúvida
que ficará para sempre. Que fim ela levou? – pergunto ao pai hinduísta. Nada
como a vodca da madrugada para nos fazer íntimos do outro e da ausência
postergada da vida. E entra Tom de novo. Imagina.
Que bom poder exercer no teclado a mesma criação das notas de um piano mágico.
Mesmo que longe da genialidade e da ferrenha vontade de expor emoções e
volúpias abissais cheias de areia, ondas e pernas morenas, irreais.
Vamos a Pequenina, de Dércio Marques. Terá sido ela pequena? Não lembro.
Menor que eu, certamente. Mas maior, muito maior em certezas e desejos,
respostas e (des)caminhos. Por que, então, sumiu na estrada da vida? Que rumos
terá tomado, entre imagens a decupar programas cortados em fades, in e out? Somos todos irmãos da Lua. Mas onde está
a lua brilhando sobre a Lagoa? Onde está o homem-menino de camisa branca
cearense, de saco de estopa, a andar à toa pelos bares do Leblon? Vou-me embora pra Pasárgada. Lá sou amigo do rei, diz Paulo Diniz. Talvez seja
a hora de chamar a Mãe D’água para me contar as estórias que, no tempo de
menino, ela vinha me contar. Afinal, estou mais triste de não ter jeito, com
vontade de me matar. E a mulher que eu quero, na cama que escolherei, sumiu.
Ninguém sabe, ninguém viu...
Aqui, no Interior, a Tristeza do Jeca ecoa sem parar. Não há
muito o que contar ou reportar. Eu, repórter, falhei em descobrir a fonte. No
riacho, a fonte real desce em margeios e anseios próprios. E cai na água fria,
gostosa, refeita e rarefeita de fantasias desbragadas e parcimoniosas consigo e
comigo mesmo. Naquela mesa irrompe no
vozeirão de Nelson Gonçalves. Se eu
soubesse quanto dói a vida. Mas a dor ainda dói mesmo assim. O silêncio,
sepulcral, metonímico, benfazejo, utópico, dirimido em tópicos aleatórios de
clitóris não tocado, é total. A noite adentra misteriosa e cheia de imagens
vorazes de verter pelas esquinas, como a toalha de um conto passado, levada ao
caixão como um troféu à perda antevista. Os olhos não veem além da tela os
olhos negros e vivos dela.
Na verdade, é tudo Papo de Passarim. É tudo gelo em degelo
no álcool com gosto de laranja. É tudo quase madrugada de um novo dia, a dois
minutos de chegar. É nada e é tudo. É como estar desnudo de corpo e alma a me
embriagar de letras e rimas, poesia e cantiga, palavras e vida. Nada há e pouco
haverá. A capela gorjeia notas e acordes, mas o coração não acorda da sua
imensa tristeza da dúvida real. Nem uma Toada
refaz a fatídica e intrínseca verdade de uma saudade que é dor pungente,
morena. A ouvir comigo esta cantiga. Vida aventureira. Coisa de dobrar a
esquina errada ou certa; digitar a palavra correta ou desconexa, largar entre
litros e litros de morte antevista a vida redescoberta em textos de volúpia virginal.
Ne
Me Quitte Pas, no
sussurro de Maysa, me remete aos Andes, à Anita em carne viva, pequena, olhos
coloridos a brilhar. E tanto e quanto andei, nos últimos anos, para tentar
reaver o passado, recuperar o esquecido, ignorar o presente nas suas mazelas e
velas acesas ao acaso e ocaso da vida. Como me fiz e refiz na lareira de uma
brasa esquecida. Tudo como Gilda, e
eu – ante a sua aparição do poeta Vinicius de Moraes. E é a brisa do mar, o solilóquio de reportagens
postadas em poemas, penas imaginárias, pênseis e inexplicáveis que fazem um semianalfabeto
tirar letras de pedra, brotando-as no quintal da emoção e genética da criação.
E chega o Intermezzo From Cavaleria
Rusticana. Nesta música só não chora quem não ama. Ou então quem não sabe
que a eternidade, na sua finitude, não passa de uma chama. Hoje, porém, deixei
de lágrimas derramar.
O CD está para acabar. Foram algumas
músicas catadas a dedo de milhares de canções que têm até a voz da loura
Marilyn Monroe e seus diamantes que qualquer mulher há de ter como melhor
amigo. Por aqui vou ficando e arfando na certeza de não ter terminado a busca
que me ofusca e remete a saudades letais. Por aqui, vou passando, Night and Day, a saber que cada noite e
cada dia são de um passado real, abrupto, final. Um dia, com toda a certeza que
a vida nos dá, a night não verá o day, ou o day não se fará de night. Há
escolha? Há como decidir o fim?
Se assim houver, quero baixar os olhos
e emoções ao nada em plena madrugada, embriagada e desmistificada em si mesma. Only You. Senão, quem sabe, em Sampa, a ver amigos da Austrália e
trocar selinhos de idas e vindas, de versos e passagens, de regressos e
viagens. Coisas de Adios Nonino. É
isso: hoje dou adeus ao meu menino que pensa ser o dia-a-dia parte de um parque
de diversões dos mortos em
férias. Agora, efêmera memória, a feérica luminosidade da
saudade dá lugar ao desejo da máquina do tempo que se esconde na brisa do
tempo. Mas, hoje, não há canção ou rima metafórica. A catarse da frase se fez sem
demora. Agora, a hora é o discrepante fastio maldizente, cheia de gás carbônico
e gente que há de vir. Que o tempo nos resguarde, ao menos, de ter de sorrir
por sorrir. Dói-me a mandíbula ter de fingir...