quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Rio e Pirajá, no samba

 Por Ronaldo Faria

 

Batuque no boteco traz saudades e arritmias, vertigens e blasfêmias mínimas. Semínimas ínfimas. “Desce um chope, chega outro, que venha mais um e tantos mais.”
-- A chopeira esvaziou. Pode mandar umas Brahmas? Com direito a saideira...
-- Fazer o quê. Não tem um, vai outras...
Na mesa, reminiscências, dormências, sofrências, parcimoniosas inocências. Gente a trocar olhares, alhures desejos. Fabrício e Jennifer olham para o céu que brilha azul chapiscado de nuvens brancas e disformes, nas mil formas que o vento lhes dá. De algum lugar um cambono grita na gira que o saravá é de Exu. Na mesa ao lado, um homem diz que graças a Deus, Oxalá.
Um partideiro resolve colocar a voz para sambar e soar e logo a morena mais brejeira sai a dançar. Outros tantos loucos da vida, em caixas de fósforos ou latinhas vazias, harmonizam a falsa dramaticidade da cena carioca. Há quem cante junto, quem evolua longe do sambódromo, num asfalto só seu, quem voe entre falsetes e notas complacentes nos quatro dias de folia. No caixa, Felismino reclama do preço da dose e diz que vai levar para o Procon “a absurda verdade da exploração do povão pelo português invasor”. No fim da discussão, vai tudo para a pindura que já soma mais papel do que goles tragados.
-- Moçada, vamos reduzir a sede. O estoque está indo pro cacete!
Fabrício pega Jennifer pelas mãos e começa a girar feito volta e ida, ida e volta. Aos poucos, grudam os corpos, se beijam em línguas e lânguidos desejos desesperados. Volta e meia se deixam parados para viverem às entranhas as estranhas fagulhas que cobrem os olhos. E brincam de amar feito fossem adolescentes ainda. Na indistinta maneira de buscar prazeres, relembram a brandura que a brancura das recordações traz. E viajam em mil lugares, proseiam com outros amantes delirantes, dizem que outrora foram mais felizes, que em caminhos errantes erraram sobremaneira.
Devagar, o luar toma conta do lugar, a chegar e farrear de brincadeiras utópicas o espaço de falácias e nostalgia. O dono da birosca já explica que a Brahma dançou. Quem quiser agora tem buscar a série B das geladas. “Aqui na comunidade essa briga de milícia e comando tem reduzido a chegada da entrega”, vocifera. “Fazer o quê? Desce a tal Série B! Depois de umas tantas, tanto faz”, gritam os frequentadores em ardores ébrios.  
Aos poucos, na procrastinação final, a noite revela que as velas que lutam contra um mar imaginário são o porto onde deixar o corpo cair depois que as pernas bambeiam a revoar. Fabrício e Jennifer, colados de corpo e alma, se fazem prosopopeia e epopeia, quimera irreal. Devagar, o tempo passa e as pombas que antes comiam restos de pão e do que caísse no chão, já dormem dependuradas nos galhos que ainda sobram feito quadro de Portinari. As portas, antes entreabertas, agora se fecham, sem soberba, para a vida. O casal da prosa se despede e pede que algum dia talvez volte a se ver. Afinal, cada rever é cobrar carnavais do passado, postergar sambas que nunca serão cantados e saber que porta-bandeira e mestre-sala irão dançar separados até o porvir do fim.

Zé dá o Tom final

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