terça-feira, 16 de julho de 2024

O estranho e admirável Thelonious Monk

 Por Edmilson Siqueira


Há alguns anos, no mês de agosto, dei de presente a um amigo uma caixa com cinco discos de Thelonious Monk. Meu amigo, apreciador de jazz, não conhecia a obra do grande pianista. Eu conhecia um pouco e, por isso mesmo, comprei a caixa com os CDs certo de que estaria dando um bom presente. 
No dia seguinte meu amigo me manda uma mensagem agradecendo mais ainda o presente. Ele estava ouvindo e se deliciando com a música de Monk, superando qualquer expectativa. Perguntou se eu tinha os discos, eu disse que não e que seria difícil comprar de novo, já que o vendedor da Saraiva (lembram dela, lá no Iguatemi?) me disse que era o único. Então meu amigo me disse que iria copiar todos eles e me dar. E são esses cinco CDs "piratas" que tenho e que ouço sempre, um presente que acabou virando dois presentes.
E valeu a pena.
No início dos anos 1960, Monk ingressou na gravadora Columbia para trabalhar com Teo Macero, produtor de Miles Davis. Desta vez criou um quarteto, com o saxofonista Charlie Rouse, o baixista Larry Gales e o baterista Ben Riley. A caixa reúne gravações desse período: "Monk's Dream" (1962) - o álbum mais vendido de sua carreira, "Criss-Cross" (1962), "Solo Monk" (1965), "Straight, No Chaser" (1967) e "Underground" (1968). Todos idênticos aos originais, inclusive com os encartes.
Thelonious Sphere Monk, nascido em Rocky Mount, em 10 de outubro de 1917 , morreu em Weehawken, em 17 de fevereiro de 1982. Desde sempre foi considerado um pianista único, e, apesar de um estilo excêntrico, é considerado um dos mais importantes músicos do Jazz, pois tinha um estilo único de improvisar e tocar.
Diz sua pequena biografia inserida na Wikipédia: "Era famoso por seus improvisos de poucas e boas notas. Preciso, fazia com duas ou três notas o que outros pianistas faziam com nove ou dez. Cada nota entrava perfeitamente no contexto da música, numa mistura melódica e rítmica. Somente notas necessárias e muito bem trabalhadas. Sentado ao piano, tocava-o encurvado, com uma má postura, além de seu dedilhado ruim, com os dedos rígidos, que ficavam perfeitamente eretos e batiam nas teclas tal qual uma baqueta faria em um tambor. Excêntrico, Thelonious não era muito bem visto pela crítica da época, porém era unanimidade entre os jazzistas. Compunha melodias e criava ritmos nada usuais."
Só que os sons e ritmos "nada usuais" de Monk são agradabilíssimos aos ouvidos dos fãs de jazz, como pode ser constatado em qualquer dos cinco discos ou mesmo em outros de sua vasta discografia.
Mas a coletânea de CDs inserida nessa caixa dá um ótimo panorama da obra de Monk.  São quatro quartetos e um disco solo. E, ouvindo, ficará fácil perceber que, entre outras qualidades, a música de Monk é divertida e desde a primeira vez que se ouve percebe-se a abordagem única ao piano.
Não estranhe, mas logo se ouve acordes e notas que estão claramente fora do lugar, mas que em suas mãos parecem se encaixar perfeitamente. Um texto num dos encartes diz que "os músicos que o acompanham, John Ore no baixo e Charlie Dunlop na bateria, pegam as síncopes de Monk e dançam com eles usando um vocabulário musical incrível. John Ore e Frank Dunlop aparecem em três dos discos e Ben Riley (bateria), Larry Gales (baixo) no álbum Underground. Todos os quatro discos nos presenteiam com o grande saxofonista tenor Charlie Rouse, que se associou a Monk por uma década. Um dos discos - Underground - tem uma foto de capa tirada em seu apartamento cheio de objetos malucos e fora do lugar que aumentam sua mística - dizem que ele tinha uma vaca de estimação e a deixava correr livremente em seu apartamento." ... Thelonious Monk influenciou quase todos os músicos de jazz modernos com sua abordagem angular para solos e composições."
O álbum "Criss Cross" resume bem a fórmula de Monk: metades com composições bastante curtas mas muito densas, com uma estrutura rítmica e melódica por vezes confusa (a peça homónima e "Eronel"). E outra metade com um coquetel dinâmico de composições rítmicas e sólidas ("Think of One", "Pannonica") e baladas delicadas (o standard "Don't Blame Me" magnificamente interpretado por Monk, e "Crepuscule with Nellie", numa versão sublime de densidade e concisão.



O álbum "Straight No Chaser" contém peças mais longas, onde são especialmente os solistas que brilham pela sua inventividade e capacidade de resposta. Ouça com atenção, na peça homônima, revisitada para a ocasião, o acompanhamento de Monk por trás do solo de Rouse: ele pontua o fraseado do saxofone com notas de piano espaçadas e dissonantes (o que muitas vezes cria um efeito cômico marcante), então, finalmente, silencia, deixando Rouse com baixo e bateria. Da mesma forma, as estranhas harmonias de "Locomotive" e a forma como os solos da gravíssima "Japanese Folk Song" (incluindo a bateria) persistem em repetir a melodia de forma quase matemática, não deixam ninguém indiferente.
“Underground” segue o mesmo espírito. “Raise Four” desenvolve um tema inebriante repetido mecanicamente num ritmo não tão óbvio quanto parece (e com um belo baixo de Gales); "Boo Boo's Birthday", uma das composições mais divertidas e complexas do disco faz muito sucesso. E ainda há "Green Chimneys", uma peça emblemática  que mistura notas de piano e saxofone.
O álbum "Solo Monk" contém gravações de Monk sozinho ao piano. Aí encontramos clássicos interpretados com emoção ("Ruby My Dear", "Ask Me Know" e o seu final com notas ressonantes sempre surpreendentes), blues com batidas claras e precisas ("Monk's Point").Mas é sobretudo “I Should Care”, de 1min56, que domina o conjunto: música ao mesmo tempo complexa e clara na sua execução, surpreendendo sempre nas progressões de acordes e notas.
Tudo já seria fantástico se esta edição oferecesse apenas os álbuns originais. Mas eles foram generosos o suficiente para adicionar takes alternativos como faixa bônus. Podemos assim ouvir um primeiro rascunho de "Green Chimneys" gravado durante as sessões de "Straight, No Chaser", o primeiro take de "Bolivar Blues" onde ouvimos a construção da peça (Monk ainda não incorpora os seus trinados hipnotizantes), e muitas outras belas obras.
A caixa está à venda na Amazon por 249 reais e no Mercado Livre por 199,90.

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