quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Amália, a deusa que queimava fornalhas

 Por Ronaldo Faria

 


Ela era a passista mais linda da quadra e da avenida, da vida, desejada por todos e mais alguns que nem sequer a conheciam. Mulata (que me perdoem os puristas de agora com seus verbetes, mas sou do tempo que tal denominação era forma de idolatrar a beleza da pele negra/preta) que os poetas do samba glorificavam em rimas e glorificações, Amália era o brilho que as estrelas volta e meia não traziam aos céus porque tinham guardado todo o esplendor para ela. Seu corpo, seus trejeitos, seu remelexo, seu jeito de ser, tudo e algo mais eram muito além daquilo que coração pode imaginar. Sua boca, seus lábios, seus olhos, cabelo, ela como um todo, eram escultura que nem o maior do escultores suporia fazer ou supor. E o sorriso? Era desses que nem a mais solitária solidão ou a dor maior saberiam viver sem sucumbir. Michelangelo nunca diria “parla”. Ao contrário, teria se ajoelhado diante dela e teria dito: “O que eu devo falar?” Enfim, a mulher entre todas as mulheres. Alhures, seria a Eva de todos os Adões do planeta. A correr as areias da praia deserta e iluminada pela lua que, ademais, brilhava só para ela poder desfilar seu corpo solto. Amália era musa de qualquer bateria que quisesse dez na nota final. E os batuqueiros até poderiam atravessar o samba. Os olhos dos jurados estariam nela, a delirar. Com certeza qualquer deslize na harmonia seria esquecido.
Amália, amor da dália aberta, delírio do compositor, coisinha tão bonitinha do pai, porém, tinha um algo a se pensar e divagar. Amava José, vagabundo da pior espécie. Desses que a ficha corrida no passado fazia a bobina do fax acabar. Para ele o tal de 171 era coisa barata. Malandro que otário não sabia sequer e nem mesmo que ia engolir, ele se fazia de forte diante do aporte que Amália entregava. Como alguém, em sã consciência, se é que a ciência compreenderia tal deslize do amor, poderia resistir aos desejos da mulher que era a obra maior que Deus decidiu fazer num dia boladão? Mas José, retardado desde o nascimento quando faltou força para sua mãe colocá-lo para fora, apesar dos gritos da parteira, saberia ter sido sorteado na milhar ou na loteria federal? Qual... Para ele, dois e mais dois era o que fosse. Uma cheirada e outra eram a chamada real. Mesmo que assim, a todos mortais, Amália fosse o prêmio apenas sonhado. O bilhete nunca premiado. Mas José, como bom carioca, a saber-se idólatra, seguia na sua delirante oca. Era apenas um nome no CPC do crediário de ter o Éden sublime da cabrocha iluminada pelos holofotes da razão sem poder pagar. E assim, perto do fim, o escritor descreve, à verve, aquilo que as letras nem sabem mais descrever. Nos ouvidos os tamborins marcam a criação. Algum dia haveremos todos de morrer de solidão. E José? Esse que vá saber, talvez, o que é ser um cuzão sem colhão...

Emile Zola ou Cláudio Zoli?

 Por Ronaldo Faria   A noite rolava meio emblemática e meio trágica na sua atávica forma de ser e sobreviver. Casais se lambiam, se falava...