Por Ronaldo Faria
O prato de sopa termina. Na
terrina sobrou sopro de fome e outro de dor. O barraco de zinco e madeira, como
manda a poesia carola sob o manto azul da padroeira do Brasil, vê as gotas de
chuva pingarem quietas e serenas. Uma ou outra, como amante sirena, cai sobre a
cama e perfaz o drama. Molha o lençol ralo, o colchão de molas sem molejo e o
travesseiro que cuida de uma cabeça vazia depois de umas tantas e várias doses.
Edgar, dono do lugar, pega a cuíca e toma o rumo do ensaio do bloco. “Um dia a
gente vira escola de samba. E aí ninguém segura mais. Grupo especial e título
na Sapucaí. Pode ser daqui a dez anos, vinte, sei lá quanto tempo. Mas esse dia
irá chegar”, pensava a delirar.
Sobe no trem e segue cada estação na retidão que a dona da ferrovia dá. Consegue um lugar sentado. Põe o instrumento no colo e segue a ver gente entrar e sair. Tem homem suado, cansado do trabalho, mulher igual e algumas com filhos e prole a voltar ou ir, vendedor de muamba, batedor de carteira e celular. Tem a gorda que reclama quando o velho com artrose pede para liberar lugar, maloqueiro que quer chegar o mais rápido possível para a encomenda vazar, sambista feito ele que quer apenas sambar. Espaço democrático e autocrático, o trem trilha nos trilhos as estações uma a uma. Assim, após póstumas saudades e vidas em descompasso, o trem para na estação desejada. Aí é subir a passarela, andar duas ruelas e chegar na roda que samba.
- Edgar, até que enfim você chegou. A bateria estava na falta!
- Essa bosta de trem sempre atrasa, mas estou aqui. Vamos fazer a bagunça rolar!
Na quadra improvisada a música começa a soar. Devagar, chegam as morenas, os passistas, o povo que samba. E a coisa vai enchendo, encorpando, incorporando desejos e ensejos, a trazer esperança e paixão. Edgar nem lembra que teria de enxugar o barraco e botar o colchão, se o sol no dia de manhã vier brilhar, para secar. Com os dedos a brincarem no couro da cuíca, é somente sonho. Bisonho e sacana, o sol diz a si mesmo que no próximo dia deixará de raiar. A solução de Edgar será encontrar outro empório de vidas para recolher a sina que a cuíca deixará vazia.
Sobe no trem e segue cada estação na retidão que a dona da ferrovia dá. Consegue um lugar sentado. Põe o instrumento no colo e segue a ver gente entrar e sair. Tem homem suado, cansado do trabalho, mulher igual e algumas com filhos e prole a voltar ou ir, vendedor de muamba, batedor de carteira e celular. Tem a gorda que reclama quando o velho com artrose pede para liberar lugar, maloqueiro que quer chegar o mais rápido possível para a encomenda vazar, sambista feito ele que quer apenas sambar. Espaço democrático e autocrático, o trem trilha nos trilhos as estações uma a uma. Assim, após póstumas saudades e vidas em descompasso, o trem para na estação desejada. Aí é subir a passarela, andar duas ruelas e chegar na roda que samba.
- Edgar, até que enfim você chegou. A bateria estava na falta!
- Essa bosta de trem sempre atrasa, mas estou aqui. Vamos fazer a bagunça rolar!
Na quadra improvisada a música começa a soar. Devagar, chegam as morenas, os passistas, o povo que samba. E a coisa vai enchendo, encorpando, incorporando desejos e ensejos, a trazer esperança e paixão. Edgar nem lembra que teria de enxugar o barraco e botar o colchão, se o sol no dia de manhã vier brilhar, para secar. Com os dedos a brincarem no couro da cuíca, é somente sonho. Bisonho e sacana, o sol diz a si mesmo que no próximo dia deixará de raiar. A solução de Edgar será encontrar outro empório de vidas para recolher a sina que a cuíca deixará vazia.