Por Ronaldo Faria
Venho, através deste, homenagear três mulheres da família Adnet: Muiza, Maucha e Antonia. As duas primeiras, irmãs. Antonia, a sobrinha. As duas primeiras, irmãs de Mario e Chico Adnet. Antonia, filha de Mario, que foi tema do brilhante texto do último sábado escrito pelo Edmilson Siqueira. Logo, me senti na obrigação de falar das três, citadas no texto. E logo vem a pergunta: como uma família pode ser tão pródiga musicalmente? Certamente um gene fantástico caiu pelas bandas de lá. E frutificou de forma desbragada, para a alegria de nossos ouvidos e emoções sonoras. Acho que se fosse pai dessa prole e avô de Antonia (junte-se ainda Marcelo Adnet) levantaria todas as noites e dias as mãos para os céus e diria: “acertei na loteria da cultura e da arte”. E essa não há dinheiro que compre. Ou se tem ou não se tem. E os Adnet têm.
Da Muiza eu tenho uma obra-prima que homenageia um dos maiores compositores, arranjadores, músicos e maestros brasileiros - Moacir Santos (morto nos Estados Unidos em 2006). Um ícone que fez carreira reconhecida e reverenciada no Tio Sam e aqui foi quase esquecido. Como maestro, dominava “apenas”, com excelência, o saxofone, o piano, a clarineta, o trompete, o banjo, o violão e a bateria. Alguém que foi mestre somente de Baden Powell, Paulo Moura, João Donato, Nara Leão, Roberto Menescal e Sérgio Mendes, entre outros.
Muiza conheceu o maestro graças a
Mario que, junto com o saxofonista Zé Nogueira, preparava o CD Ouro Negro, para homenagear Moacir
Santos (este é outro CD/DVD de que falarei um dia, por ser algo que nem o nome
obra-prima define). Mas, enfim, a partir desse encontro inicial Muiza decidiu
também fazer sua homenagem ao maestro. E surgiu As Canções de Moacir Santos. Ao todo são 12 composições que mostram
um lado pequeno daquilo que o maestro criou. Sob direção musical e arranjos de
Mario Adnet, o disco reúne, além do próprio Mario, o grande Moacir Santos,
Milton Nascimento, Ivan Lins, Zé Nogueira e Ricardo Silveira, entre outros.
Há obras escritas no Tio Sam e
cantadas em inglês e coisas do Brasil. Desde Nanã (uma de suas músicas mais conhecidas) às lúdicas A Santinha Lá da Serra e Ciranda, onde Muiza divide a voz com
Moacir (em A Santinha, Milton se une
aos dois). Mas todas as composições incluídas nessa produção merecem ser
eternizadas. De 2007, o disco teve lançamento posterior à morte do maestro e perpetuou
nele a sua voz e o seu talento. Com todo o carinho que lhe era peculiar, deixou
uma frase marcada para a intérprete: “Se eu fosse o imperador, Muiza seria a
minha cantora”. Esse CD é, sem dúvida,
algo que não pode passar despercebido pelos ouvidos de quem ama a música de
excelência.
Já o CD da Maucha é o The Jobim Songbook. A conheci como cantora ainda no Rio de Janeiro, quando a via nos palcos como integrante de o Céu da Boca (tema de um texto anterior neste blog). Esse disco é de 2006. Consegui comprá-lo só via importação (ele não veio como lançamento para o Brasil). Gravado em julho de 2004 em Nova York, onde ela mora até hoje, traz 13 composições do Tom. E Maucha tem todo o direito de gravar as coisas do Antonio Carlos e fazer esta homenagem nos dez anos da morte do maestro soberano. Afinal ela fez parte da Banda Nova, que acompanhou Tom durante dez anos, entre 1984 e 1994, ou seja, até a morte daquele que marcou a MPB.
Neste CD há a participação
de Mario Adnet, do baterista Duduka da Fonseca (seu marido), Joe Lovano (sax),
Romero Lubambo (guitarra acústica), Randy Brecker (flugelhorn), Claudio Roditi
(flugelhorn), Jay Ashby (trombone), Nilson Matta (violão acústico) e Helio
Alves (piano). Com esse elenco, vê-se o que Tom tinha de mais popular de volta;
Garota de Ipanema, Águas de Março, Ela é
Carioca, Insensatez, Samba do Avião, Chega de Saudade e Desafinado, entre outras. Na voz de Maucha, um leque de músicas de
alguém com quem ela conviveu nos palcos e no dia-a-dia. Na contracapa do CD, um
pouco daquilo que Tom pensava dela: “Maucha
and i have travelled the world with the Banda Nova. She is a marvellous singer.
Her voice is deep, rich and mysterious. It makes me long for the Brazilian Forest. She is a great artist (Maucha e
eu viajamos pelo mundo com a Banda Nova. Ela é uma cantora maravilhosa. Sua voz
é profunda, rica e misteriosa. Isso me faz ansiar pela Floresta Brasileira. Ela
é uma grande artista).” E não precisa dizer mais nada.
Por fim, Antonia Adnet. Filha de Mario, ela é arranjadora, compositora, violonista e cantora. Dela eu tenho o CD Discreta, de 2010, produzido por ela e seu pai com a participação de Roberta Sá, Marcelo Adnet e João Cavalcanti. Ao todo são 12 composições. Dessas, sete são dela, sendo quatro próprias em letra e música, sem parcerias. Em várias músicas os arranjos são dela também. Ou seja, a garantia de que o clã Adnet não irá parar tão cedo.
Na faixa que leva o nome do CD, divide a voz com Roberta
Sá. Composta por ela em parceria com João Cavalcanti (ex-Casuarina e filho de
Lenine), a música tem uma letra e melodia que valem nomear o disco. Mas Antonia
mostra que não é só cantora no CD. Ela toca seu violão de sete cordas na faixa
instrumental Vitrine, do eterno
Moacir Santos. E volta ao violão em Primeiro
Choro. Na verdade, todo o disco é um discorrer de novidade musical, com as
incríveis Dois, Um Dia Quem Sabe e Vem e Vai.
Em Pessoas Incríveis, divide a voz
com o seu primo Marcelo. Afinal, como diz a letra, “fundamental é dividir um
prazer”. Para Quero um Xamego, de
Dominguinhos e Anastacia, a voz que a acompanha é de João Cavalcanti. E o ritmo
nordestino vira um verdadeiro chamego para se ouvir. Por fim, vêm Bom Assim, Salineiras e Tema de Outono (outro
instrumental com o violão de Antonia). E, para nossa tristeza auditiva, o disco
acaba. Mas podia ficar rodando até gastar o laser.
Assim, há apenas uma verdade absoluta: que as Adnet se
multipliquem para a eternidade. Nossa MPB só terá a agradecer.
Esses três álbuns você pode ouvir na Amazon Music, no Spotify e no Deezer.