Por Ronaldo Faria
São dez faixas em 30 minutos. O CD, de 2018, traz a assinatura pessoal de todas as composições desse carioca de família vocal e genial e uma única parceria – em Eu Quero as Tuas Canções, onde o dono do piano, Chico Adnet, assina a música junto com Luiz Fernando Gonçalves. Na verdade, Leva no Piano, é um disco do Chico Adnet mas passaria bem como do outro homônimo, o Buarque, ou do Tom Jobim, ou do Edu Lobo ou do Francis Hime. Afinal, todos eles batem no mesmo diapasão - o da boa música, dessa que faz a gente acreditar que a MPB é um baú incansável e inigualável de beleza e sonoridade.
Chico Adnet surgiu também no Céu da Boca, onde a sua irmã Maucha era outra integrante. E como todos os meninos e meninas daquele grupo, não deu erro. Virou um diferencial. Francisco José Gonçalves Adnet, nascido no Rio de Janeiro em 1961, é parte de uma família que já foi citada aqui em textos anteriores e que incluem Mario, Maucha, Muiza e Antonia. Ele é pai do Marcelo Adnet, outro genial que desandou para a comédia, mas se quisesse poderia ter seguido os passos paternos, dos tios ou da prima. Aliás, em sambas-enredos ele já virou referência e parceria para a avenida na Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ), além das paulistas Gaviões da Fiel, Leandro de Itaquera, Dragões da Real e Rosas de Ouro, e a carioca São Clemente. Enfim, o raio caiu várias vezes nessa dinastia musical.
Leva no Piano tem
sambas e muito mais. Foi gravado tendo como base o piano do Chico na sua casa e complementado em estúdio. Ao todo, as dez canções são Leva no Piano, Leva no Pandeiro, Eu Quero as
Tuas Canções, Bem-Vinda, Samba da Feira, Acorda (Jobiniana), Rua da Conceição
25, Samba de Cor, Luiza, Solidão (Beco das Garrafas) e Sete Pecados Capitais.
A primeira das composições tem somente um pandeiro
(Marcos Suzano) e um baixo (Jorge Helder) a acompanharem o instrumento-tema. E
nem precisava mais. É um samba belíssimo, uma ode ao Rio de Janeiro, ao
chorinho e aquilo que tem beleza e harmonia. Em Eu
Quero as Tuas Canções, apenas o piano de Chico e o flugelhorn de Aquiles
Moraes. É uma composição intimista, dessas de se ouvir na madrugada pensando na
amada, a mostrar que “o sonho é uma ilusão de ser feliz”. Em Bem-Vinda, outra que romperia a noite,
com o clarinete de Joana Queiroz a acompanhar as teclas pretas e brancas. “Me
arrasta na incerteza/ Inunda meu coração/ Mergulha nas minhas águas”.
O Samba de Feira
tem acompanhamento das vozes de Maucha e Muiza Adnet, além da percussão de
Marcelo Costa e o clarone de Pedro Paes. Uma brincadeira entre aquele que quer
conquistar e a sua futura amada a ver a corte que ele faz. Um colírio para os
ouvidos, já que os olhos estarão presos nos chuchu, cajazinho, tacacá, feijão
mulatinho, angu com quiabo, doce de coco e muito mais. Acorda (Jobiniana) é um presente auditivo na voz e piano de Chico, que
certamente lembra em muito o Maestro Soberano para acordar Tatiana “vendo imagens de um
filme com música de Tom Jobim”. Em Rua da Conceição 25, só a flauta de
Andrea Ernest vibra junto às pretinhas e branquinhas. Tudo como “velas ao vento
a flutuar, cruzando tempo devagar”. Já em Samba
da Cor tem a percussão de Marcelo Costa, a flauta de Edu Neves e o violão do
irmão Mario Adnet. “Não vou ao terreiro/
Não sou da folia/ Não levo no pandeiro/ Nem na palma da mão/ Mas tenho poesia/
Que eu sou brasileiro/ E o samba tá vivo/ No meu coração”.
Luiza é só voz e piano. Nem precisava mais. “Luiza/ Teu farol me guia/ Na escuridão/ Acalma outra tempestade/ No meu Coração/ Dançando ao meu redor/ Os sonhos em botão”. Tom Jobim assinaria esta canção de olhos fechados, sem mudar uma letra, uma nota, uma vírgula ou uma cifra. Em Solidão (Beco das Garrafas), novamente piano e voz, na certeza de que a madrugada é mãe de todos os poetas e amantes. “Quando a lua/ Já vai alta no céu/ Às 4 da manhã/ Saio do Piano/ Há qualquer coisa/ Nos olhos do garçom. (...) Ah, querida/ Me espera pro café/ Eu já tô indo/ Eu levo o pão”.
Finalmente chega Sete Pecados Capitais. A última faixa do CD. É a música que tem mais instrumentos juntos. Além do piano do Chico, o baixo de Paulo Brandão, o trombone de Éverson Moraes e a percussão de Marcelo Costa. O dueto de vozes é com Pedro Miranda. É um samba meio gafieira que fala de elogios brincalhões e próprios e de sete amigos que são tidos como os verdadeiros pecados capitais: Maucha, Muiza, Mario, Deda, Joana, Suzana e Jorge Helder, além dos demais. E os demais são aqueles que o acompanharam no disco. Esse samba teria a assinatura de Chico Buarque igualmente sem mudar nada.
Ou seja, Chico Adnet é genial, inteligente,
eclético e fundamental à MPB. E prova neste disco que não é preciso ter uma
banda gigantesca ou uma orquestra sinfônica ou filarmônica para se criar uma
pérola rara do mundo musical. Basta ter nascido com um algo a mais: a música de
qualidade como DNA intrínseco e real. Não deixem de ouvir também dois outros
discos dele: Piano e Alma do Brasil, este último o primeiro
da carreira solo e lançado quando Chico tinha 50 anos. Ambos fantásticos. Ambos com a assinatura de um Adnet, a família musical e que enche de orgulho a nossa terrinha continental.
Esse CD e os outros dois podem ser ouvidos e vividos no Amazon Music, Deezer e Spotify.