Por Edmilson Siqueira
O último artigo foi sobre um disco gravado logo após a bossa nova estourar nos EUA, o que fez muitos músicos de jazz - vários deles presentes no famoso concerto do Carnegie Hall em novembro de 1962 - correrem para os estúdios e tentar entender o que era aquela música e fazer um disco com as pérolas que vinham de um estranho e desconhecido país chamado Brasil.
Juntar um grupo de músicos brasileiros mais um jazzista famoso foi uma das fórmulas encontradas, como vimos no artigo anterior: o saxofonista Cannonbal Adderley se junta a vários e grandes músicos brasileiros e produz um disco que, se não é dos melhores que os gringos produziram com a bossa nova, não pode ser ignorado, já que tem muitas qualidades.
O texto do CD, que manteve os originais, afirma que a bossa nova "é uma mistura do samba afro-brasileiro com o jazz afro-americano. No que parece um tempo surpreendentemente curto, a bossa nova tornou-se uma tendência dominante no jazz - ou assim parece pela quantidade de atividade da bossa nova predominante no outono de 1962."
Pois é, em curto espaço de tempo, a bossa nova começou a influenciar o jazz e se tornou uma espécie de novidade a que muita gente aquiesceu. Havia, a partir de 1962, escolas de dança abertas com o chamariz de ensinar a dançar bossa nova. Para quem conhece um pouco da história dos EUA, sabe que raramente aquele povo adere a algo cultural vindo de fora.
O disco, para não deixar dúvida do que viria, começa com "Desafinado" que Dan Mopngernstern, comentando as músicas do CD classifica como "provavelmente o mais popular e certamente o mais bonito dos standards de bossa nova, é interpretado com um apropriado toque de romantismo por Hawkins e Co." Evidentemente Dan não sabia que a música, composta por Jobim e Newton Mendonça (música e letra dos dois), era uma gozação aos cantores desafinados que amigos tinham de acompanhar nas noites do Rio.
A segunda música, "I'm Looking Over a Four Leaf Clover" (Dixon Woods) poderia parecer fora do foco do disco à época, mas Dan explica: "À primeira vista uma escolha improvável para este álbum, é um marco no repertório de João Gilberto, cantor-guitarrista que é um dos maiores expoentes da bossa nova no Brasil". Trata-se, pra quem não sabe, de "Trevo de 4 Folhas" na tradução para o português de Nilo Santos Pinto.
"Samba para Bean" foi uma homenagem de Many Albam a Hawkins, que era conhecido por "Bean" no meio musical. É realmente um "sambinha" bossa nova, resultado já da influência no jazz norte-americano.
"One Note Samba", o nosso Samba de Uma Nota Só", é saudado por Dan como o vice-campeão em preferências da bossa nova nos EUA, logo após Desafinado. Diga-se que em 1962, "Garota de Ipanema" não tinha estourado no EUA, o que só foi acontecer dois anos depois, na gravação de Astrud Gilberto, com o marido João Gilberto, no disco de Stan Getz. Ela seria a obra bossanovista mais gravada do planeta, com mais de 500 gravações pelo mundo, só perdendo, dizem, para Yesterday, de Paul McCartney.
"O Pato" (Jayme Silva e Neiva Teixeira) vem a seguir e o sóbrio sax de Hawkins poderia até tirar um pouco do brilho da música, que é divertida nas versões brasileiras. Mas o tom de sobriedade acaba sendo motivo para um ótimo improviso mais à vontade, tanto do sax quando do violão.
A música seguinte é de João Gilberto, um tributo que ele prestou ao compositor e amigo Luiz Bonfá, uma música com uma estrutura complexa que a turma de gringos toca muito bem.
Encerrando o álbum, uma música de autoria do próprio Coleman, "Stumpy Bossa Nova". "Stumpy" quer dizer "Atarracado" e talvez Hawkins, ao se aventurar pela bossa nova, julgou o resultado meio preso aos seus concentos musicais e botou esse nome com já a se desculpar. Mas, se foi isso mesmo, nem precisava. É muito gostosa de ouvir essa bossa nova "atarracada".
Há algumas músicas do disco no YouTube, mas não encontrei o disco inteiro. Ele pode ser comprado ainda nos bons sites do ramo.