Por Ronaldo Faria
Primeira
dose
Cansaço. Pedaço de corpo arqueado e
delimitado, atado em letras e parágrafos parafraseados pelo desejo de ser.
Sensível e risível sob o risco de ver o tempo passar sem ver. O olhar vazio, no
corpo hiperglicêmico, descobre-se no copo de álcool transgênico de laranja.
Remeto ao som do computador a dor de querer viver. O viés não dá lugar à
solidão. O dogma é saber que sem limite não há visão do querer. E as frases vão
se formando no brilho da tela com palavras desconexas, letras que faltam, erros
cobertos de vermelho e vozes. No Natal, haverá nozes. As odes, nestes dias de
chuva de inverno e inferno lunar, são o passado remeter. E como dói ser e não
saber ter.
A segunda dose
Explode o copo na mão. Em centilitros
graduados, sua e molha a mesa onde se antevê a retilínea curva da formosa
sereia. E vê-se os cabelos negros que lhe cobrem os ombros, os olhos negros que
sorriem no todo e os lábios desnudos entre dentes brancos e graves, com gosto
saber-se-á de quê. Vê-se que o artista a criou num livro quase igual. Há brilho
no desatino da busca sem fim. Mas, diga-se a verdade, não há ela, apesar dos
lamentos sem rima e fim.
A terceira dose
A música da musa, qual será? Tocará
aqui ou se ouvirá só no Ceará? O poema da amada, qual será? Não terá sido ainda
escrito ou estará guardado e proscrito, cravado na cruz? O beijo daquela que
inspira o poeta, como será? Terá um toque de língua persuadido pelo desejo
molhado e venal ou marcará somente o ensejo de querer virar texto em praguejo
de não a ter? Na cama da mulher, quem deitará? Quem será o(a) eleito(a) a
tocar-lhe os seios, despir-lhe entre toques e mãos sob a luz da madrugada para
amá-la na tarde que se esvai? Para onde eu fui ou para onde ela vai? Nem em slow motion bossa nova dream consigo responder...
Na quarta dose
Toques de violão do Celso Fonseca
preparam a chegada do piano de João Donato. São 23h32. Opostos. Cópulas. Copos.
Cones “vodculares” e inconclusos. Obtusa margem de erro e devaneio. Verão em anseio. Calor e
furta-cor. Olho que coça. Finitude que caçoa. Beber ou beber, eis a questão?
Acima de mim, nada. Abaixo de mim, o chão...
Na quinta, osmose
A quinta dose desce como fogo. Dela só
saberei amanhã. Tudo sintomático, no afã. Vida, finita e vã. Parece que perdi
de novo o que pensei encontrar. Festa de dedos que doem e limite de pensamentos
que corroem. Daqui a pouco gostaria que nascesse, ao invés de um, muitos sóis.
Nas caixas de som, mis, sis e bemóis. A voz denota o Donato. Só a musa não faz
parte do ato. Ficam o abraço sem corpo, o beijo sem rosto, o ato largado no esgoto. Em desgosto,
abomino o oposto. Entre vidros, vê-se o teto solar. A abrir e fechar, entrar e
voltar nos volteios do dorso desnudo e fugaz. A madrugada se põe a raiar.
Saudades da Guanabara. Que barra. Quando
ou onde hei de parar?