Por Ronaldo Faria
“Fundamental é dividir o
prazer”
(Mário Adnet e Bernardo
Vilhena)
Cáspite! Quem nunca pensou em começar a escrever um texto assim? Com admiração e ironia. Com devassidão e sintonia. Coisa antiga, palavra plural que deixou de existir mesmo existindo. Que faz parte do dicionário, mas está lá, quietinha, quentinha entre as páginas nunca abertas no seu verbete. Que, parece, usa torniquete para vociferar contra as gírias novas e modernas que a fazem sangrar da dor de não se ouvir nos lábios de um qualquer.
Cáspite poderia ser o nome de uma
donzela perdida num castelo medieval a bailar em qualquer sala oval. A girar e
revirar feito melodia que não fica, não foca e não volta, que se espraia no
vento forte da praia e nos cantos mornos do coração. Uma menina qualquer, de
ancas fartas e pernas plásticas e brancas. Que sente a falta do sol a rebrilhar
amarelo e longe, onde esquentam o monge e o luar.
Senão, quem sabe, cáspite poderia ser
um evangelho tosco e perdido num umbral qualquer, desses que a menina de olhos
negros e sorriso profundo não viveu. E não o fez porque olhava para o nada e
nadava nos seus sonhos de musa e amada. Engalfinhava-se com as rosas jogadas ao
chão e a visão do poeta, disperso e insone, que atirava letras escritas como
sonetos e prosa para o alto, na esperança que uma delas caísse na janela aberta
em forma de versos.
Cáspite seria, enfim, para ter um fim digno que quem já andou na boca de dentes de marfim, um mistério final. Sem ter explicação, sem denominação, sem significado, sílaba letal. Talvez, um pedaço de frase de um fado. Desses que se deixa tocar em bandoneón numa esquina que não tem escuridão e nem sequer luz de néon. Apenas esquina, com toda a sua vastidão e sina, aprendizados, perdas e chegadas. Lugar onde cáspite ou solitário podem virar somente interjeição, coisa levada de volta para o além-mar. E, clarividentes, dormirão quietos e rotos, cabeças apoiada na sarjeta, a verem a vida passar e repassar.