Por Ronaldo Faria
Ouça o som da harmônica e se
embriague de tempos e têmporas. De forma atemporal, lembre-se que há Sonrisal.
E óleo de rícino ou de bacalhau. Um prédio minúsculo e tosco perdido e fosco num
lembrar qualquer. Para o que der e vier.
Escute e ausculte o coração
ainda jovem e púbere de quem terá muito a ver e rever. Verseje um dia sim e
outro também. Quem sabe, serás ouvido por alguém. Do lado tem uma quitanda, um
barbeiro, uma praça de pródigos pranteios.
Saiba sentir o que estiver por
vir. Como prólogos de um ator perdido em cena e que acena ao público que não
há. Talvez, em revés, um padre vestido de negro te abençoe a crer. Aos batuques do
atabaque, não se atordoe. Tempo ainda haverá.
Quando a parede se abrir com
seres a te engolirem, chore alto. Acorde o mundo. Alguém virá te salvar. No
derradeiro arfar, dirá que você é seu amigo. Talvez o seja. E inexistam laços
de afeto, de amor, de família, de fugacidade e feto.
Se nada tiver a dizer, repita:
“Pau no cu do angu!” Não tem lógica, mas deixe que o ilógico seja maior que o
trágico. Logo mais ninguém te ouvirá para sempre e seja aquilo que puder ser agora, em
semente. Leniente, vire ágora e inconsciente.
Por isso, livre-se do
metal na boca, da lucidez à bancarrota, da incerteza que só a presteza dos anos
te dá. Viva ainda muito, mas não deixe morrer o tesão. Sem ele, já dizia o
poeta, não há solução. Faça-se, pois, a ação e reação.
Assim, ao som da harmônica,
sintética e afônica, deixe o passado te consumir e sumir. Que te cubra de
prazeres que cheiram a creolina, barulhos de enceradeira, momentos sem eira e
nem beira. Todos serão meros e incrédulos portais.
Queime ao sol que bate no sofá
de plástico nas tardes de uma Sepetiba que nem o dicionário do escrever quer
ver. Vá e volte em lotações quentes, carros de rabo de peixe ou de boi.
Deixe-se aboiar em saudades e veleidades milhares e mil.
Viaje em trens inexistentes. Como voyeur, sente na janela. Não feche os olhos porque muitas coisas passarão
tão rápido que você nem vai ver. Contudo, nesse mundo redondo e rotundo, um dia
elas irão voltar. Dê o sinal e pare na gare.
Se engalfinhe consigo mesmo.
Transfigure a foto amiúde. Ache o que tiver de ser. Um copo vazio, saiba, terá
muito ainda o que encher. Na imensidão do nada, o nadar se faz requisito
primeiro e derradeiro para poder se sobreviver.
Saiba que saudades virão.
Somos, em verdade, um poço eterno de saudades. Dos cheiros, dos olhares,
alhures dos toques. Dos sons que vêm aos ouvidos e morrem no coração. Dos
toques, dos suores, do que se foi mas ficará para sempre em fim.
Rememore sempre, mesmo que o
rememorar maior esteja ausente. Só isso te fará gente. Descreia, por fim, de
que o inusitado é um som de Chet Baker, um baque na certeza de que toda a felicidade
tem fim. No vagão da vida, me entrego a ti em mim.