sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
O termo do Arnaldo Antunes
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
Jane Monheit, um show de cantora
Por Edmilson Siqueira
O disco começa com uma voz apresentando a cantora à plateia. Depois da apresentação, palmas e ela começa a cantar, a princípio sem qualquer acompanhamento. A música é um clássico: "Over The Rainbow" E. Y. Hairburg e Harold Arlen). A voz é segura e a interpretação beira à perfeição. Quando o acompanhamento se faz presente, melhora ainda mais. Se você está ouvindo sem saber do que vem a seguir, vai pensar, certamente, que se trata de uma ótima cantora e que o repertório será de músicas lenas, com violinos chorosos e uma performance vocal muito boa, mas parecida com outras cantoras que vivem da gravação de standards da música norte-americana.
Mas, quando começa a segunda música, já dá pra perceber que toda a qualidade da primeira tinha algum significado: a cantora é Jane Monheit e seu repertório é ótimo.
Gravado ao vivo para um DVD, no Rainbow Room, que fica no 65º andar do Rockefeller Center em Nova York, em 2003, de onde foi extraído o CD, já na segunda música, que começa com um contrabaixo suingado, Jane explora as possibilidades jazzísticas de "Just Squeeze Me" (Duke Ellington e L. Gaines), mostrando qualidade de improvisos das grandes cantoras de jazz.
E Jane continua com a nossa música na quarta faixa, onde ela canta a letra de Ray Gilbert para a mús8ca de Jobim e Aloysio de Oliveira, a maravilhosa "Dindi". É outro momento marcante no disco.
A quinta faixa é "More Than You Know" (W. Rose, E. Vincent, E. Eliscu e Youmans) mantém o clima de jazz e também serve para Jane mostrar suas qualidades vocais com alguns scats muito bem colocados.
O disco todo acaba sendo, pra quem não conhece a cantora, uma grande e agradável surpresa. E para os brasileiros, ela volta a encantar na décima faixa. A introdução séria da orquestra, em tons graves, prepara o clima para o hit de Ivans Lins e Vitor Martins, "Começar de Novo". E ela canta em português! Outro show de interpretação que chega a emocionar.
Mas bom mesmo é quando, na décima-quinta faixa ela ataca de "Waters of March" de Jobim. Antes de cantar ela diz algumas palavras elogiosas citando Antonio Carlos Jobim, como uma reverência ao nosso maestro soberano. A interpretação de "Águas de Março" é de uma cantora com total intimidade com o a complicada letra e os mais complicados ainda caminhos da melodia, com suas modulações todas. Não fica a dever nada para as melhores gravações da música, inclusive com um final totalmente inesperado e diferente.
Por fim, "Some Other Time"(Betty Comden, Adolph Green e Leonard Bernstein) fecha um disco sob aplausos demorados da plateia.
Tanto o DVD quanto o CD ainda estão à venda nos bons sites do ramo. E o show pode ser ouvido e assistido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=1N3_s-dyRPs .
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
Jorge Vercillo
Por Ronaldo Faria
Ser o que se é, brincadeira
sabe-se lá do que. Talvez uma bruma perdida num oceano qualquer, um pedaço de
infinito tão finito que brinca de ser real. E nos faz velejar como náufragos perdidos
num mar que inexiste e nós, meros personagens de trama qualquer, nos subjugamos
a remar. Apenas personagens em loucura multidimensional a cumprir um jogo
qualquer, como um joguete que diverte sabe-se lá quem. E quando a pilha acaba? Acaba?
Lógico que sim. Depende apenas do quanto o jogador se cansa de controlar vida
alheia. Sejamos, pois, interessantes à trama. Personagens na passagem deletéria
que tiver que ser.
“Nada mais é o amor do que o encontro das águas.” (Jorge Vercillo)
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Historinha de dois clássicos da MPB
Por Edmilson Siqueira
Carlinhos Lyra era um jovem e exímio violonista, que vivia das aulas que dava às meninas de Copacabana (que dificilmente resistiam aos seus encantos, mas isso é outra história) e que conheceu o já consagrado poeta Vinicius de Moraes. Este, percebendo o talento do jovem, logo foi fazendo letras para suas inspiradas canções.
Vinicius já era parceiro e amigo de Tom Jobim e, numa tarde, no início da década de 1960, depois de terminar uma letra para uma música de Lyra, embrulhou o papel que retirou da máquina de escrever, dobrou em quatro e botou no bolso de fora do paletó. E decidiu entregar também outra letra já pronta, pra Jobim, que botou no outro bolso do paletó.
Seu plano era passar, primeiro, no apartamento de Lyra e, depois no de Jobim. O motivo do itinerário era mais geográfico - Lyra morava mais perto - mas era etílico também. Vinicius era fã de um bom uísque e, no apê de Jobim, o papo inevitavelmente seria mais longo e o estoque que lá havia, garantiria a noite toda, se preciso.
Ao chegar no apartamento de Lyra, Vinicius foi logo tirando a letra do bolso do paletó: "Carlinhos, taí a letrinha pra musiquinha que você fez" (ele tinha a mania de, talvez para demonstrar carinho, falar tudo no diminutivo). "Enquanto você vê se está tudo certinho, vou preparar um uisquinho pra mim. Tem gelo?"
Depois de alguns minutos, quando Vinicius já estava pensando em reabastecer o copo, Carlinhos lhe disse: "Poetinha, eu não tô conseguindo encaixar a letra na melodia. Tá meio estranha a divisão, não tá dando mesmo."
Vinicius estranhou, disse que havia feito tudo dentro dos conformes, e pediu para Carlinhos cantar em voz alta.
Então Carlinhos começou cantar, tentando colocar a letra de Vinicius dentro da melodia. Vinicius levou um susto: "Não, peraí! Essa letra não é para você. É para um sambinha que tô fazendo com o Tonzinho." E tirou, do outro bolso de paletó a letra que havia feito para a melodia de Carlinhos, que chamou de “Minha Namorada”. Aí Carlinhos cantou, a letra toda perfeita, de uma das canções que se tornariam clássicas da bossa nova, que teve dezenas de gravações e até hoje é tocada e gravada por aí.
A outra letra, do outro bolso do paletó, que Vinicius disse ser um "sambinha para o Tonzinho" era simplesmente “Garota de Ipanema”, a música da bossa nova mais tocada e gravada no mundo, rivalizando em vendas e gravações com grandes sucessos da língua inglesa como “Yesterday”, de Paul MacCartney e “Summertime” de George Gershwin.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2023
Tom do Zé para Zé
Por Ronaldo Faria
Como é difícil largar tua mão com os dedos a correrem sem querer se largar. Se deixando e se agarrando, pedindo “não se vá”. “Não me deixe”. “Não me deixe te deixar”. A palma molhada, o coração a palpitar. Paixões passadas, presentes, pedintes, ausentes. À espera de um tempo que virá e verterá uniforme, único, sôfrego, escondido num canto qualquer do coração.
Por isso, lutando para ficar, a pedir tuas carícias, teu toque de dedos pequenos e rituais amenos, me vejo a grudar na tua mão sem querer mais largar. Entre carícias maldadas, olhares roubados, risos guardados, emoções desmedidas. Como poema feito num só fonema. Entre todo o vocabulário, apenas Zé.
sábado, 31 de dezembro de 2022
Feliz 2023...
Por Ronaldo Faria
E lá se vai mais um ano. Lá se vão 365 dias rápidos, lépidos e quiçá, até, faceiros. Tempos de penumbras, trevas, trovas incautas, saudades mil, como beijos que não se fizeram molhados, retardados e retraídos como num cinema. Tudo à espera de algo se sabe lá o quê. E lá se vai mais um ano, desses que se esvaem desde que Nostradamus errou sua profecia. Um dia. Mais um dia. Outro novo dia. Como uma diáspora. Algo perdido entre uma esquina e outra, uma sina ou outra. Outrora seria apenas saudade do que foi e saudações pelo que ainda virá. Mas, o que há ou haverá? Saber-se-á... Talvez um final demente, desses que a vida nos devolve como semente. Senão, uma verdade que mente. Que se desmente a cada segundo que fica sempre para trás. Algo que ao algo apraz. Metástase de um tempo qualquer, para aquilo que vier. Senão, seja o que for e quiser. Num tanto faz ou se fez, faça-se aquiescência e frio, febris tormentos ou tormentas ao vento. Na ponta da navalha, qualquer lado vale estar sobre o fio. Entre esquinas e sinas, sinônimos do aquém, vamos a caminhar num delinear que se desfaz na desfaçatez que cobre rosto e resto para o porém do depois do amor, mínimo, maximizado no descompor de solidões e paixões que cabem num quadrado de uma cama qualquer. Na fé em descalabro o que há entre o inferno e o que de perdido se fez achado. Na ponta do machado, o alvo. E assim continuamos a viver: sínteses de luas que brilham, sóis que aquecem e chuvas que desaguam entre uma nuvem e a próxima canção.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
Histórias de uma música
Por Edmilson Siqueira
Ao invés de comentar um disco, vou contar duas histórias de uma mesma música, que se completam.
Foi num programa chamado Starling Cast no YouTube que eu ouvi a história que se segue, contada por um de seus personagens. Quem contou foi ninguém menos que Roberto Menescal e os outros personagens são "apenas" Elis Regina, Francis Hime e Chico Buarque de Holanda. A música que enreda essas quatro é a fantástica "Atrás da Porta".
Aliás, antes da história do Menesca (apelido mais ou menos universal do grande compositor), há uma outra, sobre a mesma música, contada por Olívia Hime, mulher do autor da música. Diz ela que, depois de um almoço em sua casa, “os homens (Chico e Francis) foram para o piano para Francis mostrar uma melodia que tinha feito. A intenção, claro, era que Chico botasse a letra.”
A segunda parte dessa história é a que foi contada pelo Menesca no Starling Cast. Diz ele: "Depois de um bom papo com Elis Regina, ficou decidido que eu iria produzir o novo disco dela. Músicas? Ela me disse: 'Quero duas do Jobim, duas do Milton, duas do Caetano, duas do Gil e duas do Chico, todas inéditas'. Eu perguntei: 'Você já tem as músicas?'
Ao ouvir um "não" como resposta, Menescal lhe disse que seria muito difícil músicas inéditas desses compositores, pois eles estavam carregados de encomendas. Elis duvidou, tentou, ligou para todos eles e ninguém tinha música nova pra ela. Menescal então disse: "Deixa que eu arranjo". Como produtor da gravadora, ele recebia umas dez fitas cassetes por semana, de novos compositores. Durante um mês ele selecionou o que achou melhor e foi levar pra Elis. Ela gostou de tudo que ouviu, principalmente uma tal de “Bala com Bala” de João Bosco e Aldir Blanc.
A última fita era do Francis e ela não gostou de nenhuma. Só que começaram a conversar e não desligaram o gravador. A fita continuou rodando e, depois de alguns minutos, começaram a ouvir o Francis cantando: "Quando olhaste bem nos olhos meus, e o teu olhar era de adeus..." Os dois ficaram extasiados com a música, cuja segunda parte era só um lálárilálá, sem letra. Menescal ligou pro Francis que disse que a música estava com o Chico há uns dois anos pra ele terminar a letra. Ele foi então atrás do Chico. Chegou lá ligou o gravador com o Francis cantando. Chico reconheceu: "Essa é do Francis e minha".
Ao ouvir Elis cantando, sem a segunda parte, Chico rasgou um embrulho de pão que estava por perto (ambos estavam na cozinha, pois o gravador estava sobre a geladeira, segundo Menescal), e começou a rabiscar ali mesmo o resto da letra ('Dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar teu nome, te humilhar...") que ficou pronta em menos de um minuto.
No dia seguinte, Elis completou a gravação, que foi muito difícil, segundo Menescal, porque Elis, toda vez que ia cantar, começava a chorar, emocionada. Mas conseguiram. E o Brasil ganhou uma música sensacional e uma das melhores interpretações da melhor cantora que já apareceu nesse país.
A entrevista com Roberto Menescal (com mais detalhes) no Starling Cast está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=YPTHoKxT7DM&t=318s
Já a magistral interpretação de Elis para a música de Francis e Chico, está aqui, no programa Ensaio da TV Cultura: https://www.youtube.com/watch?v=02VJ-Y1IXzI
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