Por Edmilson Siqueira
Carlinhos Lyra era um jovem e exímio violonista, que vivia das aulas que dava às meninas de Copacabana (que dificilmente resistiam aos seus encantos, mas isso é outra história) e que conheceu o já consagrado poeta Vinicius de Moraes. Este, percebendo o talento do jovem, logo foi fazendo letras para suas inspiradas canções.
Vinicius já era parceiro e amigo de Tom Jobim e, numa tarde, no início da década de 1960, depois de terminar uma letra para uma música de Lyra, embrulhou o papel que retirou da máquina de escrever, dobrou em quatro e botou no bolso de fora do paletó. E decidiu entregar também outra letra já pronta, pra Jobim, que botou no outro bolso do paletó.
Seu plano era passar, primeiro, no apartamento de Lyra e, depois no de Jobim. O motivo do itinerário era mais geográfico - Lyra morava mais perto - mas era etílico também. Vinicius era fã de um bom uísque e, no apê de Jobim, o papo inevitavelmente seria mais longo e o estoque que lá havia, garantiria a noite toda, se preciso.
Ao chegar no apartamento de Lyra, Vinicius foi logo tirando a letra do bolso do paletó: "Carlinhos, taí a letrinha pra musiquinha que você fez" (ele tinha a mania de, talvez para demonstrar carinho, falar tudo no diminutivo). "Enquanto você vê se está tudo certinho, vou preparar um uisquinho pra mim. Tem gelo?"
Depois de alguns minutos, quando Vinicius já estava pensando em reabastecer o copo, Carlinhos lhe disse: "Poetinha, eu não tô conseguindo encaixar a letra na melodia. Tá meio estranha a divisão, não tá dando mesmo."
Vinicius estranhou, disse que havia feito tudo dentro dos conformes, e pediu para Carlinhos cantar em voz alta.
Então Carlinhos começou cantar, tentando colocar a letra de Vinicius dentro da melodia. Vinicius levou um susto: "Não, peraí! Essa letra não é para você. É para um sambinha que tô fazendo com o Tonzinho." E tirou, do outro bolso de paletó a letra que havia feito para a melodia de Carlinhos, que chamou de “Minha Namorada”. Aí Carlinhos cantou, a letra toda perfeita, de uma das canções que se tornariam clássicas da bossa nova, que teve dezenas de gravações e até hoje é tocada e gravada por aí.
A outra letra, do outro bolso do paletó, que Vinicius disse ser um "sambinha para o Tonzinho" era simplesmente “Garota de Ipanema”, a música da bossa nova mais tocada e gravada no mundo, rivalizando em vendas e gravações com grandes sucessos da língua inglesa como “Yesterday”, de Paul MacCartney e “Summertime” de George Gershwin.
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