Por Edmilson Siqueira
"Djavan escreveu 'Flor de Liz' porque sua filha
morreu". Essa era, em suma, a mensagem que um e-mail (as redes sociais
ainda nem haviam proliferado como hoje) propagava. E dava detalhes,
justificados com trechos da letra de que a inspiração viera de um acontecimento
trágico.
Tudo mentira. Ou fake news, como se passou a dizer. E eu
ouvi essa história de outras pessoas também, que acreditaram piamente nela. Eu
duvidava porque, como jornalista, tenho o hábito de ler muita coisa que sai na
imprensa e um fato como esse, a perda da filha de um artista que viria a ser
famoso, é fato que viraria notícia. Como nunca tinha lido na imprensa séria,
duvidei sempre. Aliás, esse é um comportamento que mantenho até hoje, quando o
império das fake news domina as redes sociais, mantido por falsificadores de
fatos com interesses escusos. Se não saiu na imprensa séria, duvide.
Até que um dia, visitando a página do artista, estava lá
um desmentido completo, assinado pelo próprio Djavan. A música Flor de Liz era
inspiração pura, própria de um artista talentoso, como muitas outras que
fizeram tanto sucesso na voz do cantor.
Muito antes até da existência do computador, mentiras
desse tipo, já corriam o cenário musical brasileiro. E havia artistas que,
malandramente, se aproveitavam delas. Carlos Imperial, uma mistura de
empresário artístico e malandro, que jamais foi compositor, tem seu nome em
alguns sucessos da MPB, como "A Praça" e até um samba com Ataulfo
Alves - "Você Passa e Eu Acho Graça". Claro que ele não compôs nenhum
dos dois. No caso de "A Praça", grande sucesso na voz de Ronnie Von,
ele deve ter comprado de alguém, mas, como conhecia os expedientes para fazer
mais sucesso, ele mesmo disse que contratou dois rapazes para sair por aí
dizendo que a música era deles. Só que, além dos dois, apareceram outros
também, talvez os verdadeiros autores entre eles... Enfim, Imperial era
sinônimo de trambicagem, ou de pilantragem, palavra da moda nos anos 70 do
século passado, consagrada pelo grande Wilson Simonal em suas músicas.
Já o samba com Ataulfo era um notório caso de compra de
parceria para abrir caminho no mundo fonográfico e radiofônico da época. Era,
não sei se ainda é, um fato corriqueiro. O próprio Ataulfo admitiu que fez o
samba sozinho e colocou Imperial como parceiro.
Outra fake news que a direita raivosa (existe a esquerda
raivosa também e ambas são desonestas iguais) andou espalhando por aí, foi
sobre Chico Buarque. Claro que o ódio da direita contra Chico é motivado pelas
posições políticas do moço. Eu, que não concordo com elas e jamais odiaria o
Chico por isso, separei o joio do trigo: desde que Chico subiu no palanque para
apoiar Orestes Quércia para governador de São Paulo, não quis mais saber de
suas opiniões políticas. Mas, claro, sua fantástica obra musical não pode ser
misturada com seus esquerdismo. Continuei fã do artista e sempre
considerá-lo-ei um dos grandes da MPB, ao lado de Jobim, Pixinguinha, Noel, Ari
e outros.
Só que Chico, num trabalho para a televisão sobre sua
vida - que virou uma coletânea de 12 DVDs - fez uma brincadeira no estúdio
durante uma gravação e ela foi inserida em um dos DVDs. Nela, Chico brinca com
os músicos que estavam com ele no estúdio, dizendo que tinha poucas músicas no
momento porque seu fornecedor estava cobrando muito caro e ele estava sem
dinheiro. E até deu um nome árabe para o "compositor" de quem ele
comprava as músicas.
O trecho foi destacado do vídeo e começou a percorrer as
redes sociais como se verdade fosse, com um título do tipo "Chico é
desmascarado...". E, pior, teve gente que acreditou que um árabe era o
autor de todas as músicas do Chico. O vídeo deve estar por aí ainda, usando o
que é uma brincadeira para propagá-la, desonestamente, como verdade.