Por Ronaldo Faria
A noite se espreita lá fora à
espera da madrugada que se desenrola entre canções e abóboras. A cidade ressona
quieta entre um ou outro gemido, carros passando ligeiros, luzes que piscam
solitárias num ou noutro lugar. No bar da esquina, os olhares e a sina. A
assimétrica vertigem perdida entre o sorriso e os olhares que viajam por copos
e goles. À frente do poeta, a mulher de voz e saudades perdidas. No arredor, o
som do silêncio se faz apenas um pormenor. O mundo brinca de girar e se largar
inerte e derradeiro.
A noite se entrega dissonante
e arfante aos dois corpos. A pele, o cheiro, o gosto, os lábios unidos e
vadios, a incerteza sempre certa do depois. O poeta, esteta de si mesmo, sabe
que nem tudo haverá de sê-lo. Embriagado, partido em cansaços e emoções tão
sonhadas e agora entregues, ele redescobre que a vida, ávida de si mesma, brinca
de quadrantes que nem sempre são o que se quer. Mas, no fim de dia, diante dele,
lá está ela: bem mais do que apenas uma mulher. A quem poemas não podem
quantificar.
A madrugada, a brincar de
querer esperar o sol voltar de uma bebedeira qualquer, traz um vento frio e
esquecido entre as esquinas que descansam ao luar. Solitário, num solilóquio
entre o quarto vazio e um armário, o poeta cheira seu próprio corpo para
reviver o mundo dela. Se promete, criança que é, que nunca mais se lavará. Que
a resguardará em cada poro e porto da paixão. No dia seguinte, que chega quente
e ardente sem requinte, acaba por descumprir sua trama. Entre e a realidade e o
desejo, urge o drama.
Na madrugada, porém, ficam a
saudade e a realidade. Um ou outro ébrio ainda caminha em linhas tortuosas
pelas esquinas que se repetem quadrantes e sinas, um casal enfim consegue se
aninhar em trejeitos e esmeros, o mundo corre redondo e célere na busca de um
sonho. Insone, o poeta fecha os olhos e revê o corpo nu e irreal. Afinal, pôde
algum ser criar tal universo expresso em tanta beleza quase sobrenatural? Mais
cansado do que o cansaço que o deixou não ser ele adormece para no dia seguinte
tentar reviver...