Por Miguel Vicente
sexta-feira, 7 de abril de 2023
quarta-feira, 5 de abril de 2023
Poder
Por Ronaldo Faria
Poder escrever, se reescrever, descrever nova esperança, crível anca, soluções e ilusões em camadas de porções e dialética. Mais dias a ultimar um interregno de mar, um discreto e incerto incesto, um indigesto sabor de fica pra depois, num após que o apocalipse já pressupôs cálido e calado. Contudo, rever o oculto é poder sintetizar pecados e afagos, pródigos olhares, alhures solitários. Coisa de fastio e fábulas, verborragia e azia, anchos tormentos entremeados em pensamentos e prazeres. Tudo como a carcomida emoção que voa da canção para soar em sentimento... No coração o lamento se contorciona para não morrer.
Em homenagem ao disco “Se é Pecado Sambar”, de Mariana de Moraes, que agora em abril completa 23 anos de gravado.
segunda-feira, 3 de abril de 2023
Ao poeta do amor
Por Ronaldo Faria
Vinicius de Moraes, onde moras hoje? No São João Batista? Na batuta daquele que frequenta a antiga Montenegro, que virou teu nome? Será que esse povo sabe o que era o Veloso? Será que o Rio de Janeiro ainda sabe o que foi, é ou será? Sabe-se lá... Saber-se-á. Na verdade de mentira o tempo e os tempos cobrem de exéquias e qualquer coisa aquilo que foi. O que foi, sabe-se lá será. Certamente não. A instantaneidade não permite lembrar, reviver, amar, chorar, sofrer... O tempo hoje pede uma velocidade que as teclas de uma máquina de escrever não permitem mais. Rascunhos, branquinhos, rasgar laudas e ideias não cabem mais. O lixo hoje é virtual, a lixeira se descarta num teclar. Bons tempos de um espaço de metal cheio de papel a esperar voltar a ser o que se desfaz...
sábado, 1 de abril de 2023
A Tropicália safada
Por Ronaldo Faria
Na Tropicália o menino ouvia antes e cantava depois músicas para agregados de uma fazenda perdida no Nordeste aonde apenas Luiz Gonzaga (o grande e eterno Lua) chegava devagar. Sem luz, sem energia, ao cheiro de querosene, sem sinergia com o mundo além da vida de gado aboiado, queimadas de pasto, cruzes nas estradas de terra para os anjos, casas de farinha, rinhas de galos livres, carneiros retalhados vivos em gamelas, abelhas africanas a voar, um luar e cheiro de bosta que inebria o lugar. Milho debulhado na mão, carro de boi a seguir para a feira mais próxima, rios cheios e vazios, jegues que transportam vida e morte. Saudades de madrinhas e padrinhos, capucos e sabugos de milho a ganhar nomes, amaldiçoados raios e trovões a cobrirem espelhos e talheres de prata, cavalgadas e quedas que perfazem o que hoje há.
Na Tropicália, o começo da paixão pela música. O acústico ouvir do novo num tempo obscuro e trágico de baionetas e sonetos proibidos e jogados à vida em porões e prisões. A certeza de que a vida se transmuta em orações descabidas, madrugadas tragadas em teclas de uma máquina de escrever, bares na zona sul e subúrbio, medos e métricas que farão o novo homem, o vernáculo de escrever sem quase nada ler, os santos e orixás que surgem e dormem à espera de outra esfera. Místico sei lá do quê que seguirá por décadas na busca, como diz a música, do mistério do planeta. Proxeneta da própria existência ou o apocalipse do pouco tempo na Terra? Plantio plenipotenciário de algo ou algoz de um nada que nada no oceano seco que transborda num copo a mais que verte de tempos em tempos para provar que tempo não há?
Possamos, pois, nos tropicalizar para sobrevivermos às janelas do alto e o sangue sobre o chão...
quinta-feira, 30 de março de 2023
Vinicius Cantuária e Zeca Baleiro
Por Ronaldo Faria
A última dança é um ultimato ao mato que o jardim se fará. Traz consigo um consignado entre a dor e o amor. Dissabor, quiçá. Como um embuste que o sentimento apraz, aprisiona alma, desejo e tanto mais. Transmuta imaginários cantares, se encanta de saudades, foge da realidade que não há. Afinal, somos apenas pretéritos mais do que imperfeitos de um futuro que já passou. Logo, nos deem penas para um voo imaginário. Ícaro haverá de nos trazer aos píncaros que destruirão asas, mas nos farão voar mesmo sob chuvas mil.
A última dança é aquela que
entorpece, transcende, cria milhares de vozes, versos, versículos, homúnculos, poemas
que vêm de um além que se saberá sequer. Brinquemos, pois, de videntes, mesmo
sem dentes. Que os deméritos sejam alcoólicos, reminiscências de Bossa Nova,
sinapses que ainda se ligam, ligações em diásporas e prosas. Assim, num crepúsculo
malfadado, possamos postar prenúncios daquilo que não se basta, presunções de
passos mal dados e maledicências que não surpreende quem sabe sequer pensar.
terça-feira, 28 de março de 2023
Equanimidade nos sons de fevereiro
Por Ronaldo Faria
Equânime sentimento que lateja e pulsa, transpassa e repassa momentos e
vidas. Que nos chama de volta como chama que nunca se acabou. Que fazer?
Incrédulo, o homem vaticina a
sina a vir. Far-se-á ou não antônimo e pronome de si mesmo? Buscará outra vez o
limite entre o reflexo e o plexo que morrem a cada ensejo ou sorverá cada gota
de quase nada que cai feito solidão e sensação fugaz? No lado de fora, onde os
olhos mal conseguem ver, o mundo se faz e refaz, vaticina futuros e passados,
longe do presente que não pressente o trópico perdido há décadas decaídas em
desfaçatez. Amanhã, bem provável e talvez, haverá um hiato entre a lucidez e o
novo dia. Diásporas chegarão. Um chão entreaberto se abrirá a cada passo.
Voltar a pouca lucidez e irá demorar, desmoronar horas, principiar e findar
tormentas mil nos navios que eu sei nunca aportarão. As portas, decerto,
estarão entreabertas, entrepostas como celeumas que vivem no nosso porão. Serão,
logo, um entrave e o reminiscente morrer de quem ainda aprende a viver.
sexta-feira, 24 de março de 2023
E vão-se as certezas
Por Ronaldo Faria
Lembranças talvez de ancas, anchos seres com quem cruzamos, vestimentas de passado, utopias que resvalam em diáfanas realidades de um segundo qualquer. Talvez a mulher ao volante, infante na nova vida que espera e esmera, quem sabe um descalabro que vem e volta, mostra que um segundo vale a vida, desmedida vida... Desmentida vida.
Lembranças que logo serão
cinzas, solidão infinda e eterna, mas ungidas de duas queimas ao fogo mais
imenso, abrandado pelo avarandado que deve existir entre o início e o nada.
Quem sabe nessa hora a saudade não bata quieta e vegete feito nesga de sol na
noite fugidia. O dia nenhum do depois agradecerá tudo poder na finitude que se
antevê letal.
Lembranças de sabe-se lá o
quê. Talvez um jeito errado de escrever tantos quês, um espaço próprio na
semiótica que nem a ótica mais nítida consiga ver. Uma idiossincrasia qualquer,
das partes que se unem e se delimitam nos limítrofes restos de querer ser. Talvez
um carro de boi do passado em que não se sabia sequer se haveria presente ou
futuro.
Lembranças que destoam daquilo
que se queria ser, se é que algo se quis. Que brincam de preto e branco em
fotos que fazem aniversário tardio, remontam cenas, montam prosápias e acham
que serão para o sempre. Não serão. Nada será. Apesar do novo amanhecer a cada
sol que se deixa dormir e acordar, viajar entre luzes e algozes do renascer.
Lembranças de lágrimas. Mas
haverá outras? A tal de saudade que nos invade a cada dia não é somente um mar
de reminiscências e voltas cheias de desejos e ensejos, coisas desaparecidas e
descabidas, como ver a cana virar mel. Senão, ouvir milhares de centenas de
abelhas a voar e cobrirem de negror do Nordeste a zoarem no silêncio da tarde
quente.
Lembranças de mulheres
uivantes ou arfantes, que vêm e voltam nas tardes tardias de um passado que
poderia ter sido e não o foi. De noites solitárias, de açoites perdidos, desses
que ninguém quer mas vêm quietos,
prestos, passionais, coisa que aflora no repente de uma nota musical, de amor
venal, de algo que mistura desejo e sabe-se lá o quê.
Lembranças de compor a sua história e trajetória, seja ela para aonde for, dos espinhos à flor de lis. Quem sabe o desejo guardado e resguardado, antecipado e ceifado, procrastinado por não ter certeza de que esse é o verso final. Assim, como alguém que canta e descobre no atropelo da vida que o universo é um verso transverso que carece de ser.
(Ao Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho)
quarta-feira, 22 de março de 2023
Anos 70, de Caetano
Por Ronaldo Faria
Anos 70, de profícuas ideias e
aneurismas iniciais, saber-se-ão fatais e letais na trajetória de cada um. Até
que o embrião saia da vagina materna e se resguarde na angina que espera logo
ali em frente, defronte do coração. Na ação o menino que canta Caetano para
baianos que vivem entre lampiões e a seca do Nordeste que habita entre o oeste
e o norte, à beira da morte, deflorado e lembrado no seu sincero amor. Se
tiverem sorte terão sobrevivido ao azul de um mar nunca visto, antevisto no
marrom das queimadas e da estiagem que leva a lugar nenhum. Quem sabe um telefone
que se roda com os dedos à espera de um sinal – 2398515. Talvez a incerteza da
Guanabara que inexiste há décadas, jogada ao léu entre a montanha e o céu, o
mar e o véu da viúva que descansa nos arcos da Lapa sob a lupa que a lampreia
vê no mar. Senão, o anão que percorre o corre que o morro dá para o asfalto
seguir. No ensejo do poema, o fonema certo, o membro ereto, o desconcerto do deletério.
Logo mais, no atroz desconcentrado e atávico desconectado da vida, o ávido
desejo de querer ver o que a frente, fugidia da vida, ainda pode, como
leviandade, dar
segunda-feira, 20 de março de 2023
Ao Ordinarius - https://www.facebook.com/ordinariusvocal
Por Ronaldo Faria
Passadio frágil que percorre o passado feito coisa que pode voltar de onde se sabe lá meu Deus. Talvez numa cantiga antiga, num frouxo acorde que acorda memórias que mitigam por parecerem reais, mesmo esquecidas num canto qualquer que ninguém sabe onde está ou de onde vem. Um samba, um Verão que se faz chuva entre nuvens e águas que desaguam meninas e infindas, a refrescarem o mato que cresce e desvanece feito coisa qualquer, como fosse a vida apenas calor, torpor e algo sem fim.
Manhã passageira e fagueira,
frágil e fátua, feito amor que se desmancha em beijos perdidos na mata que desabrocha
línguas e lânguidas saudades frouxas e enfastiadas de ser. Talvez, num talvez
sem vez, a volta de passos corridos num subúrbio distante, equidistante entre a
realidade e o além. E lá se vão dias que nunca voltarão, sensações que se
perderam em senão, sombrias orgias em estradas que se enredam de ilusões e
tesões espremidos ente mantas e mantos nas mãos da amada que acariciam em vão.
Corridas da rua até a linha de
trem, do trem para a avenida, da avenida para a vida entorpecida de medos e
magias e tragédias mil, feito céu que se desbota ente o cinza e o anil. Igual
imaginação que se perde entre os seios e o quadril, numa velocidade que em
segundos vai de zero a mil. Coisa que brota às madrugadas e se desfaz num
assento sem acento como se o vocabulário fosse banal. Como palavras enviesadas
e fadadas ao fado que se arrasta numa rua de paralelepípedos e epítetos soltos
ao tempo.
Mares e marés feito barco
perdido nas torrentes e correntezas que jogam ondas e rios com trejeitos de
cores e odores, adoradores de vestes jogadas ao chão nas peles desnudas e
surdas para tudo que foi largado do lado de fora, afora e em aforismos. Quem
sabe lá um pernoite entre os afagos e os afogados de saliva e línguas, aqueles
que se misturam entre anzóis de braços jogados nos lençóis e abraços perdidos
na partida que delimita o que há além do cais que a tantos assusta e a outros
tantos apraz.
Num salão de baile, a rodar e bailar, o casal se esquece das luzes que brilham lá fora entre faróis e alforrias, sombras esguias de um sol que teima em se esgueirar nos quartos que escondem a condessa e o conde, condecorados pelo imperador que antevê a dor. Mas quem saberá o momento certo de antever aquilo que nem a vertente do vento denota às vórtices da voz que mente e desmente aquilo que vem à mente em letras e frases, prosopopeias e epopeias, finitas e derradeiras, à beira do caos.
sábado, 18 de março de 2023
Violões
Por Ronaldo Faria
Um violão dedilha aos dedos do seu dono o dom de iluminar o silêncio com notas e acordes, a acordar quem denota existir a frágil incerteza de frigir ovos e forjar inebriantes casais a um beijo derradeiro, herdeiro do sentimento que precede o tormento. Feito cordas presas a um traste, vê-se o traste que cambaleia na rua deletéria e sombria iluminada por postes apagados em simetria. Não há luz, não há sequer uma cruz, não há a velha a vender seu cuscuz. Existe apenas a sombria pena que pranteia de lágrimas a infausta certeza que se esgueira na sombra do copo que descansa sobre a mesa. Talvez um sibilo de dó, de ré, de fá, sol, lá, em si. Quem sabe o limite limítrofe entre a saudade e o dizer não para reverberar o sim. Pouco importa. A porta entreaberta e incerta fecha a rua que invade a hora certa. Já não há ódio, poesia ou prosopopeia. Somente um querer ausente, uma plácida saudade carente, um insondável ouvir premente. Algo que se faz e desfaz feito o último segundo fecundo e primaz. A todos nós, que atamos e desatamos nossos próprios nós, a incerta certeza de que a vida não se põe à mesa.
quinta-feira, 16 de março de 2023
Gilberteando
Por Ronaldo Faria
Imaginação em ação. De onde
virão essas sílabas, essas palavras, essas frases parafraseadas num corpo que
sabe sequer o que é? Entre perguntas e prenúncios ciosos de ter respostas
óbvias, ficam a dúvida, a dívida com a eternidade, a eterna saudade de um
voltar sem rever. Talvez uma vadia e tardia elegia dos cheiros de um mar ao
sul, banal e fatal, quase fetal, a virar segundos infinitos e mortais, tais e
quais.
Na celeuma que há entre o falso cadafalso e o falsete do cantor, o ator que há em si pede para a cortina nunca descortinar o que não se fará. Não esqueça também que uma lata treme de frio à espera de um corpo, internamente, para se fazer esquentar. Um dia isso não mais acontecerá. Se oriente, rapaz... a tal de paz pranteia mil desejos e ensejos, mas, creia, ela não sabe sequer em que porto poderá se aportar.
terça-feira, 14 de março de 2023
Senise toca Gil
Por Ronaldo Faria
Permeia entre a vontade e o
desejo um mistério de valer-se solitário, etário, segregado de si mesmo, a
esmo. Como nada fosse, fossilizado entre a realidade e o amargo, na forma de um
caule que encapsulou para nunca ser.
Semeia no fundo de um canto
escondido, entre o peito e o coração, numa oração inconstante e vadia, a
semente de um amor nunca acabado, encostado e tardio a esperar, quem sabe, a
ilusória razão de crer-se num fátuo crer.
Vagueia soturno e solitário um
errante senhor que perdeu o rumo e o sumo, que brota num chão seco. Que rega de
versos e prosas as rosas que teimam em solapar de cores e odores o amanhecer
cheio de ínfimas nuvens segregadas.
Anseia uma incrédula vaidade
que sobrevive só por maldade de saber-se. Que é profícua e fica única e volátil
a vadiar entre canções e unções. Quem sabe um amor maior, desse que pensa ser
único e fugaz, uma linha tênue e tenaz.
Tudo a permear, semear, vagar,
ansiar e crer no solstício que nunca se fará. Como brinquedo sem enredo,
solidão sem medo, frevo somado de liberdade e degredo. No imbróglio de ser, o
poeta descobre-se emir da solidão em si.
sexta-feira, 10 de março de 2023
Na noite com Silvério Pontes
Por Ronaldo Faria
Coisa de antigamente, quase
demente, como o bêbado que mente à vida e desmente seu próprio viver. Uma
retreta no coreto, uma treta a travestir de cores e odores as dores dormentes
que pedem apenas para dormir. Feito amores ausentes de dois que plantam a
semente de amar. Defronte, um mar que margeia o que pode ficar ou estar apenas
para se fazer passar. Enfim, o fio cortado e jogado à tesoura voadora que se
mexe à frente do espelho. Antes dele, alguns vários no desvario de brilhar sob
os óculos maltratados pelos olhos cansados de enxergar.
Entre tantos metais num
assoprar, respirar, soltar e prender o ar, dedos a correr o frio instrumento de
intento, vem o cheiro do vento que rompe e irrompe à noite numa magia de
lembranças e devassidão. Talvez umas pernas se abram logo ali neste instante,
quem sabe uma língua se fartará de prazer a fazer em si mesma num desaguar de
saudades e madrugadas nunca vividas ou chegadas. Um recital de prazeres e
vendetas a vender ilusões e paixões, sermões e senões. Cantilenas para falenas
que esvoaçam entre flores nunca vivas e vozes em desditas finitas, mil.
Assim, ao som do instrumento vil, feito comensal que se farta de temperos mil e sais, o silêncio se faz. Na suntuosa orgia que vagueia entre dias passados, passeios de degredados, demências de rastros perdidos, vai-se o que resta, presto, daquilo que se presta, em festa, à escuridão que é servidão do desejo de se desejar. Por fim, no reencontro do chorinho que une paisagens passageiras, como meeiras de um louco a vagar nas vagas que o oceano dá, espera-se a vida, que não tardará. Do lado de fora, a escuridão borbulha de faróis que correm na esperança de um dia poder chegar.
quarta-feira, 8 de março de 2023
Ao Rolando Boldrin
Por Ronaldo Faria
Madrugada enluarada e ponteada de raios de luz que descem do céu entre o mato seco e largado e a saia da morena que brinca de amor na pele suada. Coisa de correr pelo sertão em cavalo barbo, desses que derruba peão e relincha e pula feito demônio a vencer o dragão que se esconde em cada saudade desvairada e desvirada ao avesso do verso.
Madrugada enviesada de saudade
de raios de luz e lembranças das ancas que se desnudam no rio que verte ao mar feito
ilusão – visão prateada e pranteada de um sol que dorme de roncar em algum
lugar. Talvez do lado debaixo da Terra, onde nada apruma para o prumo da vida, quem
sabe do alto de uma serra que vê de cima tudo que se perde do chão.
Madrugada ensimesmada e calada
entre goles de birita pouca e barata, ou talvez a barata que corre de esgoto em
esgoto à busca de comida. Afinal, neste final de alfinetes e falsetes, tanto
faz como fez ou fará o canto de uma coruja ou de um sabiá. Na esquina que
desatina a dar caminhos mil ao ébrio, a história vira só memória da dor que vem
de antemão.
Madrugada versejada e reticente, dessas que se envolve de verve e canção, segue teu limiar do alvorecer, deita na rede que balança entre árvores e vultos e se faça vórtice de qualquer lugar. Para o cantador pouco importa se o coração tem porta de entrada ou de saída. Basta um cantinho onde a morte se mostre poesia derradeira de uma dor que dorme doída.
Um dia falaram para a criança que dormia que o sonho existe para se acordar e o pesadelo serve para as manhãs de sol anuviar. Daí os dias começavam e derreavam entre tropeços e atropelos, feito tropéis de cavalos enlouquecidos nas rédeas que viajam de terra em terra consumida e carcomida. De comida, um poema aqui, uma trova ali, uma troça acolá. Na sacola ou no embornal carregado nas costas queimadas pelo sol, desejos de ter um lugar para parar. Um colo para guardar seu amor, um varal para quarar sua dor, uma boca para matar a sede de ser. Assim, como louco, desses que corre de cidade em cidade a crer que é possível vencer a maldade, o menino foi pelos anos de vida afora a caçar uma moda de viola para fazer seus dias clarear. Hoje, velho alquebrado, sem cabeçalho ou ponto final, vive de bar em bar, a desatinar. Fala com um, grita para si mesmo e vê-se, em enlevo, nos últimos dias brotar feito espinho que fere o dedo da amada com a rosa despetalada sem saber porquê...
segunda-feira, 6 de março de 2023
Com Beto Guedes
Por Ronaldo Faria
Madruguemos, pois, mesmo que a noite ainda esteja nos seus estertores. Saibamos dirimir nosso certo e errado. Possamos errar e arrematar conchas e grãos de areia que se diluem nos dedos e desejos. Saibamos que a vida é um curto caminho que se esvai como falácias ao vento que vemos viajar a cada segundo. Sejamos um surdo a ouvir em surdina a poesia que desatina a caminhar nas teclas quietas e prontas para explodir em seu mesmo lugar. Logo, possamos divagar feito cheiros no ar, livres, leves e soltos... Creio, isso nos bastará...
O ótimo Quarteto Wynton Marsalis
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