sábado, 18 de março de 2023

Violões

 Por Ronaldo Faria


Um violão dedilha aos dedos do seu dono o dom de iluminar o silêncio com notas e acordes, a acordar quem denota existir a frágil incerteza de frigir ovos e forjar inebriantes casais a um beijo derradeiro, herdeiro do sentimento que precede o tormento. Feito cordas presas a um traste, vê-se o traste que cambaleia na rua deletéria e sombria iluminada por postes apagados em simetria. Não há luz, não há sequer uma cruz, não há a velha a vender seu cuscuz. Existe apenas a sombria pena que pranteia de lágrimas a infausta certeza que se esgueira na sombra do copo que descansa sobre a mesa. Talvez um sibilo de dó, de ré, de fá, sol, lá, em si. Quem sabe o limite limítrofe entre a saudade e o dizer não para reverberar o sim. Pouco importa. A porta entreaberta e incerta fecha a rua que invade a hora certa. Já não há ódio, poesia ou prosopopeia. Somente um querer ausente, uma plácida saudade carente, um insondável ouvir premente. Algo que se faz e desfaz feito o último segundo fecundo e primaz. A todos nós, que atamos e desatamos nossos próprios nós, a incerta certeza de que a vida não se põe à mesa.

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