Por Ronaldo Faria
Corre rio para o mar, faça-se
desaguar feito gota de chuva a desabrochar de pétalas transversas e vorazes a
tomar de chofre aquilo que chafurda para não ser lama e virar vida. Aqui e
acolá um fruto cai para dar de comer às formigas que correm num desolador saber
que a morte está logo ali.
Corre o tempo para o fim,
famigerado chegar que não leva a nenhum lugar. Talvez um sonho famélico por fazer
de si mesmo o esmo de um mundo ensimesmado de jogar às horas e minutos os
diminutos e frágeis chegares. Na brincadeira de ser sem eira e nem beira, um
umbral volatiliza mortal.
Corre a boca entre as pernas entreabertas
da amada, desarmada de sofreguidão e paixão. E silencia a si mesma em lânguidas
lambidas pueris e febris. No compasso do passo a passo que percorre madrugadas
repletas de fadas e fingimentos, tormentos e tortuosas curvas de um corpo que
sua ao som.
Corre o acorde que acorda a
verve do poeta de mentira que sentencia a embriaguez perene de saber-se um ser
pungente diante do fim. E vaticina a vadia orgia de letras, notas, sons e cismas.
Algo que talvez valha no outro lado de qualquer rio, entre risos e desafio. No
fio da navalha, derradeiro frio.
Corramos, pois, sem saber a
estrada, a luz, o caminho, o destino ao desatino. Sejamos algo como a atravessar
um arame de farpas e aço. Num equilíbrio bêbado entre um lado e outro. E assim
seguiremos, palhaços e mortais, dramaturgos e artistas num teatro vazio a pedir
bis na solidão inoportuna da vida.
(Ao Boca Livre)