Visionário e atávico, homicida
de si mesmo e crente de uma religião que não há, Juarez segue entre a avidez e
a tez da amada, aquela procrastinada em não ser. Cavaleiro solitário, à espera
do erário inexistente, desses que o avarento arranca junto com o dedo do lazarento,
segue a perder a visão, o chão, o futuro, de antemão. No saber destemperado e desagregado
que dá a candura, submerge em si e emerge em cada letra, sílaba e frase
desconexa que se ligam entre brancos de papel ou tela atrelados em alguma
sinergia que não há. Nas ruas, milhares de seres que se dizem nação gritam num
berro que ninguém ouve. Talvez um bêbado enlouquecido de sua sórdida melancolia
aflita e fugidia, um saudoso pai a beijar sua filha morta em cinzas, um poeta
que profetiza a imaginária realidade que não há nessa vida. Entre recônditos de
cada um de nós, entre nós que ninguém desata, no emaranhado de liberdades que
estão presas em caminhadas sem pressa, o cidadão segue nas ruas e esquinas,
reentrâncias do senão.
Penitente e ausente de si
mesmo, num frágil invólucro que cobre a cada um de nós, louco desde nascença, exacerbado
e cabisbaixo, no esmeril da sobrevivência diária, Juarez, sem julgar nem a si, segue
passo a passo os dias que faltam. No asco da dívida que a dúvida traz, permeia a
lucidez de um profeta e a ignorância de um asceta. Pernicioso e cioso da
saudade de um dia ter sido feliz, sabe que agora não vale nem o quilo pesado de
uma perdiz. Mas vai. Vai entre goles e golfadas, malversas colheitas do nada, perfídias
de um coração que tão maltratado não sabe diferenciar axé de fado. No sonho
bisonho interrompido na madrugada, essa coisa tragada da vida, a certeza de que
o amanhã será de ignóbil perfídia. No poste, um cachorro urina feliz com a pata
levantada. A olhar sem enxergar direito, com uma catarata que consome seu olhar,
Juarez apenas diz: “Feliz do cão que cumpre seu ritual sem se preocupar com
aquilo que a Dona Joana amanhã irá dizer da poça que defronte da sua porta se
fez”.