Por Ronaldo Faria
Lembranças talvez de ancas,
anchos seres com quem cruzamos, vestimentas de passado, utopias que resvalam em
diáfanas realidades de um segundo qualquer. Talvez a mulher ao volante, infante
na nova vida que espera e esmera, quem sabe um descalabro que vem e volta,
mostra que um segundo vale a vida, desmedida vida... Desmentida vida.
Lembranças que logo serão
cinzas, solidão infinda e eterna, mas ungidas de duas queimas ao fogo mais
imenso, abrandado pelo avarandado que deve existir entre o início e o nada.
Quem sabe nessa hora a saudade não bata quieta e vegete feito nesga de sol na
noite fugidia. O dia nenhum do depois agradecerá tudo poder na finitude que se
antevê letal.
Lembranças de sabe-se lá o
quê. Talvez um jeito errado de escrever tantos quês, um espaço próprio na
semiótica que nem a ótica mais nítida consiga ver. Uma idiossincrasia qualquer,
das partes que se unem e se delimitam nos limítrofes restos de querer ser. Talvez
um carro de boi do passado em que não se sabia sequer se haveria presente ou
futuro.
Lembranças que destoam daquilo
que se queria ser, se é que algo se quis. Que brincam de preto e branco em
fotos que fazem aniversário tardio, remontam cenas, montam prosápias e acham
que serão para o sempre. Não serão. Nada será. Apesar do novo amanhecer a cada
sol que se deixa dormir e acordar, viajar entre luzes e algozes do renascer.
Lembranças de lágrimas. Mas
haverá outras? A tal de saudade que nos invade a cada dia não é somente um mar
de reminiscências e voltas cheias de desejos e ensejos, coisas desaparecidas e
descabidas, como ver a cana virar mel. Senão, ouvir milhares de centenas de
abelhas a voar e cobrirem de negror do Nordeste a zoarem no silêncio da tarde
quente.
Lembranças de mulheres
uivantes ou arfantes, que vêm e voltam nas tardes tardias de um passado que
poderia ter sido e não o foi. De noites solitárias, de açoites perdidos, desses
que ninguém quer mas vêm quietos,
prestos, passionais, coisa que aflora no repente de uma nota musical, de amor
venal, de algo que mistura desejo e sabe-se lá o quê.
Lembranças de compor a sua
história e trajetória, seja ela para aonde for, dos espinhos à flor de lis. Quem
sabe o desejo guardado e resguardado, antecipado e ceifado, procrastinado por
não ter certeza de que esse é o verso final. Assim, como alguém que canta e
descobre no atropelo da vida que o universo é um verso transverso que carece de
ser.
(Ao Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho)