Por Ronaldo Faria
“Tá difícil virar o ano. E lá vai mais um texto para tentar cobrir o
dia 30 de dezembro. Talvez o último do https://osmusicoolatras.blogspot.com/.
Resistência firme, mas que deve se aposentar em 2024.” (Ronaldo Faria)
Da janela em mera procela,
Maria olhava o que restava na paisagem inclemente que o calor declinava sobre a
terra. Nas serras, antes verdes e floridas, o seco do mato crepitava aqui e
ali. Um tanto de poeira, que o gado magro levantava na estrada de terra batida,
voava no alpendre onde uma rede parada e corroída descansava ao tempo sem
vento. Entre um suspirar e outro, o sussurro da boca molhada de água e desejo no
ensejo da tardia melodia. Nas árvores, pássaros proclamavam a chegada da primavera.
A quimera, a se querer florida, viajava na saudade de dias há muito atrás.
Sentado sobe o cavalo que
galopava e arfava na imensidão de um nada qualquer, José ia até a cidade
mais próxima e próspera na busca de um desejo da amada. “Quero pitomba pro
nosso filho poder nascer”. Conhecida na língua dos índios tupis como sopapo, bofetada ou chute forte, a fruta
era o desejo de Maria. “Imagina o nosso filho nascer com cara de pitomba... nem
pensar”, pensava José a chicotear o cavalo para varar o mundão antes que a feira
do vilarejo terminasse. Para trás ficavam os tempos inauditos, os ditos por não
ditos, a dicotomia de estar vivo sabendo que todos iremos morrer.
Maria,
de olhos marejados diante da dor, caminha nos corredores da casa. Uma luz de
lampião logo irá se acender e ascender ao tempo e chegar com sua fumaça negra
para algo próximo às telhas e o léu, como um fogaréu. Já José, a olhar o céu
que sombreia de lua a chegança de mais um fim de dia, chega na feira, que,
graças aos deuses do parto não partiu ainda, e encontra uma bacia de pitomba
madura. “Obrigado, meu senhor de Deus. Meu filho terá a minha cara”, agradece
sob o olhar do cavalo a suar. Ao fim da curta história, nasceu dias depois Joaquim.
Filho da sina de um talvez...
Ao som da Cambada de Minas e em homenagem a
Isnaldo Piedade de Faria que nos deixou mas permanecerá sempre vivo num lugar
que só quando a vida no derrear saberemos dizer.