Por Edmilson Siqueira
Assim como Jobim, nas palavras de Sérgio Augusto, foi
nosso melhor Antônio Carlos, Papete foi o melhor José de Ribamar que o Maranhão
nos deu. Engenheiro ambiental por profissão, pouco fez pelo ambiente físico,
mas elevou o ambiente cultural do Maranhão a alturas internacionais.
Eu conheci sua música há muito tempo, quando ele
participou de um festival em Campinas com “O Bonde”, singela composição que,
depois, faria algum sucesso nas rádios. Mas suas qualidades todos nos foram
apresentadas pela Discos Marcus Pereira, sonho de um publicitário que produziu
grandes trabalhos e que faliu, como muitos empreendimentos culturais honesto
nesse país. Nesse LP - Papete, Berimbau e
Percussão - o primeiro dele, Papete
demonstrava mais que suas composições ou sua interpretação correta e singela:
havia arroubos de um percussionista que chegou a ser considerado um dos cinco
melhores do mundo. Na contracapa do disco, escreveu, mais ou menos assim, um
surpreso Marcus Pereira: "Levei um amigo neurocirurgião para assistira uma
apresentação de Papete. Ao final do show, ele me disse que o que ele faz na percussão
é raríssimo. Um lado é independente do outro, ou seja, ele pode tocar uma coisa
com a mão direita e outra com a esquerda, sem perder o ritmo em nenhuma das
duas."
As qualidades rítmicas de Papete chamaram atenção de
grandes nomes da MPB. Durante um bom tempo ele fez parte dos músicos que
acompanharam Toquinho e também João Bosco em shows pelo Brasil e pelo
mundo.
Esse LP da Marcus Pereira, que já não tenho mais (deve
estar com minha filha, que herdou todos quando decidi ficar só com os CDs)
também vendeu bastante e deu certa fama ao maranhense.
Depois, Papete gravou mais alguns discos e dois deles, que tenho em CDs, vou destacar aqui. Um é Água de Coco, onde ele mostra, com arranjos magníficos, um leque de seu talento, abrangendo percussão, composição e interpretação. E não tem receio algum de colocar sua visão pessoal em material sagrado como “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam e ‘Promessa de Pescador”, de Dorival Caymmi. E juntando ainda a música típica do Maranhão interiorano, sua especialização maior, em “Cavalacanga”, de Sérgio Habibbe, completada com a instrumental “Procissão dos Mortos”, de Marcus Vinicius. As oito faixas do disco são preenchidas com três composições próprias: a já citada “O Bonde”, “Água de Coco” e “Se Num Samba”.
Trata-se de um disco que chama a atenção pela qualidade
sonora e pela ousadia dos arranjos, como em “Domingo no Parque”, onde um
berimbau passeia por toda a música, criando um clima meio nebuloso para uma
música que retrata uma tragédia urbana nos quase cinco minutos de duração. “Ponteio”,
na visão de Papete, é apenas instrumental, onde um surpreendente teclado faz a
melodia, contrastando com a percussão e a viola nordestina. São mais de sete
minutos de pura inspiração e improviso.
Sobre o outro disco, Papete mesmo declarou que se trata
de um trabalho emblemático. São nove faixas dedicada à música maranhense das
festas e procissões. São composições singelas, onde a festa do boi é tema
recorrente. Nesse trabalho, a opção de Papete foi cantar as músicas como elas
são, sem maiores arranjos, na simplicidade com que são cantadas nas festas
religiosas ou carnavalescas do seu Maranhão. “Boi na Lua”, “Boi de Catirina”, “Dente
de Ouro”, “De Cajari pra Capital”, “Flor do Mal”, “Engenho de Flores”, “Eulália”,
“Catirina” e “Bandeira de Aço” são as faixas que compõem essa grande homenagem
de Papete aos compositores maranhenses.
Papete morreu em maio de 2016, aos 69 anos, lutando
contra um câncer. Foi embora cedo, mas deixou um legado precioso que será
cultuado para sempre.
Os três discos estão no YouTube, nos links abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=AgGxx2k4oME,
https://www.youtube.com/watch?v=QvDdZBoEa4c
https://www.youtube.com/watch?v=03lfBktfRXs