Por Ronaldo Faria
O vento ventarola nas folhas verdes
que sobreviveram ao inverno. Há, decerto, um credo que o mais incrédulo dos
amantes sabe ser o decreto final. Fugaz, o vento entra entre as frestas da
janela e volteia até chegar o corpo da amada que se despiu depois da fala
definitiva: “Um beijo assim? Achei que ia me pegar na bunda. Vou tentar de novo”.
A brisa que corre entre esquinas
lambuzadas de lânguidas línguas e goles de cerveja que vivem na madrugada a sua
última sina são a crença de que ainda há muito a se viver. Os prédios, no prenúncio
de que o trabalho existirá a longas trilhas, aos poucos se apagam. Irão trocar
a luz de lâmpadas por cobertores e o negror que postes ainda dão.
Na solidão que só a imensidão
do amor dá, soa um tanto de entretanto, talvez e quem saberá. Nenhuma ave tenta
voar. Com o vento e o frio que brincam de lugar, todas se aquecem como dá. Os
caules, mínimos e pelados, não há muito onde se esconder. No quarto, o homem
sorri com o sorriso dela. “Deus, nos dentes há tanta procela!”
Na vitrola, Tom Zé diz que a
ilha não tem fuzil. Tomara que amanhã o céu seja de anil. Se não for, digamos
juntos: “O tempo merece ir para a puta que o pariu!” Fade-out: um carro freia
na esquina. Por pouco não se torna estatística a mais. Ao colocar o agasalho o
homem descobre que a estática não é invenção de Orfeu. Os pelos que o digam.
No colorido doído e doido que
percorre veias e neurônios, vê-se brilho reluzente e pungente do lado de fora.
Aforismo à parte, cada passo parece envolto em amores e amoras que descansam
para brotar. Do cubículo da criação, o poeta perpetra o pródigo alvorecer.
Amanhã chegará o que não sabemos nem ao menos crer ou ver renascer.