Por Ronaldo Faria
No ritmo louco das canções nunca cantadas, a verdadeira epopeia que a
loucura permeia.
-- Boa noite, Sílvio. O de
sempre?
Sebastião, garçom que sempre o
recebia com um sorriso pródigo, desses que não se esquece, sabia que era a hora
de trazer uma gelada, uma quente e preparar o bloquinho para anotações mil. Até
jogar água no chão e usar um rodo como aviso, o cliente ficará solitário a
rever coisas mil.
-- Boa noite, Bastião. Manda
ver o de sempre. Consegui viver mais um dia. É pra comemorar!
Nas ruas ao redor, a redondeza
parece nem saber que uma vida padece de parecer. Os poucos que ainda circulam e
não copulam estão a viver suas próprias ilusões. Alguns, poucos, com tesões. A
maioria com senões.
-- E aí, Bastião, te valeu hoje
viver?
-- Faturei legal com os dez
por cento. As pessoas voltaram a descobrir que um copo e um bar salvam
existências. Portanto, acho que valeu.
-- Que bom. Grana faz parte.
Sem ela não há arte de consumo, de poder chegar num bar e encontrar gente como
você. De poder extravasar, largar os grilhões do tempo, achar que um momento embriagado
pode tudo esquecer. Bastião, um brinde pra você!
Nas mesas vazias e próximas, o eco da voz vocifera como fosse uma eclosão de quase nada. E era. Afinal, o que é um único homem a falar de si numa vastidão? De uma janela qualquer, ainda acesa e vivente, Tim Maia cantarola para acender o farol. Mas, perto dos ouvidos dois carros colidem de frente. No saldo do Samu, três mortos e cinco feridos. Vai dar página par nos jornais de amanhã... Tem coisa mais importante para se reportar.
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