Por Ronaldo Faria
Geovenildo (mistura de Genoveva
de mãe e Hermenegildo de pai) cruzou o trilho do trem devagar. Na quentura do
Méier, era só uma rampa para outra. Coisa que até o Zé da Muleta Meia Boca conseguiria
como fizesse salto à altura em Olimpíada. Tinha acabado de arrancar dois dentes
no dentista paraguaio que atende num sobrado encarquilhado onde la garantía soy yo. Sob efeito da
anestesia e duas cafungadas, o caminho reto parecia chegada de barco em marina
cheia de maresia. “Calma que você logo chega lá”, dizia a si mesmo, nos tantos
mesmos de si àquela hora e altura. Vendedores de biscoito Globo e Chá Mate,
longe da praia, muambeiros com capa de celular e raquete de muriçoca,
trabalhadores cansados de ralar se cruzavam atabalhoados. Para Geovenildo, Gegê
ou Nildo aos íntimos, aquilo era um mercado persa. Ou será um persa em mercado
suburbano? Com esforço sobre-humano, chega ao ponto desejado. Por sorte, não
esbarra num despacho. “Porra, entrega pro santo agora não tem mais cachaça?”
Disperso desse mundo, não viu o malandro que corria com a garrafa debaixo do
braço. Pensou em pegar o frango, mas ele estava cheio de penas e bem mal
passado. Desistiu. “Esse deve dar dor de barriga e pouca sorte”, à conclusão
chegou.
Geovenildo, Gê ou Ni para os
mais íntimos ainda, pegou o primeiro trem que parou. Conseguiu ao menos subir,
meio empurrado pela massa e outro tanto pela sorte que Deus dá aos desvalidos e
combalidos, quiçá fodidos do mundo. De pé, seguro pelas outras tantas centenas
de passageiros nada fagueiros, foi de estação em estação. Engenho de Dentro, Piedade,
Quintino, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro. Marechal Hermes e
Deodoro. No fim, não tem jeito. “Ô, meu irmão, acorda! Tem que vazar!” Geovenildo
desembarca da barca e segue pela passarela para chegar na rua. No centro
espírita perto o incenso corre solto. O atabaque ressoa e a Pombajira (diria o Houaiss)
gira sem parar. O cambono segura o refrão e Zé Pilintra dá risada. “Entro ou
não?” Batizado e confirmado no ambiente, decide ao menos bater a cabeça para o
santo. “O que não é mal feito, mal não tem.” Senta no banco de madeira, faz sua
oração e pede socorro. “Meu Oxalá, cuida de mim, que te peço tão pouco”. Sai de
lá meio torto e trôpego e serpenteia pelas ruas e ruelas, becos e biroscas,
pontos de venda de produtos importados de La Paz ou Bogotá. No céu, uma lua
redonda se faz rotunda para seu drama sem segunda sessão marcada e a cortina
voltar a fechar.
(Ao samba de breque do Rio)