Por Ronaldo Faria
Pixinguinha era o tema, abrupto,
largado, desvairado, como um poema. Sob uma mangueira que se derramava de
galhos e folhas no quintal suburbano, Florípedes era como uma flor, aquela que
seus pais, num augúrio ou delírio, propuseram no nome. “Flor boa fosse, não
teria tantos espinhos”, se lamuriava. Seu sonho era ter sido Berenice ou
Veridiana. “Isso sim é que nome de gente.” Longe da casa caiada de branco, o trem
apita a dizer que passageiros cansados e suados estavam a sonhar com o fim dos
seus fardos.
Na composição que rodava em trilhos velhos e dormentes, João se segurava com força para não cair a cada parada brusca. Se bem que, para ele, tanto fazia como tanto poderia fazer. Se caísse e quebrasse a cabeça ou um osso, ficaria encostado no INSS. “Férias, mesmo que hospitalizado”, até sentenciava. Mas, melhor não. “Os caras atrasam pra pagar e eu não teria como me virar.” No vagão, o crente demoniza a vida para conseguir um ou outro que quisesse comprar adiantado um lugar no seu etéreo e inexistente céu.
Ente ambos, uma estação carcomida na laje exposta de ferrugem. “Essa merda ainda dar última página em jornal”, resmungava o chefe da gare. Um ou outro vendedor do churrasco que teimava em miar cada vez que voltava para o fogo, a criança com o nariz a escorrer, o homem que dorme no banco a ressonar a vida que nunca terá. No lugar, bem longe do além-mar, Florípedes e João não sabiam sequer que um dia poderiam ser um só. Para emendar logo o fim, ela foi dormir e pesadelos ter (“se eu fosse Berenice ou Veridiana iria dormir como princesa”, ensejou) e João estava entre as vítimas fatais que passavam na roleta quando o teto desabou. Esse sequer pensou.
-- Eu falei, eu sempre falei que essa bosta um dia ia despencar – vociferava o funcionário da estação, cercado de repórteres a falarem da falta de planejamento e omissão.
Na composição que rodava em trilhos velhos e dormentes, João se segurava com força para não cair a cada parada brusca. Se bem que, para ele, tanto fazia como tanto poderia fazer. Se caísse e quebrasse a cabeça ou um osso, ficaria encostado no INSS. “Férias, mesmo que hospitalizado”, até sentenciava. Mas, melhor não. “Os caras atrasam pra pagar e eu não teria como me virar.” No vagão, o crente demoniza a vida para conseguir um ou outro que quisesse comprar adiantado um lugar no seu etéreo e inexistente céu.
Ente ambos, uma estação carcomida na laje exposta de ferrugem. “Essa merda ainda dar última página em jornal”, resmungava o chefe da gare. Um ou outro vendedor do churrasco que teimava em miar cada vez que voltava para o fogo, a criança com o nariz a escorrer, o homem que dorme no banco a ressonar a vida que nunca terá. No lugar, bem longe do além-mar, Florípedes e João não sabiam sequer que um dia poderiam ser um só. Para emendar logo o fim, ela foi dormir e pesadelos ter (“se eu fosse Berenice ou Veridiana iria dormir como princesa”, ensejou) e João estava entre as vítimas fatais que passavam na roleta quando o teto desabou. Esse sequer pensou.
-- Eu falei, eu sempre falei que essa bosta um dia ia despencar – vociferava o funcionário da estação, cercado de repórteres a falarem da falta de planejamento e omissão.
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