Por Ronaldo Faria
segunda-feira, 24 de julho de 2023
sábado, 22 de julho de 2023
Desterro
Por Ronaldo Faria
O homem começa a piscar de um olho só. Mas, para onde foi o outro, sorrateiro na noite? Talvez esteja desterrado e enterrado num soneto qualquer. Senão, quem sabe, ainda brincará de moleque solitário e quaternário nos tempos dos anos 60/70 que ninguém hoje sabe sequer se existiram. Talvez na coberta de tacos, esquálido ser a se esconder, pequeno ser, possa sobreviver. Senão, a insana futurologia que de nada possa valer. Anos de crença, saudades, luta, amores, pudores, arroubos desses que faz a gente digitar (datilografar no meu mundo) errado e acertar. Daí eu penso como seriam Vinícius, Drummond e Bandeira se pudessem reescrever in loco suas alegorias mil. Maiores do que aquilo são? Certamente não. Impossível crer que Fernando Pessoa, por exemplo, tenha um heterônimo igual, tão substrato de algo ser hoje em mim pouco poético e desigual. Mas, daqui, na sandice que existe e some no momento certo (há momento lúcido a esperar?), fica apenas a pena enlouquecida e vendida ao sabor da poesia, da rima, da sangria que ainda existe no pouco de vida que exangue em sina.
(A ouvir Dominguinhos Iluminado)
quinta-feira, 20 de julho de 2023
Com Fé na Festa do Gil a rolar
Por Ronaldo Faria
O homem quase garoto, garoto
ainda menino, infante e libertino, olha sua amada a rodopiar na fogueira, livre
e tardia, com os seios a balançarem na roupa de chita e colorida feito o
pássaro que passeia no céu e proseia com a solidão para ela acabar.
Depois a vê dançar num
terreiro largado em Pernambuco como fosse um capuco daqueles que a criança carrega
no carro de boi de madeira que se esgueira na terra carcomida da seca. E vai a
rumar sem prumo àquilo que o futuro nem sabe se um dia existirá.
Agora, como uma rês que se afugenta
naquilo que nem ela sabe para onde irá, longe de seu rebanho, o homem, hominídeo
há milhares de anos, está desamparado, esquartejado, vivo apenas por memórias
insanas e bêbadas, coisas desconjuradas em si.
E o frio? Ele apraz? Se desfaz?
Viaja como andorinha em busca do novo ninho, com uma cadela a vociferar? Quem
poderá responder? O rio defronte da fazenda matou o avô que tirava bicho de pé
do neto sob a luz do lampião que tem cheiro de querosene e canção.
Agora eu vejo o pequeno poço
que sobrevivia à seca e trazia no lombo de um jumento a água para o mínimo da
casa fazer. Vejo ainda o mandacaru que nunca deixou de brotar e sinto o cheiro que
invade os poucos neurônios que teimam em ficar e se interligar.
Ouço também o enxame de abelhas
africanas a passar milímetros acima da morte certa. Um zumbir ou zunir em suas
asas negras e rápidas. Ávido de algo ser, o menino nunca esquecerá essa cena obscena
e cenográfica, nunca captada em lentes ou mesmo sofreguidão.
Sinto o cheiro de farinha na casa
onde um tacho quente a faz virar comida e percorro trilhas de cruzes de
anjinhos nunca nascidos. Tudo como a descoberta incerta de brincadeiras de
alguém que acredita ser um defunto de férias pronto para somente descansar
enfim.
Na dança que se encanta na
noite sem lua, o aluar de uma saudade que nunca findará. E o pasto esquecido no
quarto do milho colhido e seco. A certeza incerta de uma marcha que vai de um
lugar a outro qualquer sem nem saber se existirá quando a lucidez voltar.
Hoje, agora, sem aforismo e
festa, apenas a incerta certeza de que o que se foi nunca voltará. Sem odores e
visões. Tudo apenas como quânticas alucinações em insana lucidez. Com certeza
de que uma vela acesa na capela conseguirá em si virar algo que valha lembrar.
terça-feira, 18 de julho de 2023
Sertão em flor junina
Por Ronaldo Faria
A noite no sertão nordestino traz rimas e lástimas, criaturas mansas ou não, feridas calcinadas e perfídias tresloucadas, todas prontas para uma camisa de força, dessas que forçam a saudade a fugir do peito e ultimar a distância entre a seca e as ondas que beijam a areia do mar. Certamente haverá um altar em algum lugar. E se não houver, a ferida existirá.
Perto, a mulher abre os braços
em abraços frígidos e frágeis. Certamente já sabe que o homem, perdido em si
mesmo, ensimesmado, se perde entre trilhas e pés trilhados por um andar que nunca
sequer sabia que em algum lugar chegaria. Noutro canto, um vaqueiro vigia sua
vaquejada, arfada de tanto caminhar rumo à morte que nem sabe que logo chegará.
Embriagado e largado o homem
se bole para não dormir na mesa, cheia de garrafas e copos, restos de amores
nunca vindos, advindos daquilo que o poeta acha que seja verdade. Mas esta
haverá? O que existirá de fato no fátuo resto de infaustos que chega entre
cheiros e esgueiro? Saber-se-á que o toque denota outro tocar? Quem, em sã
consciência, concederá ao amor a fogueira que arderá para sempre numa metáfora
que só a própria pena incendiará?
(Ainda a ouvir São João Carioca)
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Santo Antônio
Por Ronaldo Faria
A fagulha se espalha no céu e emparelha com as estrelas perdidas e ardidas feito xote ou baião. E haja xaxado. No terreiro, casais se acasalam antes de acasalar corpos e desejos. Há ensejos, decerto. Mas antes que o deserto da solidão de faça final há a faca do amor, letal, a dor despudorada e desprovida de uma canção qualquer, insana unção que junta zabumba e triângulo, sanfona e cantoria.
A árvore de gravetos, antes
viva, agora carvão torrando no fogo, desarvora a desandar em pares emparelhados
que logo serão um só, unidos entre beijos e ensejos, trejeitos inúmeros entre
corpos e úmeros colados e deitados, num sobe e desce indecente para crentes que
não sabem o que é viver. Na noite fria, frígidas mulheres pedem a Santo Antônio
o amor que nunca chegará nem aqui ou acolá.
A festa que incesta e se
presta ao único calor que vem de corpos e copos de quentão, mistura homens e
mulheres num desvirginar de clarividências e cadências, todas harmônicas com as
notas que enchem ouvidos e elimina pruridos que ainda possam existir. No frigir
da quase madrugada, uma mandrágora floresce entre pântanos e enche ânforas que
irão derramar suor e acalantos calados no futuro chegar.
A rebolar, a morena faz do
gingado o afago desnecessário. O frio, senhor de tudo, une e junta, unta, casais
que se aconchegam a fugir dos tremores que invadem corações e cópulas tardias,
vazias, prontas para se achar. Loucas para achegar, chegar, chorar juntas,
uníssonas, sobremaneira fatais. Assim, quiçá bisonhas, aninharão sonhos e corações.
Do altar, Santo Antônio pede o fim de tantas orações vãs.
quarta-feira, 12 de julho de 2023
Seu Lua, Luiz Gonzaga
Por Ronaldo Faria
O bom da vida às vezes é sequer relembrar seja o que for que tiver de lembrar.
segunda-feira, 10 de julho de 2023
Já que é junho, que venha Fulô de Mandacaru
Por Ronaldo Faria
A quebra da taça de
vinho mal usada (culpa de um DVD) em pleno junho de festa nordestina e
sertaneja é mau agouro ou a bênção de que algo novo vai chegar?
Na madrugada tragada de
faíscas e ciscas de fuligem que permeiam beijos e lábios sedentos o casal roda
em volta da fogueira revoltada por ter sido morta para virar carvão, para ela
com certeza em vão. Mas, creiam, os amantes nem sequer ligam e bebericam línguas
e rodopios, pé de lá e de cá, sorvem de si mesmos o líquido que precisam para a
vida. No vai e volta que revolta o forró para quem não conhece a prece de quem sabe
tracejar suas pernas e bofes.
No meio do dia que a noite faz
escurecer para saber que pode clarear, o homem olha ao longe a amada que ainda
não é ou nunca foi. E se esbanja de desejos e falta de amor, fornica em
pensamento com a menor formiga que corre desesperada para o formigueiro e vê,
ao longe, o sertão calcinado e queimado como fosse certeza a finita prece de
ser feliz na mansidão. Lá longe da colina o vaqueiro busca o gado perdido do patrão
que vocifera na sua escuridão.
Mas na cidade que se ilumina
de lampiões de querosene há o cheiro de festa, zabumba, sanfona e triângulo. Tem
o limite entre a crença e a certeza, entrementes, quem sabe, da própria vida.
Meio perto e saber-se-á na trilha, bêbados se juntam numa mandrágora em que o
fim é irreal. Mas ficarão sons, zumbidos, cheiros e tons urdidos, ardidos, coisa
que crava no coração e caminhadas em perfídias tresloucadas e ensandecidas no candeeiro
sem luz.
Por fim, se algum fim existe
entre o começo e o derrear, ficam o som do carro de boi, o aboiar do vaqueiro,
o acordeom a tocar defronte o casario, o tomar de banho em cuia, a areia branca
do rio que morre e mata a cada estação, a sensação de paz, encontro e solidão
que permeia até hoje. Senão, existirá a chama que se inflama em quadros que percorrerem
neurônios e insônias, como um junho de notícias infames e felizes de forrozar
em algum efêmero lugar.
sábado, 8 de julho de 2023
Celso Fonsequeando 3
Por Ronaldo Faria
Como será o amanhã? Que
ressacas serão? Terão nome de mulheres, paixões, emoções, dores de cabeça ou
apenas desaparecerão? Comerão um meia-lua no bar que não mais existe? Andarão
em andrajos e pés trôpegos nos sonhos calcinados? Brincarão de dois num corpo
só, solitário e em sofreguidão? Saberão ou saber-se-ão? Sei lá...
Quem de fato, ser fátuo,
saberá? Será como o sopro de um saxofone no meio de uma música do Chico? Ou
apenas um verso requenguela, daqueles que cai da página pela janela? Como o
jogador maior de futebol de mesa dedicado à iugoslava que no continente era alemã?
Na verdade, essa vida é só mera esfera de sequer poder brincar?
Por que vivemos numa vivenda
esférica de onde a água não cai se sequer sabemos quando cairemos quicando para
um mundo melhor? A pedir logo à madrugada que se esfalfa para chegar fechamos
um saco de lixo reciclável para sermos um ser a mais afável ao mundo que não
depende daquilo que acreditamos sermos nós no logo após.
Na foz da poesia, a azia se faz profana, ainda mais para quem nem vesícula
tem mais... Obrigado Celso Fonseca por ser eterno e terno professor.
quinta-feira, 6 de julho de 2023
Celso Fonsequeando 2
Por Ronaldo Faria
Quem faz bem a quem? Estará tal ser aqui ou no além?
O homem, na aquiescência que o abstrato no substrato de nós dá, caminha nas areias de Ipanema como se fosse na eternidade um simples fonema. Algo que brinca de tracejar pra lá e pra cá aquilo que não sabe denotar de par. Já andou por sobre trilhos de trem, escapou de pivetes, correu ladeira abaixo de um ladrão do Méier, vagou embriagado onde o diabo jogou o pão que amassou, se escondeu em colcha de retalhos para crer que não seria estraçalhado. Foi, fortuito, fugitivo, famélico de querer. Quem sabe, quilombola de um quilombo perdido nas perfídias de história qualquer, encontrou, por fim, sua derradeira mulher. E deitou quieto, aquietou num lugar apócrifo e, creiam, sequer vomitou. Foi apenas ele, enlouquecido e aquecido de goles ou roupas do Vietnã. Foi viajar na Jamaica, baseou seu universo num pedaço de papel o seu véu e se esvaneceu de porvir seu por vir numa data inusitada da menor fé.
O homem, menino na verdade de
quem quiser crer, até acreditou pudesse domar os ventos, a foz do rio, falar
com Deus. Mas qual, era apenas ínfimo ser, sem palco, orquestra e vocal. No
desterro do fugaz enterro frugal, a fragilidade que sequer a maldade sabe desenhar
ou desdenhar. Afinal, qual será o lugar final e fetal? À espera da próxima
música, a versejar, o aprendiz a sonhar descobre que nem o mais pobre dos mortais
se enternece da noite clarear.
Celso Fonsequeando
Por Ronaldo Faria
Venham sombras da noite e os açoites que nos percorrem em pesadelos sem
zelos num tentar dormir em paz. Cheguem, porém, na aquiescência da vida,
generosos e zelosos. Deixem-nos, ao menos, memorizar em mármore de carrara a
fugaz fervura de algo ser. Afinal, quantos anos, dias ou minutos mais? De
quanto tempo a eternidade se perfaz?
No canto do bar que se derrama na esquina onde qualquer quina serve de anteparo para um bêbado trôpego poder viver, o pranto não tem lugar. Talvez saudades travestidas de mulheres vestidas de lingerie e toques de almíscar a esvoaçar nas nuvens que esperam gotas de chuva chegar para parirem seu viver.
-- Tocar violão de ser bão.
Tentei aprender para viver o mundo de uma morena clássica. Não consegui. Hoje resta
babar por quem sabe fazê-lo...
Na imensidão que um quadrado
dá, sob a luz de milhares de pontos de uma tela esteta, o pseudo poeta vai a
vomitar saudades, calamidades e chamados vãos, em vão. Quem sabe um dia uma nova
anestesia não permita tudo esquecer, reencontrar o rabinho peludo a balançar, saber
que nada mesmo há de saber.
-- Cantar, como é bom cantar.
Desopila o fígado, tira as rugas do rosto, oxigena a frágil mente, deixa a
gente a crer que vale a pena ser.
Na ilusão premente que cada um
mente pra si, os dormentes de um trem que nunca chegará na falta de casais a
chorarem o despedir, na loucura daquele que busca o vagão de onde chegará seu
repente, quiçá réquiem e refém. E assim, assintomático, em sofisma, vamos a
ouvir quem nos diz que ela é carioca...
terça-feira, 4 de julho de 2023
Paulo Freire e São Gonçalo
Por Ronaldo Faria
Com a lua cheia no céu, seara
qualquer, num canto recôndito São Gonçalo faz abençoar o violeiro que dedilha
sua música e seu cantar. Num lugar onde o lagar e só o largar da pinga goela a dentro,
adentro a vida como fosse fermento a ver o bolo sovar. Como fosse um ébrio que
se desgarra da reta e cai, soberbo, num meio fio que apenas frio tem. Tênue, o
homem busca o hímen notívago que não existe e persiste solitário riste e firme.
Como um marujo perdido no derradeiro cais do porto. Talvez um atávico ser que
tenta apenas, a duras penas, sobreviver com altivez. Senão, um inócuo binóculo
que apenas enxerga entre lentes, vidros e frigidez.
Mas a lua cheia que se esgueira
no céu escuro se faz calada, sob uma árvore caiada e quase caída, de branco, sombreia
a luz que o luar irreal derrama na terra onde brota o impassível amor. Em flor,
as plantas transplantadas em fulgor se espalham no chão que espelha o rosto da
moça mais fagueira que a figueira centenária viu. Como um socó que dorme e
ressona na copa esverdeada, o sonhador olha para o céu e vê pequenos pontos de
luz, clarões esparsos e dispersos como disparos de um bacamarte qualquer. Não
muito ao longe, o rosto avistado da mulher. Lívida, quieta, faz-se presta ao
violeiro que anuncia o amor altaneiro, primaz e primeiro.
Contudo, creiam, a lua de São
Gonçalo haverá de reaver a fé na infinda e benfazeja crença do novo alvorecer.
Quem sabe não existirá um louco a gritar nalgum lugar feito profeta de um
esteta a voar e revoar seus incertos incestos entre a poesia e o jogral que desvanecem
na voz do imberbe que crê no mero flerte. Na praça onde o coreto deixa a banda
tocar, um bêbado lança seu olhar além-mar, mesmo que as ondas batam somente milhões
de pés após. E pensa o escrevinhador: “caberá apostrofe só para rimar?” No
dedilhar da viola, formosa moda se faz em corda. E lá onde o mundo se acaba a
festa e se refastela de crenças, descrenças, inhambu chitão e xororó.
sábado, 1 de julho de 2023
Nordestino Jovino Santos Neto
Por Ronaldo Faria
Ah, meu Nordeste... por quê estás tão longe milimetricamente se existe
em mim na carne que ainda bate simultaneamente? Onde estão teus cheiros,
esmeros, fontes de água límpida e risos destravados de dor, como imagina o
filho desterrado de cá?
Embriagado de desejar ser e
estar, a vagar, Juvêncio corre entre árvores mortas, capim seco, cabeças de
gado já descarnadas por carcarás, pequenas covas que guardam corpos de gente
que nem vingou. Seu cavalo percorre picadas, foge de espinhos que sangram o
mais forte dos vaqueiros, vira sem eira e nem beira à vontade das mãos que o
chicoteia. Para ambos, uma estrada à vista, onde a vista anseia caminhos nunca
trotados, tratos nunca criados, vontades nunca feitas. Em cenas refeitas e
desfeitas, a fresta de uma porta esconde a mulher posta em trejeitos nus e
beijos perdidos e urdidos, ardidos, feito a ferida que vislumbra, translúcida,
a certeza de nunca sarar.
Mas Juvêncio não para. Segue
em frente sempre, fronte molhada de suor e rasgada de rugas profundas que lhe
correm a face. Sabe que em algum momento, nem que seja em lamento, seu destino
chegará. “Ave Maria de lá”. No alpendre da fazenda deixada para trás, o pai
dorme na rede dependurada de acordo com o lastro de sol. No poço logo perto, de
água salobra e quente, os animais matam a sua sede de querer na Terra ainda
ficar. O vento traz uma brisa tênue e fugaz. Em algum lugar deve haver o nunca
mais. Resta somente saber se será aqui e agora ou para depois de algo que se
esvai. Na crina molhada do cavalo descem gotas que abrandam a chegança mansa.
Feito ser imperfeito, Juvêncio
trilha um universo onde há de tudo, menos verso. Talvez sílabas soltas, rotas,
feito louças que se quebram em translúcidos cacos que cortam o quase anoitecer.
O sol lhe queima os olhos, a poeira traz uma névoa dispersa que parece ter
pressa de dispersar. Seu cavalo, único amigo de agora, corre enlouquecido nas
derradeiras forças que restam. Mais um pouco, cairá decerto. Feito decreto
divino de algum feitor, roubará os últimos minutos, nas notas de uma canção
dedilhada em anginas mortais, desfará as certezas que nem o maior ébrio do
lugar poderia crer. Cansado, depauperado, Juvêncio para seu animal e, descrente,
nada mais anseia.
Lembra o passado, sua filha a
buscar os raios da manhã, num olhar distante de quem sabe a morte infame e sórdida
logo chegará. Seu mundo desgarrado, destratado e desamparado, partido entre
meios, entremeio atado, parece um poema que nem em prece perceberá ser sagrado.
Untado de pó marrom e segregado, Juvêncio já não cavalga. Apenas senta,
encarquilhado, e vê as primeiras estelas chegarem. Achega-se a si mesmo e, a
esmo, dilacera o que, além da serra, pode se ser vida ou vastidão. E apenas
fecha os olhos, chora seu mundo final e descobre, afinal, que tanto trilhar termina
sempre, invariavelmente, num escuro, infértil, inexistente e inócuo lugar.
quinta-feira, 29 de junho de 2023
Em cantos e poesia
Por Ronaldo Faria
Vem meu anjo ou santo da poesia e letras, acordes e alforjes do passado, e me tragam do que falar ou vociferar. A ouvir um perdido Em cantos e poesia volto à minha tese de que Pernambuco é, sem dúvidas, o maior berço musical do Brasil.
E o tempo? O que é? Tão rápido
e inócuo, desses que vem e voltam em invólucros que nunca saberemos, é somente um
parágrafo ágrafo num turbilhão de letras e sílabas, balbuciadas e expostas em
postas de carne viva e viúva numa esquina qualquer.
Talvez uma filigrana de
emoção, uma inaudita razão sem amores em cisão. Quem sabe a calada e tardia
madrugada que se expõe, os corpos que latejam em ilusões. Às açucenas ou
falenas, a certeza de que inebriantes canções se abraçarão na noite.
A sentir o sabor das ruas de
Olinda, dos seus casarios e ladeiras nos tambores da madrugada, da dança descoordenada,
a incerteza profética de que o fel pode dar mel. Do vinho à cevada, a certeza
de que no mundo, inócuo, há fantasmas e também fadas.
terça-feira, 27 de junho de 2023
Daquilo que virá
Por Ronaldo Faria
Afinal, haverá algo depois
daqui? Só saberemos após fugirmos daqui. Se fuga há, saber-se-á. Certamente,
pelo que já vi e vivi, não. Só um juntar de cinzas pai e filha, nada mais. Mas,
como diria qualquer ébrio recente, haveremos de nos enganar. Na noite quase
fria que chega, o aconchego trôpego da amante que nunca se dá, a paráfrase do
que não se abstrai jamais.
Nas plêiades da vida (eita
palavra velha), a performance de uma peça que resistirá ainda até a cortina
derradeira baixar. Mais alguns atos performáticos, aplausos de casa cheia,
merda no camarim, bilheteria chinfrim e sem aplausos do depois. Mas, foda-se!
Cada um em seu cada qual, desigual, informal, impreciso e abismal. Apenas um na
noite que enseja o amor.
Na mesa de canto, quieta e
tresloucada, onde dois se fazem um e perfazem o suor que virá no depois do ser nenhum,
só dois, a nuvem de cigarros acesos tem acesso ao ar fresco da quase madrugada
que afaga a cena translúcida à vida. Como qualquer paixão, a insana cena flui
entre um misto de tristeza, perda e tesão. Às próximas horas caberá a derradeira
sofreguidão.
sexta-feira, 23 de junho de 2023
Arlindo Ricarte Jr
Por Ronaldo Faria
Descobri que sobre ele pouco há, mas o seu CD já é cotado a R$ 45. Ou seja, quase uma dúzia de cerveja em lata. Contudo, não vale vendê-lo além de ouvi-lo. É pouco dinheiro para tanta poesia. Assim como é pouca a certeza de que haverá quase nenhuma leitura de texto escrito além de parca legenda. É foda o tempo passar tão ligeiro que não deixe nem quase baião ou mera canção ficar no derradeiro centeio de um trigo que não florescerá. Daqui, às três horas e algo de um domingo feminino e de mães, mamo outra vez a revelia da sangria que desabrocha na flora que aflora nalgum lugar. Do seu canto (coisa de lugar) Arlindo Ricarte Jr há de tal lembrança reverberar. Senão, fica a declaração de amor à Iolanda.
O ótimo Quarteto Wynton Marsalis
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