Por Ronaldo Faria
A orquestra tocava sem parar.
Paralisados no seu mundo próprio, os casais giravam no salão a cruzar pernas e
mãos. A big band se bandeava entre
notas e partituras, nas lamúrias do maestro, destro, que buscava na esquerda a
melhor sonoridade do lugar. Devagar, a divagar, Solange, só em si e longe, imaginava
o que os roteiros da vida não trazem de volta. Seus amores, suas dores, os
odores das rosas recebidas, as bebidas envolvidas em lábios molhados e futuras
feridas do coração. A ilusão da tresloucada saliva a correr todo o corpo em
lascívia. Para ela, os trompetes e um perdido sax eram bem mais em si.
-- Ouvi o murmurar de uma dama
sexy?
José, que do outro lado do
salão bebia um gim com tônica (com o gim dobrado e chorinho), chegou devagar à
mesa onde Solange vivia seu mundo. Antes, ficara sem saber se devia ou não. “Melhor
não me perguntar muito. O máximo será um não”, pensou. E lá estava. Ela era
diáfana, como deveria, nos Anos 60, ser. Parecia nunca ter saído à rua quando
os rios do sol teimavam em queimar as peles em orgia com o mar. Como uma deusa
virginal, dessas que se pede de presente a Papai Noel no Natal. “E não precisa
nem de papel especial. De pão ou de jornal já serve. O importante será o que
está nele”, dizia.
-- Por acaso eu te chamei para
vir aqui?
Solange, com um cigarro
mentolado a adormecer em brasa no cinzeiro, olhou fixa nos olhos de José. No
palco, a orquestra introduzia I an Sentimental
Mood. O homem, após perder o chão de si, mal sabia o que dizer. “Quando uma
dama está só, cabe ao cavalheiro ter a mínima compostura de saber se deve ou
não importunar.” A frase serviu como um punhal no peito de José. Cravou tão fundo
que qualquer coisa que dissesse seria em vão. Pensou em pedir desculpas mil,
dar volta e mais outra meia e retornar ao lugar do qual nunca deveria ter
saído. Mas, de repente, ouve descrente: “Puxe a cadeira e sente”.
Ficaram horas a conversar.
Besteiras mil, como um ardil. Ouviram Over
The Rainbow e dançaram colados Moonlight
Serenade. Ao final de My Reverie
estavam de bocas coladas, lábios perdidos em algum acorde que a orquestra tentava
fazer dormir no sol que acordava entre um Cadillac estacionado irregularmente e
Fuscas e Gordinis. “Casal, me perdoem, mas teremos de fechar. O comércio normal
já está a abrir”, falou carinhosamente o garçom. Entre um cambalear ou outro,
saíram mais felizes que trôpegos. Do céu, pássaros entoavam uma canção própria
de verão. Quem o visse a dançar, diria: o amor está no ar.