Por Ronaldo Faria
Devia ter tido, sido, vivido. Ou ao menos assim dizia o poeta que sai
dos cinco autofalantes. Ou não dizia? Terá sido delírio? Perfídia, som de
mídia. Na promessa de estar junto nem que seja num asilo, a ensandecida magia. No
auxílio de si mesmo, o homem profetiza que a vida é apenas uma falácia. No
jardim brota uma acácia.
João manda um beijo para
Emília via virtual. No mundo atual, pouco mais há que se fazer. Talvez uma
caminhada tresloucada, um romance cheio de histórias realizadas, frases nunca ditas,
desditas ao vento ou o tempo, frágeis por apenas serem frases. Mal ditas,
malditas, transversas e finais. Nos algoritmos dos novos tempos, temporais de
ventos mil que nunca saem para somente, em semente morta, realidade ser.
João sabe que cada movimento
seu é algo a esmo, nas efemérides de quem é triste. Que seus desejos e ensejos
nada são ou serão. Talvez um dístico que não escreveu, mutilado. Um fado
tardio, um tango execrado no salão. A incerteza múltipla da solidão. As
inverdades intrínsecas na vazia estrada da imensidão.
João, cercado de fotos e fantasias vadias, se transforma num ser amiúde, desses que a gente vê a cada passo que dá nas ruas quentes e secas. Nas vielas da favela, a singela figura da mulher se faz e desfaz. Diante da birosca, na esquina que barricadas ainda deixam ter, um bêbado ou outro finge ter a lucidez que já se foi. Quase tropeça no meio fio que ainda fia a vida que depende só de uma queda para esvair. Espera o Uber que o levará de volta na insólita estrada para o chegar que é só partir. Trêbado, submerso na sua imensidão, posterga ver os poucos pórticos que ainda existem e resistem entre a realidade e a solidão. No mais, só servidão.