segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

AVISO!

Por conta das folias de Momo, o artigo do Ronaldo Faria, que deveria sair hoje, fica suspenso. O autor retorna à labuta na quarta-feira. Com vocês, um pouco do Carnaval sem Carnaval.
https://www.youtube.com/watch?v=b__EHoYnFiA

sábado, 26 de fevereiro de 2022

A live do Gil que espalhou sofá

Por Ronaldo Faria

Infelizmente, as festas juninas estão há dois anos longe do Nordeste (será que este ano as teremos?). E isso é muita dor para quem tem nessa região do país as suas raízes culturais e familiares, como as tenho. Mas, no CD São João em Araras – Ao Vivo, lançado no final do ano passado, Gilberto Gil aprontou na sua casa na cidade fluminense de Petrópolis, no bairro de Araras (onde ficou em quarentena por causa da pandemia) um forrozão. Numa live que teve a participação especial da filha Preta Gil (que tinha acabado de sair de uma Covid), ele mostrou em quase uma hora e nas 16 músicas incluídas que o xote, o forró e o xaxado não morrerão nem com um vírus microscópico ou nas trevas que a cultura brasileira vive hoje. E o certo é que ambos pesadelos têm data para acabar. Afinal, não há mal que dure para sempre, como diz o ditado popular. E este CD mostrou que é possível juntar o par abraçadinho, levantar a poeira do terreiro da nossa casa e viver na sanfona e no zabumba o sonho da essência regional daquilo que a MPB tem de melhor.

Gilberto Gil tem na sua discografia outros discos que remetem aos festejos juninos. Deles, Fé na Festa, de 2001, é um exemplo.  Mas no mundo nordestino desse artista há ainda As Canções de Eu, Tu e Eles e o São João ao Vivo, além do CD/DVD Fé na Festa ao Vivo, gravado no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Já neste novo disco, advindo da live do ano passado, de todas as músicas inclusas o mestre Luiz Gonzaga é lembrado em oito composições. A ele se unem obras de Dominguinhos e Anastácia, Targino Gondim e do próprio Gil. A live é um grande unir de família. Tem Preta Gil, Bem Gil (guitarra), José Gil (percussão e vocal) e Nara Gil (backing vocal), além de Mestrinho (sanfona) e Jorginho Gomes (zabumba). Nela, Mestrinho lembra num momento das dificuldades de viver sem o São João por causa da pandemia que desfez a realização das festas nos últimos dois anos, mas lembra que dá para tirar o sofá da sala e forrozar, xaxar ou xotear. 

Senão, como o próprio Gilberto Gil fez questão de dizer ao fim do São João em Araras, “como dizia Dona Canô, quem não morre, envelhece”. E nessa live ele comemorou mais um ano de vida. Na casa serrana da família que ele chama de “A Linha e o Linho”, ouviu parabéns pra você e mostrou que ainda dá no couro, feito mostra a música Óia eu Aqui de Novo. Na verdade, nosso ex-ministro da Cultura e hoje imortal da ABL parece não envelhecer. Como os bons vinhos, rejuvenesce a cada obra. Na live ele segura a onda sem intervalo, sem edição e regravação. É ele 100%. Totalmente Gil. Genial. E como amo ele de paixão, fica difícil não gostar de tudo que faz. 

Neste CD, encontrado em todas as principais plataformas digitais, para nossa alegria, Gil nos traz o seguinte repertório: Fé na Festa, Dança da Moda, Óia eu Aqui de Novo, Assim Sim, Respeita Januário, O Xote das Meninas, Eu Só Quero um Xodó, Asa Branca, A Volta de Asa Branca, São João Xangô Menino, Me Esperando na Janela, Qui Nem Jiló, Pedras Que Cantam, Isso Aqui Tá Bom Demais, Toda Menina Baiana e Olha Pro Céu. Enfim, como este é um disco que se acha fácil na internet, não deixe de ouvir e curtir. É um convite à alegria, a paz, a saudade e o Nordeste. Afinal, vai que uma nova variante desse vírus, que não é uma gripezinha ou sequer um resfriadinho, como quis plantar alguém que não merece nem ser nominalmente citado, surge e ficamos outra vez sem o São João... Torçamos para que não. Não merecemos. A felicidade e a alegria têm que ser urgentemente replantadas dentro do coração de cada um de nós. Em São João em Araras – Ao Vivo as sementes estão aí prontas para brotar. É só deixar jogá-las no chão das nossas vidas. Enfim, “vamos pra frente que para trás não dá mais”.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Revista do Samba faz jus ao nome

Por Edmilson Siqueira 

Eles estão há 23 anos na estrada, já gravaram cinco discos e realizaram shows pelos quatro cantos do mundo. É o Revisa do Samba que tenho acompanhado há um bom tempo, depois que comprei o primeiro CD do grupo, gravado em 2002. Os outros eu tenho arquivado no micro e são todos de ótimo nível. Formado por Letícia Coura na voz e cavaquinho, Beto Bianchi no violão e voz, e Vitor da Trindade na percussão e voz. 


O primeiro disco, Revista do Samba, foi feito na Traumton Records/Robdigital e dele constam clássicos do samba, todos com arranjos novos e muito bem interpretados.  


Logo de cara, após uma vinheta, o grupo entra com Lata D'Água, de Luís Antônio e Jota Júnior (dois capitães do Exército, no Rio), o samba campeão do Carnaval de 1952 na voz de Marlene. Aqui, sem frescuras, o samba é apresentado limpo e correto, com percussão, violão o e cavaquinho.  

A faixa seguinte, Atire a Primeira Pedra, de Ataulfo Alves e Mário Lago, é apresentada em dueto, quase à moda dos antigos conjuntos de samba. Gravado por Orlando Silva em dezembro de 1943, o samba estourou no Carnaval de 44 e até hoje é cantando por aí. Aqui, a gravação começa à capela, mas logo ganha o ritmo e os acordes do grupo.  

O grande Monsueto Menezes e Ayrton Amorim assinam a próxima música, nada menos que Me Deixa em Paz, um sucesso do Carnaval de 1952, que chegou a ser gravada até por Milton Nascimento. O Revista do Samba não deixa por menos: também executa a música em andamento lento, num dos momentos mais marcantes do disco. 


Mais um clássico na fila: De Conversa em Conversa, de Lucio Alves e Haroldo Barbosa, eternizado por Marlene e muitos outros cantores de MPB. O samba, de 1947, mas com jeito de bossa nova e próprio para ser cantada com divisões quase jazzísticas, sobrevive até hoje com uma modernidade de dar gosto.  


O samba, quase hino, A Voz do Morro, de Zé Kéti, de 1956, chega com um violão lento e uma batucada forte que domina todo o resto da interpretação do Revista, sumindo apenas no final onde predomina novamente o violão, numa espécie de introdução para a próxima música: Leva Meu Samba, do mestre Ataulfo Alves, composta em 1941. 


O mais antigo samba de que se tem conhecimento e a primeira gravação do gênero, Pelo Telefone (Donga e Mauro de Almeida), de 1917, não podia faltar nessa coletânea de clássicos. Gravado com toda reverência pelo Revista.  


Assis Valente, outro histórico compositor de sambas, comparece na voz do Revista com Por Causa de Você, Yoyô, de 1937 que recebeu interpretação humorística do grupo, de acordo com a letra do samba. 


Outro clássico que até hoje povoa nossa memória e que por muito tempo ainda ficará por aí é O Sol Nascerá, de Cartola e Elton Medeiros, escrito em 1960. As apenas oito linhas da letra são acompanhadas por palmas sincopadas evidenciando sua beleza melódica. 


O Samba e o Tango, de Amado Régis, de 1937, talvez não seja tão conhecido pelo nome, mas bastou ouvir as primeiras frases ("Chegou a hora, chegou, chegou) que vem à lembrança um samba rasgado com um intermezzo de tango que lhe cai muito bem. 


A música seguinte foi composta em 1935, mas nesse ano da graça de 2022 ganhou nova gravação para ser trilha de novela da Globo. Por aí percebe-se a perenidade de Tic-Tac do Meu Coração, de Alcyr Pires Vermelho e Walfredo Silva. Composta em 1935, foi gravada por Carmem Miranda aqui e, em 1942, nos EUA. O Revista faz jus à fama da música com uma bela gravação. 

Não Vou Pra Casa, a declaração de amor ao samba de Roberto Riberti e Antonio Almeida, composta em 1941, é apresentada de modo singelo o correto. 


Adoniran Barbosa, nosso Poeta do Bixiga, não poderia faltar numa coletânea de clássicos do samba. E é ele o autor do penúltimo samba do disco, Apaga o Fogo, Mané, o triste samba da mancada que a Inês dá no Mané, na inspirada letra e melodia do grande Adoniran.  

E, pra encerrar, o pai do samba de asfalto brasileiro, o genial Noel Rosa. Três apitos, a enigmática música do Poeta da Vila fecha, com chave de ouro, esse disco dedicado ao samba e com um repertório divinamente escolhido pelo Revista. 


Um fim digno de um disco delicioso desse grupo que, por todos os caminhos em que se envereda, dá conta do recado. Vida longa ao Revista do Samba.  


Os cinco discos deles estão em apresentações especiais no Youtube nesse endereço: https://www.youtube.com/c/RevistadoSambaOficial 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A viola da Filarmônica que rompe veredas

Por Ronaldo Faria

A viola caipira é incrível, coisa sonora que fala por si e nos remete às plagas mais recônditas da alma do sertanejo, do brasileiro que descobriu com o passar dos tempos, neste instrumento vindo de Portugal com nossos colonizadores, uma assinatura melódica do Interior de São Paulo, do Sul de Minas Sul, de Goiás, Mato Grosso e Norte do Paraná, principalmente. Mas tem a viola nordestina também. Todas arraigadas nas cordas de aço e nas mãos do violeiro que a toca a criar notas mil. Hoje eu vou falar sobre a Orquestra Filarmônica de Violas, criada em 2001, com sede em Campinas e que tem três CDs – o Orquestra Filarmônica de Violas I e II e o Encontro das Águas gravados. O primeiro é de 2005, o segundo foi gravado em 2010 e o terceiro é de 2017. São três CDs que não podem faltar para quem ama esse instrumento e a música de raiz. E uma notícia prazerosa: este ano o grupo completa 20 anos de vida sonora. Logo, que mais 20, 40, 60 e tantos outros venham pela frente!

O primeiro disco, o Orquestra Filarmônica de Violas, tem 14 composições e 33 violeiros. Todas elas clássicos do gênero. Logo na abertura tem Vide, Vida Marvada, do grande Rolando Boldrin, a quem vou dedicar um texto obrigatoriamente logo mais. Nessa música, o arranjo do diretor musical do grupo à época, Ivan Vilela, um ícone e uma referência no estudo das raízes da música brasileira, mantém o lirismo e a poesia melódica. Depois vem Estrada da Vida, de Zé Rico, com vozes de João Paulo Amaral, que viria depois a assumir o lugar de Vilela como diretor musical, e Messias. Daí segue com Canoeiro, de Alocin e Carreirinho, clássico que o ex-presidente JK amava; Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, numa prova de que o Nordeste pode respirar na viola; a eterna Chalana, de Mário Zan e Arlindo Pinto, com batida no fundo da viola a marcar uma percussão; e Luar do Sertão, de Camilo da Paixão Cearense e João Pernambuco, outro marco da MPB, que tem as vozes de Osório e Ana Luiza ao fundo. 

Na sequência temos a bela Arredores, música e solo de Vinícius Alves; Rio de Lágrimas, composta por Tião Carreiro, Piraci e Lourival dos Santos, uma epopeia de Piracicaba e clássica memorável; Vaca Estrela e Boi Fubá, do poeta nordestino e brasileiro Patativa do Assaré, num ritmo melancólico e que remete às tardes de sol a cair; De Papo Pro Ar, dos grandes Joubert de Carvalho e Olegário Mariano, executada pelo Trio Carapiá; A Moda Mula Preta, de Raul Torres; e Cabocla Tereza, de João Pacífico e Raul Torres nas vozes de duas deusas da MPB – Suzana Salles e Ná Ozetti. Daí rola O Menino da Porteira, de Teddy Vieira e Luizinho, que dispensa falação; e finalmente, para fechar o CD, um pouco de respirar São João com Pula Fogueira, de Amor de João Bastos Filho. E haja vontade de ouvir de novo.

No Orquestra Filarmônica de Violas II, com 21 violeiros no dedilhar, há o início de uma virada de composições e alvo, com um trabalho mais esmerado, abrangente além do sertanejo (que continua como mote) e de beleza inconfundível. Ao todo são 12 músicas. Começa com o Você Vai Gostar (Casinha Branca) do monumental Elpídio dos Santos; vai para o clássico Romaria, de Renato Teixeira, de quem um dia falarei. Ela tem a voz de Ana Gilli para abençoar quem vive como caipira; vem então Primavera Pantaneira, de Messias das Violas e Vinícius Alves, num estilo “rasqueado”; e chega a Correnteza, do Maestro Soberano Tom Jobim com Luiz Bonfá, numa prosa de que o instrumento vive para brincar de poesia. A letra tem a voz do grande Renato Braz, que foi tema de um artigo do Edmilson Siqueira aqui no blog; Anastácio, de Anderson Batista, e a folclórica e eterna Índia, de José Asunción Flor e Manuel Ortis Guerreiro, com versão de Zé Fortuna e a voz de Tetê Espíndola dão o tom depois. 

O Orquestra Filarmônica de Violas II continua com Improviso, de Antonio Madureira, na beleza das violas do Duo Catrumano; Cana Verde, de Tonico e Tinoco nas vozes de Messias da Viola e Osório Cardoso; a eterna Chico Mineiro que João Paulo Amaral e Osório Cardoso cantam no clássico de Tonico e Francisco Ribeiro; Campo Branco, do incrível Elomar, com Lenine Santos a cantar; a Coisa Tá Feia, de Tião Carreiro e Lourival dos Santos; e finalmente São Jorge, daquele que é um mito da MPB – Hermeto Paschoal. Ou seja, música para todos os gostos.

No CD Encontro das Águas há as seguintes músicas: Viola Chic Chic (Tião Carreiro e Zelão), Bachianas Brasileiras nº 5 - Ária (Heitor Villa-Lobos), Fé Cega, Faca Amolada (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), Tocando em Frente (Almir Sater e Renato Teixeira), Alvorada (Chrystian Dozza), Encontro das Águas (Tavinho Moura), Terra Clara (João Paulo Amaral e Luis Felipe Gama), Lamento Sertanejo (Dominguinhos e Gilberto Gil), Brejeiro (Ernesto Nazareth) e Going to California (Robert Plant e Jimmy Page). Ou seja, um passeio por gêneros e tempos onde a viola caipira se inclui e se faz. Até no rock britânico de Led Zeppelin. Neste CD, 17 violeiros resistindo ao tempo e provando que a cada novo disco do grupo há uma amplitude de proposta e a coisa fica ainda melhor. Ou seja, o tempo lapida o diamante que sempre foi de milhares de quilates, mas vira algo maior com cada ano vivido e tocado.

Como disse o diretor musical João Paulo Amaral ao blog Cantares e Esquinas (https://ronaldofaria57.blogspot.com/2021/05/filarmonica-de-violas-de-caipira-ou.html). “A gente não tem vontade de fazer a música tradicional de viola simplesmente como ela foi composta há 50 ou 60 anos. A gente tem necessidade de botar um pouco da nossa geração e mostrar essa possibilidade que a viola traz justamente com a linguagem da música caipira junto com a técnica que a viola vem ganhando nos últimos anos. A abertura de ser um instrumento que toca em diversos universos, não só da música de raiz, como no choro, na música instrumental e muito mais. Há coisas que estavam desde nosso primeiro disco. Estamos dando sequência nisso. Mas há mais. Pensando em responder a esse anseio de todos nós de querer fazer um disco mais sofisticado que o anterior, no sentido do desafio, ao mesmo tempo que o grupo é heterogêneo. Tem gente aqui que ainda não é profissional e os arranjos têm de conceber essas condições de ter um naipe mais simples. Mas o arranjador mesmo assim tem condições de fazer coisas bacanas. Logo, não é dizer que é tudo complicado. A gente usa a inteligência desses arranjadores que trabalham junto com a gente, a maior parte sendo do próprio grupo, para tirar o melhor da orquestra. E trazer desafios.” 

Para Amaral, “o terceiro CD é, com certeza, um disco que demandou muito esforço de cada um, de estudo individual. Eu gosto de lembrar que alguns, por conta do disco, passaram a fazer aulas de música em paralelo, para conseguir facilitar esse processo de aprender arranjos novos. Então, isso é um fato que mostra o movimento do grupo. Ou seja, não é nada vertical do tipo tem que fazer isso e pronto. O próprio grupo é que está se movimentando. E esse é o interesse que a gente tem: de mostrar a viola e ainda mais com a coisa dos solistas, algo que foi um desafio e traz um pouco mais de responsabilidade para a gente. Ao chamar e integrar no projeto caras como Nailor Proveta, Toninho Ferragutti, Fabio Presgrave, Chrystian Dozza, Alexandre Ribeiro e Ricardo Herz, cada um que é exponencial na sua área, a gente quis fazer um trabalho que justificasse chamar esses camaradas. Não é uma coisa a reboque, do tipo tem um figurão lá que foi dar uma força. Não. Nós queremos fazer um trabalho que justifique a presença deles e que eles se sintam felizes de participar de um trabalho como o nosso.” Ou seja, nos preparemos para novos voos para os próximos anos. Com a benção de São Gonçalo do Amarante e quem mais for.

O Orquestra Filarmônica de Violas I e Encontro das Águas podem ser ouvidos no Amazon Music, no Spotify e no Deezer. Já o Orquestra Filarmônica de Violas II não está disponível nessas plataformas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Mais dois resgates musicais do Farol...

Por Edmilson Siqueira

Gil e Jorge

Ele estava escondido no meio da estante de CDs, um trabalho único realizado em 1975 por dois dos maiores compositores e cantores brasileiros e agora tem estado em primeiro lugar no hit parade lá de casa. Gil e Jorge eu tinha em vinil. Até sei onde desapareceu: ficou na casa de um irmão ou cunhado de um amigo chamado Pardal. Acho que foi uma festa, eu levei o disco, esqueci lá e nunca mais voltei para apanhar. Por quê? Sei lá.

O fato que interessa é que muitos anos depois ele foi reeditado em CD e eu fui um dos felizes compradores. Saiu numa série chamada, muito a propósito, Colecionador. A impressão que se tem é que colocaram os dois geniais músicos dentro do estúdio e, sem ensaio, eles começaram a cantar, deixando que o talento de cada um se encarregasse de tudo. E não deu outra.

O CD começa com uma oração, Meu Glorioso São Cristóvão, de Jorge Ben (naquele época ele ainda não era Benjor) que, parece, o Gil não sabe a letra. Vai repetindo tudo o que Jorge canta, em 8 minutos de gravação. Depois vem aquele suingue que Gil fez em Londres e que por aqui ninguém entendeu, Nega, com 10 minutos de música e improviso de deixar gringo babando. Outros 10 minutos são ocupados por Jurubeba, do Gil também, uma brincadeira com todas as qualidades medicinais da planta, num ritmo alucinante. 

Quem Mandou, de Ben, é “curtinha”: apenas 6 minutos e 46 segundos desse ‘sambalada’ romântico, delicioso. Depois temos 12 minutos do clássico Taj Mahal, talvez a mais elaborada do disco, com percussão e contrabaixo. Depois vem outra de 6 minutos: Morre o Burro Fica o Homem, composição bem ao estilo de Jorge Bem, seguida de mais uma brincadeira de Gil, Essa é Pra Tocar no Rádio, que parece ter sido feita no estúdio mesmo, já prevendo que o disco jamais cairia nas graças dos programadores de rádio. Ainda mais que os dois não faziam parte dos esquemas de mutretas que imperavam (imperam?) nas emissoras. O clássico Filhos de Ghandi também mereceu 12 minutos de pura magia nas vozes e violões dos dois.

E, para encerrar, um sarro. Pois é, a música chama Sarro mesmo e, para espanto geral, só tem 1 minuto e 23 segundos. É apenas um batuque com Gil improvisando uns sons, encerrando essa verdadeira jam session tupiniquim, na voz e no talento de dois dos maiores representantes da MPB que já aportaram por esse planeta musical chamado Brasil.


O samba não morre

Como o verão anda meio reticente – talvez nesse domingo ele já tenha se instalado por aqui, mas quando escrevo, 6 dias antes, as manhãs ainda têm um arzinho frio e nas noites não dá para ficar no terraço bebericando uma Bohemia – eu vou tentando melhorar o clima ouvindo um sambista da gema, desses que fazem samba como se conversassem com a gente, tal a fluidez da melodia, a precisão do ritmo e a beleza das letras. Estou falando de Moacyr Luz e seu último CD, Samba da Cidade, que anda em primeiro lugar na parada de sucesso lá de casa.

Moacyr está com 45 anos (ele é de abril de 58), carioca e cada vez melhor. Também pudera: além do talento para fazer samba, se alia a parceiros como Aldir Blanc, Martinho da Vila, Paulo César Pinheiro, Nei Lopes e Luiz Carlos da Vila. Às vezes inverte a proposta: faz a letra e Wilson da Neves, por exemplo, faz a música. E tome samba das melhores lavras. 

O CD flui calmo, sem arroubos de avenida mesmo quando canta, com Martinho, a querida Vila Isabel (Afilhada da Portela /Olhei pro céu e vi /Jaburu, Waldir, Monarco/Diz como te amo Vila Isabel). Ou então quando homenageia o grande Lan, numa parceria com o genial Aldir Blanc. Lan, um mito entre os desenhistas brasileiros, é retratado pela fina pena de Aldir como num samba-enredo que acaba se tornando uma homenagem a muitos outros artistas que passaram pelo traço de Lan.

Um dos pontos altos do CD é um samba de Moacyr com Paulo César Pinheiro, onde o tema é ninguém menos que o velho Pixinguinha. Chama-se Som de Prata e tem um arranjo que mistura na flauta temas do genial Pixinga. Algumas das músicas nos remetem às origens africanas, como uma das classificadas num festival da Globo – Eu Só quero Beber Água – ou então à saudável e antiga malandragem carioca, como em Briga de Família, um delicioso samba de costumes.

Moacyr Luz é uma dessas provas de que o samba agoniza, mas não morre. Nesses tempos em que o samba começa a retomar seu lugar – ocupado por uns tempos pelos nefandos pagodes, hoje restritos a programas de televisão classe C – é muito bom saber que tem gente que leva o samba à posição que ele merece, num trabalho sério, honesto e que não tem como único objetivo a caixa registradora da gravadora e os bolsos dos “artistas”. Moacyr Luz faz samba e cultura. Daqui a cem anos, ninguém vai se lembrar dos tchans da vida. Mas Moacyr é presença obrigatória em qualquer enciclopédia da música popular brasileira.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Chico a fechar o clã Adnet

Por Ronaldo Faria

São dez faixas em 30 minutos. O CD, de 2018, traz a assinatura pessoal de todas as composições desse carioca de família vocal e genial e uma única parceria – em Eu Quero as Tuas Canções, onde o dono do piano, Chico Adnet, assina a música junto com Luiz Fernando Gonçalves. Na verdade, Leva no Piano, é um disco do Chico Adnet mas passaria bem como do outro homônimo, o Buarque, ou do Tom Jobim, ou do Edu Lobo ou do Francis Hime. Afinal, todos eles batem no mesmo diapasão - o da boa música, dessa que faz a gente acreditar que a MPB é um baú incansável e inigualável de beleza e sonoridade.

Chico Adnet surgiu também no Céu da Boca, onde a sua irmã Maucha era outra integrante. E como todos os meninos e meninas daquele grupo, não deu erro. Virou um diferencial. Francisco José Gonçalves Adnet, nascido no Rio de Janeiro em 1961, é parte de uma família que já foi citada aqui em textos anteriores e que incluem Mario, Maucha, Muiza e Antonia. Ele é pai do Marcelo Adnet, outro genial que desandou para a comédia, mas se quisesse poderia ter seguido os passos paternos, dos tios ou da prima. Aliás, em sambas-enredos ele já virou referência e parceria para a avenida na Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ), além das paulistas Gaviões da Fiel, Leandro de Itaquera, Dragões da Real e Rosas de Ouro, e a carioca São Clemente. Enfim, o raio caiu várias vezes nessa dinastia musical. 

Leva no Piano tem sambas e muito mais. Foi gravado tendo como base o piano do Chico na sua casa e complementado em estúdio.  Ao todo, as dez canções são Leva no Piano, Leva no Pandeiro, Eu Quero as Tuas Canções, Bem-Vinda, Samba da Feira, Acorda (Jobiniana), Rua da Conceição 25, Samba de Cor, Luiza, Solidão (Beco das Garrafas) e Sete Pecados Capitais.

A primeira das composições tem somente um pandeiro (Marcos Suzano) e um baixo (Jorge Helder) a acompanharem o instrumento-tema. E nem precisava mais. É um samba belíssimo, uma ode ao Rio de Janeiro, ao chorinho e aquilo que tem beleza e harmonia. Em Eu Quero as Tuas Canções, apenas o piano de Chico e o flugelhorn de Aquiles Moraes. É uma composição intimista, dessas de se ouvir na madrugada pensando na amada, a mostrar que “o sonho é uma ilusão de ser feliz”. Em Bem-Vinda, outra que romperia a noite, com o clarinete de Joana Queiroz a acompanhar as teclas pretas e brancas. “Me arrasta na incerteza/ Inunda meu coração/ Mergulha nas minhas águas”.

O Samba de Feira tem acompanhamento das vozes de Maucha e Muiza Adnet, além da percussão de Marcelo Costa e o clarone de Pedro Paes. Uma brincadeira entre aquele que quer conquistar e a sua futura amada a ver a corte que ele faz. Um colírio para os ouvidos, já que os olhos estarão presos nos chuchu, cajazinho, tacacá, feijão mulatinho, angu com quiabo, doce de coco e muito mais. Acorda (Jobiniana) é um presente auditivo na voz e piano de Chico, que certamente lembra em muito o Maestro Soberano para acordar Tatiana “vendo imagens de um filme com música de Tom Jobim”.  Em Rua da Conceição 25, só a flauta de Andrea Ernest vibra junto às pretinhas e branquinhas. Tudo como “velas ao vento a flutuar, cruzando tempo devagar”. Já em Samba da Cor tem a percussão de Marcelo Costa, a flauta de Edu Neves e o violão do irmão Mario Adnet.  “Não vou ao terreiro/ Não sou da folia/ Não levo no pandeiro/ Nem na palma da mão/ Mas tenho poesia/ Que eu sou brasileiro/ E o samba tá vivo/ No meu coração”.

Luiza é só voz e piano. Nem precisava mais. “Luiza/ Teu farol me guia/ Na escuridão/ Acalma outra tempestade/ No meu Coração/ Dançando ao meu redor/ Os sonhos em botão”.  Tom Jobim assinaria esta canção de olhos fechados, sem mudar uma letra, uma nota, uma vírgula ou uma cifra. Em Solidão (Beco das Garrafas), novamente piano e voz, na certeza de que a madrugada é mãe de todos os poetas e amantes. “Quando a lua/ Já vai alta no céu/ Às 4 da manhã/ Saio do Piano/ Há qualquer coisa/ Nos olhos do garçom. (...) Ah, querida/ Me espera pro café/ Eu já tô indo/ Eu levo o pão”. 

Finalmente chega Sete Pecados Capitais. A última faixa do CD. É a música que tem mais instrumentos juntos. Além do piano do Chico, o baixo de Paulo Brandão, o trombone de Éverson Moraes e a percussão de Marcelo Costa. O dueto de vozes é com Pedro Miranda. É um samba meio gafieira que fala de elogios brincalhões e próprios e de sete amigos que são tidos como os verdadeiros pecados capitais: Maucha, Muiza, Mario, Deda, Joana, Suzana e Jorge Helder, além dos demais. E os demais são aqueles que o acompanharam no disco. Esse samba teria a assinatura de Chico Buarque igualmente sem mudar nada.

Ou seja, Chico Adnet é genial, inteligente, eclético e fundamental à MPB. E prova neste disco que não é preciso ter uma banda gigantesca ou uma orquestra sinfônica ou filarmônica para se criar uma pérola rara do mundo musical. Basta ter nascido com um algo a mais: a música de qualidade como DNA intrínseco e real. Não deixem de ouvir também dois outros discos dele: Piano e Alma do Brasil, este último o primeiro da carreira solo e lançado quando Chico tinha 50 anos. Ambos fantásticos. Ambos com a assinatura de um Adnet, a família musical e que enche de orgulho a nossa terrinha continental.

Esse CD e os outros dois podem ser ouvidos e vividos no Amazon Music, Deezer e Spotify.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

AVISO!

 Excepcionalmente hoje não teremos o artigo de Edmilson Siqueira. Ele retorna na quarta-feira.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Resgate de crônicas

E pra não ficar mais uns dias ausente, vasculhei meus arquivos das mais de 400 crônicas que escrevi para a Revista Metrópole do Correio Popular e garimpei duas delas que seguem abaixo. Minha próxima vez aqui é segunda-feira. Acho que até lá vai dar pra voltar a escrever. 

Por Edmilson Siqueira 

Pimenta Pura 

Pois o choro, aquele mesmo que Pixinguinha, Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga andaram inventando no início do século 20, encontrou bom abrigo por essas plagas. Depois de pairar soberano por décadas no Rio de Janeiro, ele foi renascer justamente onde menos se esperava: em Brasília. Explica-se: no início dos anos 60 a capital do país saiu do Rio e foi para o Planalto Central. Muitos funcionários públicos cariocas tiveram que deixar as praias e ir respirar o ar seco do planalto central. E quando batia a saudade, o que rolava? Claro que um bom samba e um choro. Os filhos desses “candangos” cresceram ouvindo boa música e, no fim dos anos 80, já adultos, iniciaram uma pequena revolução musical instituindo o choro como música oficial em alguns botecos brasilienses. A moda pegou, claro.  

E aqui em Campinas? Nossa revoluçãozinha começou com a Sinfônica e o curso de Música da Unicamp atraindo talentos de várias partes do país. Daí a vida noturna intensa em matéria de música ao vivo que tivemos nos anos 80 e início dos 90, e que agora está retornando em diversas casas espalhadas por Barão Geraldo, Sousas, Joaquim Egídio, Cambuí, Vila Nova etc.  

Claro que por aí se ouve de tudo, jazz, rock e samba, mas um CD recém-lançado chama a atenção. É de “cinco bandidos” que se juntaram justamente para tocar na noite. E de bar em bar foram construindo uma identidade difícil de se encontrar mesmo nas melhores famílias. Eles são o Choro Bandido, uma das mais gratas surpresas musicais dos últimos tempos que essa cidade produziu.  Adriano, Anderson, Marcelo, Daniel e Chiquinho mostram no CD a mesma perfeição das tardes de domingo do Deck Sousas, quando, entre generosos copos de chopp da Brahma, a gente se esquece do tempo ao som do bandolim, do clarinete, do violão de sete cordas, do cavaquinho e do contagiante ritmo do pandeiro de Chiquinho do próprio. Ou então nas noites de terça do Santa Fé, quando o grupo faz a gente comer mais uma pizza mandando o regime às favas, só para ouvir mais um pouco o som dos ‘bandidos’.  

O CD se chama Apimentado, que é o choro que abre o disco, composição de Marcelo Falleiros, que não fica devendo nada para choros de Ari Barroso, Paulinho da Viola, Dilermando Reis, Jacob do Bandolim e Laércio de Freitas, cujas composições também estão presentes no CD, numa ótima seleção. Taí uma sugestão de presente tão bom de dar quanto de receber. 


Um elepê 

Foi na loja do Osny, a Hully Gully Discos, que vi a cara do elepê. Estava lá na estante onde ficam os elepês e não o teria visto se ele não fosse o primeiro da fila. Por desvalorizados 5 reais qualquer um poderia levá-lo para casa. O nome é simples: Plus. Na capa, sorridentes e trocando um olhar que parece significar algum caso entre eles, Astrud Gilberto e James Last. De Astrud qualquer amante amador da música como eu sabe que foi quem primeiro gravou, nos Estados Unidos, Garota de Ipanema em inglês, com João Gilberto e Stan Getz e ficou várias semanas em primeiro lugar na parada lá deles. Além disso, é dona de uma sólida carreira e suas interpretações percorrem mundo. Sem ser uma superstar, é respeitada e nos EUA e na Europa.  Já o maestro James Last era para mim um ilustre desconhecido. E é nessas horas que a internet é a maior amiga do homem, depois do uísque, claro. Por ela descobri que James Last é alemão, mas construiu sua carreira como maestro e arranjador nos EUA. E foi uma carreira com grandes sucessos, já que ele foi quem inventou um treco chamado “non-stop-dance” que vendeu como abobrinha na feira.    

Mas o que importa, no caso, é que o elepê Plus é um achado. Misturando uma orquestra completa, com alguns músicos brasileiros como Paulo Jobim, Marcelo Gilberto, Duduka Fonseca e Café mais a voz de Astrud cantando um repertório que inclui até clássicos do jazz como Caravan de Duke Ellington e Juan Tizol na qual Irving Mills e a própria Astrud botaram uma letra, a coisa funciona muito bem. A isso somam-se três músicas de Paulo Jobim com Ronaldo Bastos (Samba do Soho, Moonrain e Saci), duas da própria Astrud Gilberto (Champagne and Caviar e Amor e Som), além de duas parcerias suas, uma com Antonio Carlos Jobim (I’m not without you) e outra com Duduka Fonseca (Forgive me). Claro que não poderia faltar pelo menos uma de James Last, que é a With Love, feita em parceria com Ron Last. O álbum se fecha tendo como última música do lado B (lembram?) um clássico de Jobim e Vinicius – Água de Beber.  

Agora é levar o elepê para o Osny de volta e encomendar um CD. Aliás, dois, pois quando peguei esse Plus na loja, ele me exibia todo orgulhoso, uma raridade de Adoniran Barbosa, que ele não vende de jeito nenhum, um disco-brinde, produzido pela Olivetti que não foi distribuído comercialmente e que tem até uma parceria de Adoniran com Hilda Hilst. É mole?  

Adendo atual: tanto o CD da primeira crônica quanto o LP da segunda são artigos raros por aí. Nem a Hully Gully ali na Doutor Quirino existe mais. Mas ficam as lembranças de um tempo, com certeza, mais generoso. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Zeza, Alfredinho e Celinha: o trio perfeito

Por Ronaldo Faria

Falei do canário Dércio Marques no meu último texto. Ele era, ou ainda é, parceiro de cantoria e saudades do Zeza Amaral. Logo, vou falar agora de um disco ao vivo do Zeza junto com Alfredo Soares e Celinha. É o Olho de Prata. Este eu tenho físico, original, em CD. Mas amo do Zeza o Clareia também (e como amo), só que este era em vinil e só obtive em MP3. Eu conheço o Zeza Amaral desde 1982, no Diário do Povo, o centenário e assassinado jornal onde comecei a minha vida jornalística em Campinas. Eu e ele fazíamos a revisão dos textos do Wanderley Doná, repórter policial que era referência na cidade naqueles idos, e eu acabava sendo o interino do Zeza quando ele não podia escrever sua coluna diária no jornal (para tristeza dos leitores). Já o Alfredo (Alfredinho) Soares, conheci da noite e das mesas de botecos, entre eles o Água Furtada, no Cambuí, que depois virou padaria e até hoje é um imóvel tombado e vazio. E, claro, no Alfredo’s, bar que era referência musical na noite/madrugada local. Com Celinha não tive contato íntimo, mas a reverencio pela voz que lembra Bethânia. E que é dela, Celinha. Incrível. 

O show Olho de Prata foi em 1979. Dele, Zeza fala na sua entrevista ao Cantares e Esquinas (https://ronaldofaria57.blogspot.com/2021/05/amaral-acreditem-internautas-do-planeta.html). “Foi dentro do Bate Papo (restaurante no Cambuí, na Rua Irmãos Bierrembach, defronte ao Largo Santa Cruz), que resolvemos (ele, Alfredinho Soares e Celinha) fazer o show chamado Olho de Prata. O nome do show quem deu foi o J. Toledo (https://pt.wikipedia.org/wiki/J._Toledo). Ele foi nosso diretor artístico e cenógrafo, junto com o Geraldo Jürgensen. Nós ensaiamos quase quatro meses direto e estreamos lá no Teatro do Centro de Convivência. Fizemos três apresentações com casa cheia. Depois, o diretor do teatro, que na época era o Carlos Braggio, nos deu mais uma semana e enchemos de novo. Mas eu não sei por que, se foi por preguiça, nós não demos continuidade ao show em outras cidades.” 

Deste “triângulo amoroso perfeito”, como Zeza diz no disco, surgiu um show incrível. Uma mistura de samba, MPB e chorinho. Pena que este espetáculo tenha durado apenas poucas apresentações. No CD, as apresentações são do J. Toledo (dele ninguém melhor do que Edmilson Siqueira, meu parceiro neste blog, para falar sobre), que conheci na noite, inclusive numa disputa por uísque com Hilda Hilst no Alfredo’s. Tive ainda o prazer de um dia conhecer, a convite, a sua casa em Sousas para tomar umas; e também de Antônio Contente, jornalista, poeta, cronista e ídolo que foi o dono da orelha de meu primeiro livro – o C(s)em Contos. Logo, deixarei para eles falarem deste disco. Perto deles, quem sou eu...

De minha parte, assino embaixo (na minha humilde pequenez) o que estes dois seres iluminados escrevinharam e curto poder ouvir esse show incrível que rolou nessas plagas das campinas musicais. Um ouvir, porém, que por erro de prensagem me toma de assalto três das 14 músicas. Elas não rodam em nenhum aparelho ou programa. Mas, a quem reclamar o CD problemático? Não há. E até pouco importa. Que assim o seja, pois a vida pune aqueles que não viveram o fato. E eu, na época do show, ainda vivia no Rio de Janeiro. E segundo o Edmilson Siqueira, nunca houve um CD ou um LP do show: "Rolou uma cópia de fita K7 que foi reproduzida por aí. A minha fita eu transformei em CD no Osny".

Ao menos ouvi e ouço parte quase integral de um espetáculo memorável. Infelizmente não é possível encontrar este disco nas viagens do mundo virtual. Como tudo de bom, se esvai ao tempo do mundo. Mas, creio plenamente, que os olhos de prata que dele surgiram nas cenas cultural e musical, continuam a brilhar entre o escuro da madrugada que cheira a vida, os versos que rompem as emoções e a entrega que irrompe entre três vozes que Campinas entregou para o mundo. Logo, Saravá. Na energia do tempo, Olho de Prata têm cor de ouro, de brisa, de história e vida que sublima tempo e espaço.

Ps.: Terminei este texto ouvindo Rosália de Souza no Amazon Music com o CD D’improviso. Sei que não tem muito a ver com o texto acima. Ou tem. Afinal, a escuridão, a noite e a madrugada trazem lembranças que vem e vão sabe-se lá para onde, em mililitros de um álcool libertário, das efemérides tão parcas e inesquecíveis no tempo do universo que cada um de nós tem em si. Uma dica: neste disco Bossa 50 é uma música incrível. Aliás, todas são. Na fila de reprodução dessa artista (seu álbum principal e que rola também no Amazon Music é Garota Moderna), tudo é incrível. Definitivamente, a MPB é um poço de maravilhas. Logo, que os deuses salvem este ano, em outubro, das trevas que habitam a cultura nacional. A luz da beleza há de voltar a brilhar.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...