Por Edmilson Siqueira
Charles Mingus não é para principiantes. Quem está
acostumado com o jazz de piano, bateria e contrabaixo, com os grandes cantores,
com as famosas orquestras, certamente vai torcer o nariz ao ouvir o complexo
som que sai da cabeça e das mãos desse contrabaixista (às vezes pianista) que
nasceu há 102 anos e morreu em 1979, aos 56 anos, na cidade de Cuernavaca no
México, onde tentava um tratamento de uma esclerose lateral amiotrófica. Seu
corpo foi cremado e suas cinzas espalhadas no Rio Ganges na Índia.
Curiosamente, nos anos 1980, eu que já apreciava jazz, mas
não tinha nenhum disco ainda, comprei, como já contei aqui, por sugestão do
amigo Tatá, na antiga Raposa Vermelha (nem Tatá nem a Raposa existem mais,
infelizmente) justamente um LP de Mingus ("Three or Four Shades of
Blue") que, por sorte é um dos mais palatáveis e melhores do artista.
Embora jamais tenha sido um campeão de vendas, mesmo entre
os jazzistas, Mingus sempre foi, depois dos primeiros discos, muito respeitado
entre seus pares. Sua criatividade não tinha limites e ele tanto podia aparecer
tocando num trio, como num grupo com metais e guitarra. E, muitas vezes,
acrescentava vocais inesperados às suas músicas.
O respeito não foi decorrência de sua simpatia. Pelo
contrário: Mingus tinha muitas vezes um temível temperamento, o que lhe
provocou o apelido de "The Angry Man of Jazz" (O Homem Zangado do
Jazz). Este comportamento negativo acabava resultando em autênticas erupções de
raiva em cima do palco, embora com o tempo ele tenha conseguido moderar o seu
comportamento.
Contudo, essa característica acabou valorizando ainda mais
sua música, e ele acabou ficando com a fama, merecida, aliás, de grande
compositor. Curioso é que ninguém compara Mingus a outros, pois, no caso, suas
melodias não são nada convencionais e é preciso ouvi-las algumas vezes para
perceber a riqueza criativa que nelas se insere.
Houvesse alguma dúvida sobre sua genialidade, ele não teria
sido motivo de uma edição brasileira da Abril Coleções que aqui recebeu o nome
de Mitos do Jazz. A coleção original foi produzida pela "Kind of Blue
Records". Para se ter uma ideia, o texto de apresentação sobre Mingus diz,
logo de cara, que ele foi um dos mais irrequietos e criativos músicos de
jazz.
Dos seis CDs que tenho dele, estou ouvindo "Mingus
Moves", talvez um dos mais introspectivos na já introspectiva obra do
jazzista.
Foi gravado em 1973 e é um dos últimos trabalhos do
baixista, compositor e líder de banda. Mingus contratou três novos músicos para
a gravação: Don Pullen no piano; Ronald Hampton no trompete e George Adams no
saxofone tenor. O baterista Dannie Richmond, um dos pilares das bandas de
Mingus nas décadas de 1950 e 1960, voltou à banda no primeiro dia de gravação
depois de não trabalhar com o baixista por vários anos.
O álbum, embora não seja geralmente considerado um dos
melhores de Mingus, apresenta três composições notáveis: "Canon",
"Opus 3" e "Opus 4". "Canon" é um tema, como o
título sugere, que pode ser sobreposto a si mesmo. A música tem um caráter
espiritual, à la Coltrane, e é tocada com um som quente por Pullen e Adams.
"Opus 3" é baseado na composição de Mingus de 1957
"Pithecanthropus Erectus", na qual certas seções são tocadas sem
restrições de tom ou métrica. "Opus 4" é um swing direto que
apresenta Don Pullen tocando um solo livre.
As outras músicas incluem "Moves", uma composição
escrita e cantada (junto com Honi Gordon) por Doug Hammond; "Wee",
composta e arranjada por Sy Johnson; "Flowers", escrita por Adams e
"Newcomer" por Pullen, dedicada à sua filha recém-nascida.
O LP lançado em 1973 terminava aí, mas o CD, lançado em 1993
e que é o que eu tenho, contém as faixas bônus "Big Alice", de Don
Pullen e "The Call" (autor desconhecido), que foram gravadas durante
as mesmas sessões.
O CD está à venda ainda por aí (encontrei no Mercado Livre)
e pode ser ouvido no YouTube na integra:
https://www.youtube.com/watch?v=fXwpZyZZroI&list=OLAK5uy_mTPj1wZqiGtD66PX3x3gRK2jv7JylapZ8&index=2